Pagamento de aposentados é segundo maior gasto de universidades públicas no Brasil
Despesa ocupa 21% do orçamento da USP, UFRJ e UNB, três importantes instituições do País
Educação|Ana Ignacio, do R7
Em situação financeira pouco favorável, importantes universidades públicas no Brasil têm que arcar, ainda, com altos custos de aposentadorias de servidores. Dados divulgados pela USP, UnB e UFRJ mostram que a maior parcela dos gastos é destinada à folha de pagamento de funcionários ativos e, logo em seguida, aparecem as despesas com aposentados. São milhões de reais por ano empregados em um fim que o aluno não “aproveita” diretamente.
Com 21.414 profissionais em atividade atualmente, a USP, principal universidade do Brasil, possui ainda outros 5.661 funcionários aposentados. Neste ano, a universidade deve ter uma despesa de R$ 4,9 bilhões (valor estimado), sendo que 70% será destinado para a folha de pagamento durante todo o ano. Com os aposentados, os gastos mensais estimados ficam em 20,7%.
Essa situação não é exclusividade da universidade paulista. O R7 levantou os gastos de outras duas instituições públicas — UnB e UFRJ — e constatou que o cenário é semelhante. Nas duas universidades, o segundo principal gasto também é o pagamento aos funcionários aposentados — 15,2% no caso da UnB e 37,4% na UFRJ (média mensal calculada com base nos dados até agosto).
Além disso, há ainda um gasto expressivo com pensões por morte de servidores (na UnB, o custo, incluindo pensões para militares, chega a R$ 3,05 milhões ao mês e, na UFRJ, vai a R$ 14,6 milhões). Nesses casos, beneficiários (filhos, cônjuges e pais com dependência financeira) podem receber pensão parcial ou integral por tempo determinado ou vitalício.
Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o problema nessa conta está que todo o valor destinado às aposentadorias consta nas despesas que a universidade tem com os estudantes.
— Em tese a aposentadoria não poderia entrar em custo aluno. Isso deveria ficar fora, deveria ser arcado por outro fundo, mas ninguém cumpre isso.
Nelson Cardoso Amaral, professor da UFG (Universidade Federal de Goiás), concorda que esse gasto acaba “deturpando” o investimento real por aluno das universidades públicas.
— Aposentados e pensionistas estão na folha de pagamento e isso amplia o valor por aluno, mas deveria estar a parte. Deveriam ser pagos no contexto da educação brasileira, e não ser descontados dos recursos da instituição.
Como a tendência é que esse tipo de gasto aumente cada vez mais, Amaral alerta que é natural que os gastos da universidade pública também cresçam.
— À medida que as pessoas aposentam, o orçamento vai aumentando porque você tem que fazer reposição e tem que contratar novos professores, então a folha aumenta inevitavelmente e isso é um movimento complicado.
O professor destaca também outro gasto que as universidades federais e estaduais costumam ter no Brasil, mas que instituições de outros países não têm.
— No Brasil, a universidade tem muitos equipamentos culturais, museus, rádio, orquestra e entra no custo da instituição. Nos outros países, isso é a parte e existe também centros de pesquisa independente e, no Brasil, são poucos então acaba que a pesquisa toda fique envolvida em trono da universidade aumenta o custo dela.
Se esse recurso dos aposentados não fosse contabilizado no gasto geral da universidade, o valor poderia ser destinado para outras áreas das instituições que precisam de investimento. Segundo Cara, a situação do ensino superior público no Brasil em comparação a outros países não é ruim, mas há muito que evoluir em algumas áreas.
— Em pouco mais de um século, o Brasil conseguiu fazer o que as instituições de outros países levaram muito mais tempo para fazer. Os resultados em termos de pesquisa são muito sólidos, mas falta democratizar o acesso à universidade e precisa conciliar melhor ensino, pesquisa e extensão. A universidade no Brasil não desenvolve seu potencial em nenhum aspecto.
Além disso, analisando o cenário do ensino como um todo, incluindo a educação básica, a situação do Brasil fica bem mais complicada. O País investe quase quatro vezes menos nas demais etapas (a média ao ano do custo do aluno no ensino superior é de mais de R$ 21 mil enquanto as demais etapas ficam em torno de R$ 6.000. Leia mais aqui). Essa diferença contribui para déficits educacionais e pouca democratização do sistema público já que poucos jovens conseguem chegar às universidades consideradas de ponta, diz Amaral.
— Infelizmente, só 17,1% dos jovens estão fazendo educação superior, mas deveria chegar a 33% em 2024, segundo o Plano Nacional de Educação.
Futuro e melhorias
Para tentar melhorar e equilibrar a situação do ensino público superior, Cara fala sobre a necessidade de investimento em outras áreas.
— Para equilibrar melhor o tripé [ensino, pesquisa e extensão] e democratizar o ensino superior é necessário melhorar a educação básica. É preciso investir em políticas de ações afirmativas (como as cotas) para acelerar a democratização e as universidades tem que estar preparadas para receber o aluno com déficit e melhorar a qualidade desse aluno e vai ter que se redimensionar a questão do custo do custo aluno. Não necessariamente vai aumentar, mas tem que otimizar para mudar.
Amaral acredita que para lidar com isso e conseguir manter os investimentos em pesquisa e infraestrutura, é necessário mais recurso.
— Tem que dar um jeito de arrumar novas fontes de financiamento.
O professor lembra ainda outra questão que pode complicar mais as contas das universidades públicas: a PEC 241, que congela os gastos da União.
— Vai ser uma terra arrasada no Brasil se essa PEC realmente for aprovada. Um estrago vai ser feito na parte social.