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Situação de estudantes indígenas se agrava sem acesso à internet

Professores denunciam as dificuldades enfrentadas por alunos que não vivem nos grandes centros e não tem computadores em casa

Educação|Guilherme Carrara, do R7*


Escola Municipal Indígena Pirakua, em Mato Grosso do Sul
Escola Municipal Indígena Pirakua, em Mato Grosso do Sul

O isolamento causado pela pandemia do novo coronavírus tem afetado a população indígena, principalmente quanto ao acesso à internet e às aulas online. Sem acesso às redes nem computadores, fica inviável fazer a inscrição no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), por exemplo.

“Apenas uma minoria dos estudantes consegue ter aulas a distância. As orientações são dadas via whatsapp ou por e-mail, isso porque a maioria dos nossos alunos não tem acesso à internet", explica o professor de estudos indígenas da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) Eliel Benites. "O sistema de trabalho e a orientação online não atinge a totalidade dos alunos, é uma deficiência.”

Benites mora no município de Caarapó, situado a 277 km de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, e conhece bem a realidade local. Atualmente, o Estado tem a segunda maior população indígena do Brasil. A região de Dourados detém a maior parte, sobretudo da etnia guarani-kaiowá.

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De acordo com a pesquisa preliminar realizada pela TIC Kids, apresentada pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 9 a 17 anos de idade vivem em domicílios sem acesso à internet no Brasil.

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“As meninas e os meninos sem acesso à internet em casa são aqueles que mais sofrerão os impactos sociais da pandemia, incluindo o aumento da desigualdade no acesso a direitos fundamentais, como educação, saúde, proteção e participação”, destaca Florence Bauer, representante da Unicef no Brasil.

Ainda de acordo com a pesquisa, 43% dos brasileiros em zonas rurais não têm acesso a internet por falta de estrutura. Nas famílias com renda inferior a um salário mínimo, apenas 19% usam computador e celular.

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Esse impacto é sentido diretamente pelos estudantes indígenas que não têm acesso às redes.

Falta de estrutura e precarização do estudo nas aldeias

O professor Eliel Benites destaca que o problema afeta todos os estudantes, tanto do ensino básico até os universitários. Segundo ele, o acesso do jovem indígena fica cada vez mais restrito pelo contexto atual, tanto pela covid-19, que impossibilita acessar as ferramentas para inscrições e as aulas online, quanto pela dificuldade de acesso e permanência nas universidades públicas. 

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“Ontem mesmo estávamos conversando sobre o Enem, que abriu a inscrição esta semana. Creio que a maioria da população indígena não vai conseguir fazer a inscrição por falta de acesso à internet. E como não dá para ir para a cidade por causa do confinamento, que é onde temos acesso a mais ferramentas como computadores, fica difícil”, explica Jânio Kaiowá, que é estudante de História na UFGD, preocupado com os jovens que não terão acesso ao exame neste ano.

“Como algumas terras indígenas se encontram distantes das cidades, o acesso é dificultado”, explica Inair Lopes, que é professora do ensino fundamental e aluna do mestrado também na UFGD. “Na minha aldeia, Pirakua, no município de Bela Vista (MS), não há torre de celular. Poucas famílias têm internet, no geral, assalariados que podem pagar pelo serviço, mas os demais sequer têm energia elétrica”.

Para a professora, dar sequência aos estudos neste momento é uma dificuldade muito grande. Inicialmente, a orientação dada pela SED-MS (Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul) foi que os pais acompanhassem os filhos, algo que, segundo a professora, não funcionou. “A maioria dos pais não conseguiu orientar as crianças por serem analfabetos, além disso, os alunos não têm acesso à internet em casa.”

O R7 entrou em contato com a SED (Secretaria de Estado de Educação) de Mato Grosso do sul, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Questionada sobre o acesso de estudantes indígenas à internet e aos computadores, a Funai (Fundação Nacional do Índio) respondeu por meio de nota.

"A Funai desde o início da pandemia tem orientado no sentido das medidas de prevenção contra a covid-19, a exemplo da Portaria n° 419, e em diálogo constante com a Secretaria Especial de Saúde Indígena vem adotando o Plano de Contingenciamento definido pelo órgão." 

A Fundação, no entanto, confirma que no quesito internet, o universo de escolas indígenas que possuem acesso ainda é pequeno, mas, a resposabilidade de promover a educação no Brasil é do MEC.

Aulas paralisadas e bolsas perdidas

A opção pelo ensino remoto veio com o aval do MEC (Ministério da Educação) como uma forma de amenizar a ausência das aulas presenciais nesse período de pandemia e manter o calendário escolar. No entanto, a questão esbarra na falta de estrutura.

Alunos das universidades públicas do Estado enviaram uma nota para a reitoria da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e UEMS (Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul), pedindo a revisão das aulas online: 

“[...] O Movimento Juventude Guarani-Kaiowá do MS vem cordialmente fazer uma apelo às Direções Acadêmicas, Secretarias de Curso de Graduação, Docentes de respectivos cursos, PROGRAD e Reitoria, para que sejam sensíveis às condições de estudos disponíveis para alunos indígenas, que muitas vezes não dispõem de acesso Wi-Fi e equipamentos (computador), para cumprir as tarefas no modo remoto [...]”.

Até o momento, segundo os estudantes, a nota não foi respondida e as atividades virtuais seguem nas duas instituições de ensino.

A UFGD, por sua vez, afirmou que estuda alternativas. Por meio de nota, a Universidade informa que "as aulas na metodologia remota, estão sendo estudadas. A Universidade está mapeando a condição dos estudantes de modo geral e entre eles os que vivem nas aldeias, onde o acesso à Internet é deficiente e poucos têm um plano de dados que pode ser utilizado para assistir as aulas. São muitas questões. Após este estudo, serão feitas as primeiras discussões sobre a viabilidade de oferecer alternativas para que o calendário acadêmico possa ser retomado."

As aulas nas comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul estão paralisadas desde o dia 23 de março. Neste período, alunos denunciam que tiveram a bolsa de estudos suspensa por conta da quarentena.

“Por falta de atividades, as Bolsas Permanência foram cortadas e o aluno depende disso para sobreviver. Fica difícil acompanhar as aulas”, cita o estudante de História Jânio Kaiowá.

A UFGD e UFMS responderam que as bolsas foram pagas e garantem o auxilio para o mês de maio. 

Para além da pandemia, a situação da população indígena em relação à Educação teve grandes cortes nos últimos anos. Em 2018, mais de 2.500 estudantes foram impedidos de estudar por conta do fim do programa PBP (Programa Bolsa Permanência). O auxílio contava com R$ 900 por estudante para suprir moradia, alimentação e material escolar. Sem os recursos, a permanência dos estudantes nas universidades não é garantida.

“Além da dificuldade de entrar na faculdade, os estudantes indígenas enfrentam a barreira para dar continuidade aos estudantes", avalia Benites. "Fora ter de ir para a cidade e a adaptação a outro estilo de vida."

*Estagiário sob supervisão de Karla Dunder

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