Medidas severas podem acabar com as avaliações falsas que existem na internet?
Quase todos os comentários fraudulentas são opiniões positivas, com quatro ou cinco estrelas, escritas pelas próprias empresas ou criadas por especialistas em marketing digital
Economia|Do R7
Logo depois que o dr. Mark Mohrmann terminou um procedimento ortopédico bem-sucedido, em 2019, seu paciente recorreu ao site de avaliações Yelp para expressar sua gratidão. "O dr. Mark fez com que eu me sentisse em boas mãos", escreveu em uma avaliação com cinco estrelas.
A questão é que o autor não era um paciente real e nenhum procedimento tinha sido feito. A avaliação era falsa — parte de um esforço de Mohrmann para aumentar as classificações online de seu negócio por meio de avaliações positivas falsas, segundo uma análise do Fake Review Watch, órgão de monitoramento da indústria. No mês passado, para chegar a um acordo com a procuradora-geral de Nova York a respeito das acusações de ludibriar o público com avaliações falsas, ele aceitou pagar uma multa de US$ 100 mil.
A avaliação falsa de Mohrmann é só um exemplo dessa indústria bilionária, na qual indivíduos e empresas pagam profissionais de marketing para postar críticas positivas falsas no Google Maps, na Amazon, no Yelp e em outras plataformas, enganando milhões de consumidores a cada ano.
A prática, tão antiga quanto a própria internet, é ilegal e proibida em plataformas online. Mas, ainda assim, esse tipo de negócio continua prosperando. Agora, pela primeira vez, diversas regulamentações e medidas tomadas por empresas de tecnologia estão se fundindo em uma iniciativa mais coordenada para reverter esse cenário.
No verão setentrional passado, a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos (FTC, em inglês) propôs uma regra abrangente para punir empresas que comprem ou vendam avaliações falsas, entre outras restrições. Em outubro, várias plataformas virturais, incluindo a Amazon e a Expedia, anunciaram uma coalizão para compartilhar informações e recursos entre empresas para combater a fraude em avaliações.
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No fim do mês passado, Letitia James, procuradora-geral de Nova York, emitiu um aviso para todo o estado, declarando em um comunicado que as avaliações falsas são "ilegais e inaceitáveis". Mas especialistas alertaram que o problema é tão grande que pode ser intransponível, e apontam que seus autores sobreviveram a medidas severas tomadas no passado.
Jason Brown, fundador do Review Fraud, site de defesa do consumidor que expôs negócios que usam avaliações falsas, comentou que as plataformas não fizeram o suficiente para lidar com o problema, mas reconheceu que a preocupação das autoridades reguladoras e das empresas está aumentando: "Todo mundo está sentindo a pressão. O tempo vai dizer."
Quase todas as avaliações falsas são opiniões positivas, como as de quatro e cinco estrelas, escritas pelas próprias empresas ou criadas por especialistas em marketing digital, cujos serviços podem ser adquiridos online por apenas alguns dólares por avaliação. Muitos desses especialistas manipuladores operam fora dos Estados Unidos, o que limita o poder da FTC para monitorar o problema. Além disso, ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, ameaçam sobrecarregar a indústria ao facilitar a redação de avaliações falsas, alertou a agência.
Elas estão tão difundidas que a maioria dos que compram online já se deparou com uma. A Amazon afirmou que, no ano passado, bloqueou mais de 200 milhões de avaliações suspeitas de ser falsas, e o Google mencionou que, no mesmo ano, removeu do Maps 115 milhões de avaliações que violavam as regras — aumento de 20% em relação ao ano anterior.
Em sua proposta de regulamentação, a FTC não chegou ao ponto de estabelecer novas regras para os gigantes da tecnologia, mencionando uma legislação federal que isenta as empresas de responsabilidade pelo conteúdo publicado em suas plataformas. Em vez disso, a agência focou a investigação e a punição de empresas que compram ou vendem avaliações online, às vezes emitindo multas que chegam a mais de US$ 50 mil.
