O Ministério da Educação informou ao R7 que o edital da Rede Nacional de Cursinhos Populares deve ser publicado até dia 31 de março. Poderão se inscrever no certame iniciativas sem fins lucrativos destinadas a preparar alunos de baixa renda para vestibulares de ingresso em universidades. Segundo a pasta, 324 cursinhos devem ser beneficiados até 2027.Os projetos selecionados vão receber suporte de R$ 230 mil por turma cadastrada e materiais didáticos gratuitos, com conteúdos especializados. Além disso, cada aluno inscrito será beneficiado com bolsa de R$ 200 por mês para incentivar a permanência nos estudos. No total, o governo calcula que o investimento será de R$ 74,5 milhões para os próximos três anos.O MEC anunciou a ação no dia 10 de março, como parte do Programa de Diversidade na Universidade, previsto na Lei 10.558/2002. O objetivo é aumentar o ingresso no ensino superior de estudantes de baixa renda, negros, periféricos ou indígenas do ensino médio por meio do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).A iniciativa começou a caminhar em 2023, quando a ONG (Organização Não Governamental) UNEafro, em conjunto com estudantes e educadores, levou ao MEC pautas em defesa da educação antirracista e direitos de alunos de periferias.Em reunião com o ministro da Educação, Camilo Santana, a organização apresentou uma carta com diversas sugestões para combater a desigualdade educacional, entre elas, a ideia para o programa de fomento aos cursinhos comunitários.No documento, foi sugerida a elaboração de materiais voltados para o Enem, bolsa para incentivar a permanência dos estudantes, passe livre no transporte público para alunos dos cursinhos, entre outros.Confira abaixo a íntegra da carta:No dia 13 de março deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que regulamenta o programa e assegura os incentivos para a manutenção dos participantes, além da produção de conteúdos e tecnologias direcionados para o acesso ao ensino superior. Ainda, a lei estabelece que pessoas com deficiência, de baixa renda, indígenas, negros ou quilombolas terão prioridade no serviço.À frente da UNEafro, Douglas Belchior comemora o avanço para a educação e afirma que tudo foi fruto da luta dos movimentos sociais. Ele explica que as escolas públicas nunca serviram como instrumento para formar jovens em condições de passar nos vestibulares de universidades federais, o que levou as mobilizações populares a assumir o papel de cobrar os líderes por melhoras.“Foram os movimentos sociais e o movimento negro que sempre pressionaram os governos para que a escola pudesse ser um espaço de inclusão. Isso não foi feito pela vontade dos governos. Foi fruto de pressão política”, aponta.Belchior também destaca a importância do incentivo para que esses jovens continuem os estudos. Ele reforça que existe um grande índice de evasão educacional, provocada por desafios como condições precárias das famílias, necessidade de ingressar cedo no mercado de trabalho para apoiar os pais, disputas com o crime organizado e abordagens policiais violentas e racistas.José Olimpio Santos é um exemplo do impacto dessas iniciativas. Ele conheceu os cursinhos da UNEafro por meio de uma professora da escola onde concluiu o ensino médio. Decidido a buscar uma vaga no ensino superior, começou a frequentar as aulas no Núcleo Dona Nazinha, do Cedeca Sapopemba, localizado na região metropolitana de São Paulo. Com acesso a conteúdos que não tinha na escola pública, conseguiu ser aprovado e hoje, aos 19 anos, cursa Relações Internacionais na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).Para ele, a iniciativa teve um papel crucial em sua entrada na universidade e um impacto significativo na vida de José, que decidiu retornar como professor e coordenador do curso. Ao sair, ele sentiu que precisava voltar para produzir histórias como a dele e auxiliar que os estudantes conseguissem alcançar seus objetivos. Ele explica que, na comunidade dos cursinhos populares, tudo é coletivo, e a conquista de um aluno é a de todos.Ao olhar para a nova política pública de apoio aos cursinhos, ele enxerga uma vitória para o movimento. Para José Olimpio, a medida vai tornar menos difícil a luta para diminuir as desigualdades e promover acesso da população periférica e negra às universidades.A articuladora dos cursinhos da UNEafro na etnia Xakriabá, Gilmara Rodrigues, diz que essas iniciativas comunitárias ajudam os estudantes indígenas, pois poucos têm a oportunidade de acesso ao preparo para o Enem e outros vestibulares devido a barreiras econômicas.“Outros estudantes de classes sociais mais elevadas têm condições de se prepararem melhor por meio de cursinhos. Quando há a realização dos vestibulares, esses estudantes estão sempre à frente, principalmente para cursos superiores elitizados, como medicina, advocacia, entre outros”, explica.Ela avalia que o suporte do governo por meio do programa é crucial, uma vez que os cursinhos populares são realizados totalmente por voluntários, que correm atrás da ajuda recebida com parcerias e vaquinhas.Entretanto, Gilmara aponta que ainda existe um desafio em relação à divulgação das iniciativas entre as comunidades indígenas. Infraestrutura e comunicação restritas são empecilhos para estudantes, pois diversos povos não possuem acesso à internet, e muitos cursos possuem apenas oferta online, ela explica.“Para ampliar o acesso à informação, seria importante contribuir com suportes com meios de comunicação que sejam acessíveis à comunidade, como rádios locais, redes sociais e parcerias com organizações indígenas, além da realização de eventos informativos nas comunidades”, sugere.*Sob supervisão de Leonardo Meireles