‘Garota de Wall Street’ ensina a tornar a riqueza acessível
Vivian Tu faz parte de uma nova onda de influenciadoras femininas que estão usando as redes sociais para espalhar a mensagem de finanças pessoais para a geração Y e a geração Z
Economia|Jeanna Smialek, do The New York Times
Em agosto passado, quando o Fed (Sistema de Reserva Federal), o banco central americano, estava prestes a cortar as taxas de juros pela primeira vez em mais de quatro anos, Vivian Tu foi ao TikTok explicar a seus 2,6 milhões de seguidores qual o significado dessa medida para a vida deles.
Ela fez o seguinte anúncio na postagem: “O Fed Daddy praticamente garantiu que em setembro reduziria as taxas”, usando o apelido que criou para Jerome Powell, o presidente da instituição. “Qual a vantagem disso? Quando o Fed reduz as taxas de juros, também caem outras taxas: hipotecas, empréstimos para carros, empréstimos pessoais e comerciais.”
Alguns meses depois, em outubro, Tu — que se autodenomina nas redes sociais “sua melhor amiga rica” — lançou um clipe para explicar qual o momento certo para refinanciar um empréstimo imobiliário, guiando dezenas de milhares de espectadores por uma calculadora de hipotecas.
Tu, de 30 anos, cria o que se pode chamar de conteúdo financeiro e econômico sério – mas nem sempre parece que é. Elaborou uma versão açucarada de aconselhamento financeiro, com vídeos que adotam formatos já conhecidos do TikTok, misturando respostas atrevidas e truques de maquiagem.
Ao fazer isso, transformou-se em uma espécie de modelo financeiro para a geração TikTok, particularmente para as mulheres, que ela chama de “melhores amigas”. Em seu podcast, Networth and Chill (algo como Patrimônio e Tranquilidade), que teve mais de dois milhões de downloads na primeira temporada, ela promete: “Nada de aulas áridas de economia, embora eu vá te ensinar economia e como isso te afeta”.
Tu tem um jeito de ser que torna tudo pessoal e direto. É uma influenciadora moderna do TikTok. Fala apaixonadamente para a câmera; extrai conteúdo da própria vida; e, ao fazer isso, adota um estilo de comunicação que faria qualquer mulher da geração do milênio, se estivesse em uma transmissão tradicional, ser repreendida: usa e abusa da modulação de voz, dos movimentos de mão e de sacudidelas de cabelo. Em uma palavra, soa feminina.
“No início, eu pensava: ‘Uau, tenho muita sorte de ser bem-sucedida, apesar de ser uma jovem que adora usar um vestido rosa quando dá uma entrevista.’ Mas, com o tempo, comecei a perceber que não estava tendo sucesso apesar disso. Eu estava tendo sucesso por causa disso”, revelou durante um evento no SoHo, onde chegou usando salto alto e um vestido longo esvoaçante cor de chiclete.
Tu é uma das muitas pioneiras de um novo modelo de consultoria pessoal em economia e finanças. No passado, os profissionais de aconselhamento econômico que evitavam falar o economês frequentemente apareciam em lugares como a rede de notícias econômicas CNBC e nos programas matutinos da televisão. Hoje, a nova geração está recorrendo ao TikTok e a outras mídias sociais para espalhar sua mensagem. Embora várias das contas mais proeminentes sejam ancoradas por homens, muitas outras são apresentadas por mulheres e dirigidas a elas.
Para a nova geração, é como se fosse um pequeno exército de réplicas de Suze Orman, a famosa guru financeira da TV.
E, mesmo competindo com uma multidão de profissionais influentes, Tu se destaca. Além de seus milhões de seguidores e mais de 30 milhões de curtidas no TikTok, tem três milhões de seguidores no Instagram. Recentemente, foi chamada à Casa Branca para se reunir com a vice-presidente Kamala Harris e outros funcionários do governo para tratar do impacto da Lei de Redução da Inflação, legislação destinada a incentivar investimentos em tecnologias de energia verde e limitar as emissões de gases. Na ocasião, Tu fez um vídeo explicando a lei.
Em seu canal, entrevistou celebridades como a tenista Venus Williams e a autora e ex-apresentadora do Top Chef Padma Lakshmi para falar sobre crescimento profissional e mentoria feminina. Foi destaque na lista de mídia social 30 Under 30, da Forbes. Logo depois que seu livro Rich AF foi publicado este ano, ela se tornou uma das duas únicas autoras na lista dos dez mais vendidos na categoria negócios do The New York Times. A outra foi a apresentadora Oprah Winfrey.