"A regra não vai se aplicar a todos os envolvidos no sistema corrupto: às plataformas de avaliação e às empresas de tecnologia que lucram em cima das avaliações online, sejam elas verdadeiras, sejam falsas", disse Kay Dean, ex-investigadora criminal federal que administra o Fake Review Watch.
A iniciativa de Dean começou quando ela foi enganada por avaliações falsas on-line referentes a uma consulta psiquiátrica. Em seu canal no YouTube, ela documenta em detalhes centenas de negócios, desde empresas de mudanças até consultórios médicos, que usam críticas fraudulentas ou suspeitas.
Suas investigações frequentemente dependem da identificação de avaliadores que classificam empresas não relacionadas umas com as outras em todo o país — sinal inequívoco de fraude. Ela descobriu que 19 dos supostos pacientes de Mohrmann também haviam deixado boas avaliações no Google Maps para uma mesma empresa de mudanças em Las Vegas e, aparentemente, outros 18 tinham solicitado os serviços do mesmo chaveiro no Texas.
A Transparency Company, entidade de monitoramento da indústria que desenvolve softwares para análise e detecção de avaliações falsas, identificou mais de 100 mil empresas que se servem da prática para melhorar sua imagem digital – muitas vezes de maneira imperceptível para um consumidor desavisado.
"Uma das razões por que resolvi detectar avaliações falsas no Google e não na Amazon ou em similares é o dano potencial que podem causar ao consumidor. O fato de você comprar uma faca de cozinha ruim de US$ 10 ou fones de ouvido via Bluetooth baratos não vai arruinar uma família. Mas esse pode ser o caso se você escolher o médico, o advogado ou o empreiteiro errado", afirmou Curtis Boyd, fundador da Transparency Company.
Uma das análises da entidade revelou que metade das avaliações no perfil de Mohrmann no Google Maps é "altamente suspeita", e que muitas das contas estão ligadas à Índia, ao Vietnã e ao Reino Unido. A classificação de Mohrmann no Google Maps é de quatro estrelas e meia, em comparação com apenas duas e meia no Yelp. (A última avaliação identificada como suspeita no Google foi publicada há um ano.)
Em junho, a Amazon, que aparentemente antecipou a nova regulamentação da FTC, anunciou um plano para interromper as críticas fraudulentas. Em uma postagem em seu blog, a empresa reconheceu que "uma indústria ilícita de 'intermediários de avaliações falsas' surgiu", e prometeu tomar medidas severas. Aumentou o financiamento para investigar esquemas de críticas inverídicas e afirmou que trocaria informações com empresas concorrentes.
Em outubro, a Amazon se juntou a outros grandes portais de avaliação, como a Expedia, e formou a Coalizão para Avaliações Confiáveis, que visa criar normas compartilhadas para monitorar as avaliações e permitir que as empresas troquem informações sobre como operam os agentes fraudulentos. Mas a coalizão ainda não descreveu como vai cumprir esses objetivos, nem quanto tempo e dinheiro serão necessários.
Especialistas que estudam o negócio das avaliações falsas dizem que as coalizões do setor geralmente são uma tentativa de evitar que sejam criadas regulamentações mais rígidas. A União Europeia vem agindo com mais rapidez para responsabilizar legalmente as empresas pelo conteúdo publicado em suas plataformas.
No ano passado, por exemplo, aprovou a Lei de Serviços Digitais, que pode incriminá-las por conteúdos fraudulentos. "Pode ser uma coalizão incrível, com um impacto real no mercado? Sim. Mas pode ser só um discurso vazio para mostrar 'como somos bons'? Pode ser. Geralmente, é assim", disse Boyd.
Uma onda de regulamentações e ações específicas escancararam o esquema promissor de resenhas falsas, mas os especialistas já avisam que o problema pode se tornar incontornável. O esquema de resenhas falsas é tão antigo quanto a própria internet, além de ilegal e proibido nas plataformas, mas, apesar de tudo, continua a prosperar.