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Os desafios e as alegrias de ser diretor no Brasil

Gestores de escolas públicas de diferentes cantos do país compartilham suas experiências, as dores e os sucessos do cotidiano escolar 

Educação|Karla Dunder, do R7

Cotidiano de escolas de todo o Brasil retratados em imagens e depoimentos
Cotidiano de escolas de todo o Brasil retratados em imagens e depoimentos Cotidiano de escolas de todo o Brasil retratados em imagens e depoimentos

O MIS (Museu da Imagem e do Som) é o espaço escolhido para receber a exposição Ser Diretor – Uma Viagem por 30 Escolas Públicas Brasileiras, com 40 fotos do fotógrafo e jornalista Eder Chiodetto. E como o nome denuncia, retrata o cotidiano de dirigentes de escolas de seis estados do Brasil (Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Goiás, Pará e Espírito Santo).

Nesta terça, a partir das 19h, o museu recebe a escritora Ana Maria Gonçalves, o jornalista Leonardo Sakamoto e Sonia Guajajara para o ciclo de debates “Olhares para Educação Pública”. A programação vai até o dia 4 de junho.

Sobre a mostra, Chiodetto foi convidado a conhecer e retratar a realidade dos gestores escolares de diferentes cantos do país. Os estados escolhidos são parceiros do Instituto Unibanco no programa Jovem de Futuro, que tem como foco melhorar a aprendizagem dos estudantes e a permanência deles na escola por meio da melhoria da gestão.

Maria Julia Azevedo Gouveia gestora do Instituto
Maria Julia Azevedo Gouveia gestora do Instituto Maria Julia Azevedo Gouveia gestora do Instituto

“O Instituto se dedica há mais de 10 anos por dois motivos: conseguimos avaliar que gestão impacta na aprendizagem dos estudantes, fizemos um desenho e colocamos em funcionamento e vimos que funciona” explica a gerente de implementação de projetos do Instituto Unibanco, Maria Julia Azevedo Gouveia. “Segundo, porque o país tem um grau muito alto de desigualdade e precisa de intervenções sistêmicas, e a gestão permite isso. Desenvolvemos um método que impacta diretamente na aprendizagem”.

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E como funciona na prática? Com a palavra que mais entende do assunto e carrega na bagagem histórias de mudança de vida e esperança: os diretores.

Ramon Sant’Ana Barcellos (Serra, ES):

"O desafio era fazer a escola pulsar e ser melhor a cada dia", diz Barcellos
"O desafio era fazer a escola pulsar e ser melhor a cada dia", diz Barcellos "O desafio era fazer a escola pulsar e ser melhor a cada dia", diz Barcellos

Sou professor de História com 20 de experiência em educação. Trabalhei na rede privada e pública. Em 2015 fui convidado pela Secretaria de Educação a ingressar como diretor em uma escola que precisava de intervenção. O município de Serra, em 2017, estava entre os 30 mais violentos do Brasil. Assumi a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Vila Nova de Colares, localizada em um bairro de alta vulnerabilidade social. Encontrei problemas estruturais de aprendizagem além da violência, como casos de feminicidio, assassinato de jovens, drogas. O desafio era fazer a escola pulsar e ser melhor a cada dia.

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Em 2016, começamos a identificar as principais razões para a escola ter índices tão baixos de aprendizagem e no ano seguinte criamos ações baseadas em evidências reais coletadas com as famílias, com os alunos — que não tinham acesso à direção para expor seus problemas — , com os professores que se afastaram da gestão e achavam que não era possível fazer algo diferente. A comunidade via aquela escola como o lugar de quem não gostava de estudar. Foi um longo trabalho para envolver todos os agentes com a escola. Desenvolvemos ações que elevavam a autoestima dos alunos. Passamos a dar bom dia e mostrar que é possível fazer diferente. Deixamos de reclamar que o ensino fundamental foi mal feito para mostrar que ainda tem jeito. Os índices de reprovação da escola eram muito altos, beiravam 45% em 2015 e a evasão girava em torno de 15%. Nunca pensei que os estudantes seriam excelentes alunos de uma hora para outra, nossa proposta é que fossem alunos melhores a cada dia. Em 2018, a evasão foi zero. A taxa de aprovação foi para 88%. Em 2015, apenas um aluno saiu do ensino médio e conseguiu uma vaga em uma universidade. Em 2018, foram 69. Celebramos os resultados, mostramos aos pais e a comunidade o avanço e quanto é importante a participação de todos. Esse é um prêmio pra mim.

Alberto Machado Vieira (Teresina, PI):

"Não conheço algo melhor que poder realizar sonhos", diz Vieira
"Não conheço algo melhor que poder realizar sonhos", diz Vieira "Não conheço algo melhor que poder realizar sonhos", diz Vieira (Edu Garcia-R7)

Cheguei ali na escola CETI Didácio Silva como professor e na época tiveram eleições na escola. Os funcionários não queriam que eu fosse diretor porque era muito brincalhão e achavam que a escola seria uma bagunça. Mas via que os estudantes precisavam de alguém que olhasse para eles e conduzisse suas ações. A verdadeira escola tem de ser puro protagonismo juvenil. Ninguém queria se candidatar a vice porque todos achavam que seria só festa. A escola precisa ser viva. Nós tínhamos um problema social muito grave para resolver que era a violência, em todas as suas dimensões: entre estudantes, depredação do prédio público, prostituição, alcoolismo, droga, reprovação, evasão escolar. Não tínhamos recursos. A arte foi a nossa grande parceira, ela está na expressão corporal, no pincel, na música.

