Escolas sem fronteiras: como é lidar com alunos de diferentes países
Professores contam quais são os desafios para acolher e ensinar os estudantes que não falam o português em sala de aula
Educação|Alexandre Garcia e Alex Gonçalves, do R7*
De origem venezuelana, Josken Daniel C. Seijas, 7 anos, estuda no 2º ano do ensino fundamental na EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Marechal Deodoro da Fonseca no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo. Sem dominar o português, o menino é um exemplo de como as escolas têm se adaptado aos novos estudantes.
Segundo a professora Thaynan Santos Silva, Josken chegou ao colégio não alfabetizado da língua portuguesa, situação semelhante a outras crianças estrangeiras que ingressam na educação pública no Brasil, o que exigiu um empenho maior da professora, que mesmo sem falar o espanhol, adaptou as atividades para o aluno. "Com o apoio da coordenação, procuramos fazer tudo de uma maneira humanizada, cuidadosa."
Ainda de acordo com a educadora, desenvolver atividades com estudantes estrangeiros, possibilitou a ela a ampliação cultural e até o conhecimento de um novo idioma.
Hoje, Josken já está alfabetizado na língua portuguesa e também na língua inglesa, proficiência que adquiriu ainda na Venezuela. "O vocabulário do Josken com a língua inglesa é muito rico", comenta a professora. "Ele é um aluno muito esperto e dedicado."
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A família de Josken residia em Ciudad Bolívar (Venezuela), com a intensificação dos conflitos políticos no país, migraram para o Brasil em 2018 em busca de melhores condições de vida. A mãe, Kenia Del Valle Seijas Vásquez, 30 anos, e o pai do menino, José Gregorio Conde Vásquez, 40 anos, moram com o filho em uma das maiores comunidades do país, Paraisópolis, localizada na zona sul da cidade de São Paulo. "Chegamos aqui apenas com as roupas do corpo. Os brasileiros são generosos e recebemos muita ajuda", diz a Kenia.
Josken é um dos mais de 20 mil alunos venezuelanos em formação que ocupavam as instituições públicas e privadas de ensino no Brasil em 2019, de acordo com o relatório anual do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), divulgado no ano passado.
Conforme o levantamento desenvolvido com base nos dados do Censo Escolar do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), 97.369 imigrantes estavam matriculados em instituições de ensino básico, fundamental, médio, técnico e para jovens adultos.
A maior parte dos estrangeiros em formação no Brasil encontra-se no ensino fundamental (60.177). Na sequência, aparecem a educação infantil (14.383) e o ensino médio (12.733). Em todos os grupos, um de cada três imigrantes em formação (34,7%) nasceram na Venezuela ou na Colômbia.
Outros 23.216 buscavam uma formação superior em território nacional. No grupo, o destaque fica por conta dos estudantes de Angola, que lidera a lista com 2.504 (5,9%) dos alunos em faculdade. Na lista com mais alunos em instituições de ensino superior também aparecem Guiné-Bissau (1.268) e Portugal (909), ambos países que também têm o português como idioma oficial.
Os cursos de administração (com 1.626 alunos), direito (1.136) e engenharia civil (888) figuram entre os cursos com mais imigrantes matriculados em 2018. A análise ainda mostra que há mais mulheres (12.766) do que homens (10.450) estrangeiros em busca de uma formação superior no Brasil.
Dados divulgados pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, através dos registros ativos na base de dados do departamento da Polícia Federal, mostram que atualmente vivem cerca de 361 mil migrantes internacionais de mais de 200 nacionalidades diferentes, o que representa aproximadamente 3% da população local.
Para a coordenadora pedagógica Carla Cristina, da Escola Estadual Presidente Roosevelt, localizada no centro da capital paulista, a presença de estudantes estrangeiros em escolas brasileiras têm aumentado a cada ano e, com eles, os desafios enfrentados pelos profissionais da educação.
"A pandemia da covid-19 trouxe novas problemáticas em relação ao processo de ensino-aprendizagem com os estudantes imigrantes na modalidade virtual", diz. "A dificuldade em comunicação com os alunos-imigrantes foi o ponto de partida para avaliarmos a nossa estrutura pedagógica", explica.
Junto com a Seduc-SP (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo) novas ações foram implantadas para combater a evasão escolar e recuperação dos estudantes brasileiros e estrangeiros. "Após identificarmos as nacionalidades de maior concentração em nossa região, criamos o 'Kit do Estrangeiro' bilingue para alunos hispânicos e haitianos ", conta Carla.
O Kit do Estrangeiro é composto por uma carta de boas-vindas, manual com as orientações sobre as disciplinas e o processo de ensino, atividades desenvolvidas por professores a serem realizadas pelos alunos, envio de livros (de acordo com a faixa etária) ou história em quadrinhos para ajudar os novos estudantes, de forma lúdica, a ampliar o vocabulário em português.
No Kit também constam as listas de instituições em prol dos imigrantes, locais para aprendizagem de idiomas para estrangeiros, além de dicas de ensino com entretenimento (programas de TV e música).
Segundo a coordenadora, estas ações têm como foco inibir um bloqueio cultural durante o processo de aprendizagem na escola. "São formas de adaptação para que todos possam se sentir confortáveis e acolhidos no ambiente escolar", avalia.
Carla Cristina também destaca a importância em debater estratégias com a equipe pedagógica e com os profissionais da educação durante o processo. "Se houver a necessidade de adaptarmos as atividades deste aluno para o idioma nativo dele, faremos. É importante o acolhimento humanizado e individualizado para que possamos adotar ações assertivas."
Ensino gratuito de línguas para brasileiros e estrangeiros
A unidade do Cel (Centro de Línguas) em São Paulo é uma iniciativa do governo do estado para estimular o aprendizado de idiomas entre os estudantes do ensino fundamental e ensino médio. A iniciativa oferece a oportunidades aos alunos matriculados em escolas da rede estadual com cursos de inglês, espanhol, francês, alemão, italiano, mandarim e japonês, conforme a demanda de cada região.
Cléo Cardozo de Oliveira é professora de espanhol do Centro de Línguas na E.E Presidente Roosevelt. "Estamos com um novo projeto para 2022 em nossa unidade e eu me sinto muito feliz em fazer parte de um projeto com essa amplitude intercultural, que fará a diferença na vida do estudante imigrante e também do brasileiro", diz.
Os interessados em realizar algum dos cursos de línguas oferecidos pelas unidades dos Cels, basta acessar a página eletrônica da Seduc-SP e conferir a listagem por município e por diretoria de ensino.
Projeto Portas Abertas: português para imigrantes
A SME (Secretaria Municipal de Educação) através do NEER (Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais) em parceria com a SMDHC (Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Cidadania) desenvolveu o projeto Portas Abertas: português para Imigrantes.
A iniciativa começou em 2017 e considera que as competências linguísticas são essenciais para que a população migrante usufrua dos direitos, serviços públicos e oportunidade no mercado de trabalho. Os imigrantes interessados em participar do projeto podem acessar a página do projeto no site da SME-SP.
A legislação brasileira determina que estrangeiros têm direito ao acesso à educação da mesma forma que as crianças e os adolescentes brasileiros, assegurados pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e pela Lei da Migração. Além disso, a Lei dos Refugiados, garante que a falta de documentos não pode impedir o acesso ao ensino.
*Estagiário do R7 sob supervisão de Karla Dunder