“Sua garota favorita de Wall Street”, como Tu se apresenta, também atraiu o apoio de pesos-pesados do mundo das finanças, ansiosos para atingir o público que a segue. Entre os ganhos nas plataformas e os acordos literários, ela disse que está se programando para receber US$ 7 milhões este ano.
‘Dicas práticas e conhecimento’
Tu é filha de imigrantes chineses que vivem nos arredores de Washington, D.C. O pai trabalhava em programação de computadores no Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa; a mãe, em consultoria e química.
Sua entrada em Wall Street foi convencional: decidiu estudar finanças na faculdade porque parecia uma maneira segura de ganhar a vida.
Depois de se formar na Universidade de Chicago, em 2016, com dupla graduação em estudos ambientais e política pública com concentração em finanças, começou a trabalhar como trader no JPMorgan Chase & Co., inicialmente focada em empresas industriais e de energia. Seu vigor e sua habilidade em Excel atraíram a atenção de mentores como Jean Mah, a primeira gerente que teve. Mais tarde, Tu deu a ela o apelido de “a garota mais malvada da sala”.
Mas, dois anos depois de assumir esse cargo, as perspectivas mudaram. Foi transferida para uma função diferente, e seu novo gerente desconsiderou suas habilidades por causa de seu jeito. De acordo com Tu, ele reclamava do barulho que as unhas dela faziam no teclado do computador. Em determinado momento, chegou a lhe dizer que ela era “muito feminina” para o trabalho. Em outra ocasião, quando estava no escritório vestida com um longo cardigã Ann Taylor, ele lhe perguntou se estava usando quimono.
Tu quis pedir demissão na hora. Mas, em vez disso, procurou Mah, que a convenceu a não fazer nada precipitado e esperar o mercado de ações fechar naquele dia. A ex-gerente, então, conseguiu convencê-la a aguardar até que encontrasse um novo emprego em outra empresa, e chegou a ajudá-la a encontrar uma posição na área de vendas da empresa jornalística BuzzFeed. “Eu achava que ela poderia fazer qualquer coisa, porque estava muito decidida”, disse Mah recentemente.
A transição deu certo. Colegas que sabiam da experiência dela em Wall Street começaram a procurá-la pedindo conselhos financeiros. “Minha melhor amiga do trabalho uma vez falou: ‘Acho que você precisa colocar seu conhecimento na internet’”, lembrou Tu. Essa amiga, Allison Kim, a ajudou a editar um roteiro para o primeiro vídeo que gravou.
E, assim, ela postou o vídeo que deu início ao seu canal no TikTok exatamente no dia de Ano-Novo de 2021. “Bem-vindo ao RichTok”, disse com o olho fixo na câmera. Apresentou-se ao mundo com um clipe que zombava de estratégias incipientes de aplicar tudo em bitcoin e day trading. “Não tenho nenhum esquema para enriquecer você depressa, mas vou dar uma ajuda aqui com dicas práticas e conhecimento para aumentar sua educação financeira.”
Rapidamente, o vídeo acumulou centenas de milhares de visualizações. Um ano e três meses depois, ela saiu do BuzzFeed para se tornar uma influenciadora financeira em tempo integral.
Os riscos da desinformação
As empresas financeiras estão cientes da persuasão que os influenciadores exercem como formadores de opinião e remuneram regularmente aqueles focados em negócios, como Tu.
Mas a forte presença de patrocínios é um risco para esse novo modelo de disseminação de notícias. Embora sejam acessíveis e feitos para atrair, os canais podem estar vinculados a empresas que objetivam apenas o lucro e estão interessadas em vender determinado produto — e nem sempre isso é feito de maneira transparente. (Questionada se Tu sempre informa quando seu conteúdo é patrocinado, a porta-voz dela garantiu que sim.)
Além disso, pode ser difícil distinguir o que é fato e o que é desinformação nas mídias sociais.
Tu disse que percebeu que há um limite para a quantidade de informações sobre tópicos financeiros complicados que uma pessoa pode absorver em um vídeo de 45 segundos. Segundo ela, o objetivo não é substituir um consultor financeiro, mas atrair um conjunto de espectadores que, de outra forma, não receberia conteúdo financeiro para seu benefício.
Ela acredita que a maneira de fazer isso é se guiar pela seguinte premissa: tornar as informações financeiras divertidas para um público predominantemente feminino não é o mesmo que simplificar o conteúdo.
Mas e quanto àquele gerente que tratou Tu como se ela fosse estúpida? Bem, ele recebeu um livro dela com uma dedicatória assinada que dizia: “Para o homem que me disse que eu era muito feminina para ter sucesso em finanças.”
c. 2024 The New York Times Company