E se sua instituição financeira não for de fato um banco e seu dinheiro desaparecer?
Startups on-line dos EUA que oferecem contas com taxas mais baixas, mas não são realmente bancos e causam prejuízo aos clientes
Economia|Rob Copeland, do The New York Times
Nos Estados Unidos, durante quase um século, depositar as economias em um banco com seguro federal tem sido uma garantia: se a instituição falir, até US$ 250 mil do seu dinheiro vão estar protegidos. Mas e se deixar de ser assim?
A promessa do seguro bancário – princípio da proteção ao consumidor no país desde a Grande Depressão – está sendo testada por uma crise que se abate sobre credores que operam só pela internet e que somam centenas de milhões de dólares em depósitos. As contas dos clientes foram congeladas, impedindo que as pessoas retirem suas economias de uma vida toda. A maioria dos depositantes não tem ideia de onde seu dinheiro foi parar, nem se vai poder recuperá-lo.
A crise foi desencadeada nesta primavera setentrional com a falência da Synapse Technology, o tipo de empresa de que você provavelmente nunca ouviu falar – a menos que tenha lido as letras minúsculas dos extratos do banco. Ela operava um software bancário para credores on-line de crescimento rápido, como a Juno, a Yieldstreet e a Yotta.
Com o respaldo de alguns dos maiores investidores de capital de risco do Vale do Silício, essas startups oferecem contas com taxas mais baixas e juros muito mais altos do que os bancos tradicionais. Seus sites sofisticados anunciam um seguro da Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC, em inglês), agência dos Estados Unidos que se compromete a devolver os fundos perdidos.
Ao contrário das instituições tradicionais e sérias, sua proposta é que a atividade bancária pode ser verdadeiramente divertida. “Jogue. Ganhe muito”, diz a Yotta, que conta com um sistema semelhante a uma loteria que aumenta os benefícios de alguns clientes afortunados.
Esse modelo está se tornando cada vez mais popular – sobretudo entre pessoas na faixa dos 20 e 30 anos – e é legal. O problema é que, por mais que pareçam um banco e funcionem como tal, essas startups não o são. Limitam-se a arrecadar o dinheiro dos clientes e a transferi-lo por intermediários de tecnologia financeira, como a Synapse, a bancos tradicionais que podem ter só uma agência física e uma presença mínima on-line. Quem de fato gerencia o dinheiro dos depositantes são os bancos, entre eles o Evolve Bank & Trust, de West Memphis, no Arkansas.
Caso sem precedentes
Se um elo se rompe nessa cadeia, o acesso aos fundos pode ficar complicado. Quando declarou falência na primavera setentrional, a Synapse informou que só dispunha de US$ 2 milhões em dinheiro – mas devia várias vezes esse valor. Pouco depois, titulares de contas na Juno, na Yotta e em outros lugares, com quase US$ 300 milhões em depósitos acumulados e sem relação direta com a Synapse, já não podiam acessar seu dinheiro.
O único mencionado anteriormente que é um banco registrado e que, portanto, está coberto pelo seguro da FDIC, é o Evolve – e, como ele não faliu, os clientes dos credores on-line não eram elegíveis para o seguro bancário federal automático. “Isso de fato não tem precedentes. Não há autoridade direta e legal para que a FDIC ou qualquer outra agência intervenha”, disse Jason Mikula, ex-gerente de produto do Goldman Sachs, banco global de investimento e gestão financeira, que agora escreve sobre conteúdo relacionado a finanças.
As empresas envolvidas se acusam mutuamente. A Yotta, que repetidamente anunciava seus produtos como “assegurados pelo FDIC”, declarou aos clientes que não podia ajudá-los porque o dinheiro não estava em seu poder. Sankaet Pathak, fundador da Synapse, culpou o Evolve, escrevendo em uma publicação na plataforma Medium que era “desnecessário e punitivo” que o banco congelasse os fundos. Nem Pathak nem os representantes da Juno e da Yieldstreet responderam às solicitações de comentários.
O fundador da Yotta, Adam Moelis, filho de Ken Moelis, proeminente banqueiro de investimento, afirmou ter assumido a responsabilidade de tentar resolver a situação, mas não de causá-la: “A responsabilidade dos bancos e da Synapse era armazenar e movimentarr o dinheiro e fazer uma supervisão adequada. Isso é o básico. Por mais que a gente se sinta mal pelo impacto que isso teve em nossos clientes, o fato de essas partes serem incapazes de contabilizar e conciliar dezenas de milhões de dólares não é culpa nossa.”
Até para os especialistas, o que virá a seguir não está claro. Por mais que parte dos US$ 300 milhões congelados em contas bancárias já estejam disponíveis para os clientes, de acordo com os documentos apresentados no processo de falência da Synapse, o administrador da empresa extinta, designado pelo tribunal, declarou que existe um “déficit” de até US$ 95 milhões nos fundos que a intermediária gerenciava para os credores.
Thomas Holmes, porta-voz do Evolve, declarou que, enquanto aguarda as orientações do tribunal, o banco retém US$ 46 milhões dos fundos porque descobriu “numerosas discrepâncias significativas” na documentação da Synapse.
O juiz do tribunal de falências disse que suspeita que dezenas de milhões de dólares nunca vão ser encontrados, mas que não tem o poder de obrigar os reguladores a intervir. “Essa é uma situação particularmente incomum”, observou o juiz Martin Barash em audiência, no início do mês.
Os clientes, a quem essas startups de empréstimos chamam de “usuários finais”, estão presos em uma espécie de círculo vicioso de culpabilidade. Para ter a chance de recuperar seu dinheiro, primeiro precisam descobrir quem o detém.
Muitas pessoas foram informadas em determinado momento que tinham cartão de débito e conta no Evolve, mas agora descobriram que era outro banco não identificado que estava com seu dinheiro. Holmes disse que o Evolve “transferiu todos os fundos dos usuários finais” para outros bancos a pedido da Synapse, mas não quis identificá-los. Em um e-mail enviado no dia cinco, referiu-se à situação como “complicada” e se recusou a dar mais detalhes.
Em entrevistas, os clientes se mostraram surpresos ao saber que não tinham direito a um seguro federal imediato. “Para mim, soava como um banco normal”, afirmou Erick Baum, profissional de tecnologia da informação em Sacramento, de 45 anos, que transferiu aproximadamente US$ 30 mil de suas economias do JPMorgan Chase para a Yotta depois de ouvir falar da startup em um canal popular de consultoria financeira no YouTube.
Representantes do FDIC e do Sistema de Reserva Federal, principal regulador bancário do país, não quiseram comentar. Um porta-voz da FDIC mencionou uma carta enviada pelo regulador ao administrador da falência, dizendo que considerava o colapso da Synapse “profundamente preocupante”, e que havia respondido a mais de mil reclamações e consultas de pessoas que não conseguiram acessar seus fundos.
No dia nove, o presidente do Sistema de Reserva Federal, Jerome Powell, declarou a um comitê do Senado que o banco central estava “encorajando fortemente” o Evolve a disponibilizar dinheiro aos depositantes, mas alegou que não tinha poder sobre a Synapse ou os credores on-line.
O juiz Barash declarou que não tinha respostas. Sugeriu que cada depositante poderia contratar um advogado para processar os envolvidos.
c. 2024 The New York Times Company