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Tudo era comemorado em grande estilo: dia do estudante, 7 de setembro e até hoje é assim. Meu foco pedagógico é envolver os alunos e vencer a violência. Os estudantes e os pais passaram a cuidar e limpar a escola. Criamos um programa de escola aberta à comunidade, não fecha nem nos finais de semana. É o shopping do bairro, ocupada por todos.

Ninguém queria dar aula lá por ser distante e pela violência. Pegava minha moto para buscar professores na Secretaria, fazia propaganda e aos poucos eles foram abraçando o projeto. Nunca me coloquei como diretor, essa é uma responsabilidade de todos. Os estudantes são os maiores gestores desse processo. Compartilhamos os sucessos e os fracassos. Saímos de um Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2.4 para 5.2. Mais de 90% de aprovação no Enem, maiores notas de redação, mais de 18 acima de 900. Os alunos se sentem bem na escola e diminuímos a evasão escolar.

Tive a oportunidade de fazer a escola que queria para os meus filhos, um lugar que os estudantes pudessem andar de cabeça erguida. Não conheço algo melhor que poder realizar sonhos.

Edna de Araújo Cunha (Natal, RN):

"Aqui apostamos no novo para ver o que vai acontecer", diz Edna
"Aqui apostamos no novo para ver o que vai acontecer", diz Edna "Aqui apostamos no novo para ver o que vai acontecer", diz Edna

Cheguei no centenário Instituto Padre Miguelinho, em 2001 e me deparei com um colégio morno. Gosto de escola que dá oportunidade aos jovens de se desenvolver mais, que produza eventos e não fique só na sala de aula. Começamos a trabalhar com arte e ciências e a promover ações como festas e formaturas. Os alunos passaram a participar mais, assumiram o papel de protagonistas e a evasão diminuiu. Hoje, o grêmio é atuante e participa das reuniões. Passamos a mapear as ações e avaliar. Planejamos e executamos. A escola tinha em aula em três turnos e era como se tivéssemos três escolas diferentes. Fizemos um planejamento único.

Existe muito diálogo entre todos os envolvidos com a escola, uma troca muito boa. Aqui apostamos no novo para ver o que vai acontecer. Vejo o quanto a escola cresceu e isso me emociona.

Rosângela Nascimento (Fortaleza, CE):

"Ser diretor na atual conjuntura é equilibrar pratos", diz Rosângela
"Ser diretor na atual conjuntura é equilibrar pratos", diz Rosângela "Ser diretor na atual conjuntura é equilibrar pratos", diz Rosângela

Eu era diretora de escola Maria Teresa de Cerpa na época que as fotos foram feitas para a exposição. Ser diretor na atual conjuntura é equilibrar pratos. É ser aquela pessoa que consegue apagar incêndio, acalentar o aluno, conversar com os pais, negociar com sua equipe de trabalho, principalmente com os professores. Se não conseguir fazer tudo isso, não é um gestor. É preciso ter o ouvido atento e alma sensível. Ser firme também para saber qual é o momento certo para corrigir um aluno e quando acolher. Ser diretor é cuidar da parte administrativa com poucos recursos e estabelecer prioridades. Isso serve para aprender? Não serve, não vamos fazer.

A violência era muito grande no entorno da escola. Reuni os professores, porque ninguém consegue fazer nada sozinho, e transformamos o colégio em um lugar seguro. Gestão é fundamental nesse processo. Isso deu errado? A gente se reuniu, planejou e executou. O que aconteceu? Temos toda uma trajetória para corrigir. Em algumas ações, é possível prever se aquilo vai dar certo ou não. Se for dar errado, já vai corrigindo a rota.

Weberson de Oliveira Moraes (Goiânia, Go)

"Diretor é aquele que escuta o tempo todo", diz Oliveira Moraes
"Diretor é aquele que escuta o tempo todo", diz Oliveira Moraes "Diretor é aquele que escuta o tempo todo", diz Oliveira Moraes (Edu Garcia-R7)

Sou professor de química e diretor do colégio estadual Irmã Gabriela, em Goiânia. Não tão periférica, até bem situada, que atende muitos alunos de periferia e estudantes de bairros nobres. Caí de paraquedas como diretor. Em 2014, a diretora me convidou para ser o seu vice porque ela não tinha mais ninguém para indicar. 

Um ano depois, assumi a direção. A escola passava por um problema sério de relacionamento humano, o clima na sala dos professores era hostil e com muitas brigas. Sem democracia, totalmente deliberativo. Eu me propus a levar mais humanidade e resgatar as relações: colocar os professores para trabalharem juntos, trazer harmonia para o grupo. Comecei a aglutinar os professores para ensinar. Aluno não sabe? Não tem base? Ensine. Promovemos encontros, aulas diferenciadas no contraturno. Sentamos com todas as áreas para fazer um planejamento pedagógico. A escola só é escola pelos alunos. Diretor é aquele que escuta o tempo todo. Sou um organizador, todos resolvem.

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