Com o passar dos anos, crianças e adolescentes têm ficado cada vez mais fascinados pelas telas dos celulares, em contraste com tempos passados, quando a diversão acontecia principalmente fora do mundo virtual. No entanto, o uso excessivo dessas telas tem sido uma das preocupações do governo federal, já que estudos comprovam que esse hábito pode prejudicar o desenvolvimento educacional e as saúdes física e mental dos jovens.Em 11 de março, o governo federal lançou um guia de recomendações para o uso de telas por crianças e adolescentes. O documento foi elaborado para apoiar famílias, cuidadores e educadores na adoção de práticas saudáveis no ambiente digital, além de servir como referência para a formulação de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, assistência social e proteção infantil.A iniciativa surgiu meses após a sanção da lei que proíbe o uso de celulares nas escolas, evidenciando ainda mais como a exposição excessiva às telas tem se tornado um desafio crescente no Brasil.De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, que apresenta os principais resultados sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil, 93% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet no país, o que representa atualmente cerca de 25 milhões de pessoas.Dados recentes do Projeto PIPAS (Primeira Infância Para Adultos Saudáveis), coletados a partir de pesquisa feita em 13 capitais brasileiras em domicílios de crianças de até 5 anos, apontam que não há nenhum livro em 24% das residências, mas em 33,2% delas crianças nessa faixa etária assistem a programas ou jogam na TV, no smartphone e/ou no tablet por mais de duas horas diárias.“A preocupação com o uso excessivo de telas não é uma novidade. O uso de dispositivos de pequeno porte é totalmente diferente do que tínhamos antes, porque o uso é individual e de fácil acesso. Aliado a isso, a gente tem produção de conteúdos voltada para gerar engajamento. Por mais que a televisão já fizesse isso, hoje você tem um ambiente digital em que você potencializa e maximiza a interação com outras pessoas que você não tem contato físico. A combinação desses dois elementos expõe essas crianças e os adolescentes a uma situação maior de risco e de diferentes desordens”, afirmou a secretária executiva do Ministério de Desenvolvimento Humano e Cidadania, Janine Melo, durante a cerimônia de lançamento do material.Um dos assuntos abordados no documento é como cada vez mais novos sistemas e ferramentas de inteligência artificial são voltados à exploração comercial, especialmente danosa para crianças e adolescentes. Segundo o documento, o visual de sites e algoritmos são projetados para captar a atenção do usuário e prolongar a permanência nas redes sociais, jogos e aplicativos, tornando o ambiente digital ainda mais atrativo e viciante.“Hoje, as crianças entram em contato com a tela logo cedo como meio de acalmá-las. Para distrair a criança, os pais logo lhe deixam diante de uma tela [TV ou celular]. A tela passa logo cedo a ser sua parceira em vários momentos. A criança encontra ali diversão, lazer, informação e distração. No mundo dos adolescentes, o processo é o mesmo, as telas são portas para diversos meios de contato com o mundo”, explica o professor de sociologia do Instituto Blue Educação Mauro Sérgio de Oliveira.Oliveira ainda cita a dopamina cibernética, um neurotransmissor liberado em resposta a estímulos digitais, como curtidas, comentários e notificações, como um dos elementos mais poderosos da era tecnológica, pois ela gera sensação de prazer e novidade, atraindo ainda mais as crianças e adolescentes. “A cada entrada e saída de uma tela, cria-se a expectativa de algo novo, o que gera a ansiedade.”O governo alerta que esse excesso de tempo no ambiente digital pode causar ansiedade, depressão, sedentarismo, autolesões e possibilitar violações de direitos. Além disso, há situações que podem ser agravadas pelo conteúdo online, especialmente pelas redes sociais, como a exposição de gatilhos emocionais, cyberbulling (assédio virtual), dificuldades para dormir e problemas de sono e de autoimagem.Veja as recomendações do guia do governo federal:Além dos riscos de exposição a abusos, violências e bullying, especialistas e formuladores de políticas públicas têm alertado para atrasos no processo de desenvolvimento e de ensino e aprendizagem que podem ser causados pelo uso de dispositivos digitais em contextos ou intensidades inadequadas.A pedagoga Ana Paula Mathias, que leciona aula para alunos dos 4º e 5º anos do ensino fundamental, observou que o impacto do uso dos celulares já é perceptível durante o processo de aprendizagem. Segundo ela, muitos alunos se mostravam dispersos durante a aula, conversando sobre jogos, enquanto outros demonstravam sonolência por ficarem no celular até tarde em casa.Ela também ressalta que os processos de escrita e oralidade por parte dos alunos têm sido prejudicados, uma vez que os aplicativos de mensagem utilizam linguagem informal com abreviações e siglas.Como meio de contribuir com o ambiente escolar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em janeiro deste ano a lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do Brasil. A norma determina que alunos não poderão usar os dispositivos em intervalos nem durante as aulas, exceto em casos de “força maior ou estado de perigo” e para fins “estritamente pedagógicos ou didáticos”.Segundo Ana Paula, a medida é um começo para tentar contribuir com o aprendizado dos alunos, mas ela ressalta que a melhora de ensino vai além da proibição do celular em sala de aula.“Tem outras coisas que também têm que ser levadas em consideração, principalmente o psicológico desses estudantes, porque tudo influencia no processo de ensino e aprendizagem do estudante. Então, vai muito além da proibição do celular em sala de aula para poder sanar esse problema no aprendizado”, destaca a pedagoga.*Sob supervisão de Leonardo Meireles