Unicef cobra de candidatos ações voltadas a crianças no Brasil
Entidade elenca áreas mais importantes para a gestão municipal que terá início em 2021, como saneamento, educação e proteção à violência
Eleições 2020|Cesar Sacheto e Joyce Ribeiro, do R7
O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) elaborou um documento e cobra um plano de ações dos candidatos nas Eleições Municipais 2020 para o enfrentamento de problemas relacionados a crianças e adolescentes brasileiros, entre eles, o trabalho infantil, violência, educação e o saneamento.
Segundo a entidade, as vidas de crianças e adolescentes foram impactadas pela pandemia do novo coronavírus. As escolas ficaram fechadas por meses e o isolamento social trouxe reflexos na aprendizagem, proteção e saúde mental dos estudantes, entre outros problemas.
"A crise econômica afetou meninas e meninos de forma mais intensa. Suas famílias tiveram as maiores reduções de renda e uma piora na qualidade da alimentação, em comparação com quem vive em casas sem crianças e adolescentes. Todos esses fatores atingiram, em especial, quem já vivia em situação de vulnerabilidade, ampliando as desigualdades no País", destaca o relatório do Unicef.
A entidade separou seis áreas que merecem a atenção dos políticos que concorrem ao Executivo municipal neste ano: água, saneamento e higiene; educação; desenvolvimento infantil; proteção contra a violência; adolescência e proteção social.
Segundo a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, o país já tinha desafios fortes e alarmantes que se intensificaram com a pandemia. "Há uma série de lacunas anteriores, mas agora estão ainda mais preocupantes dada a importância do acesso à água, saneamento e higiene para evitar o contágio [do coronavírus]. As disparidades aumentaram na pandemia e é importante ir atrás dos mais impactados em territórios mais vulneráveis", ressalta.
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A entidade afirma que as crianças são as vítimas ocultas da pandemia, uma vez que elas não são as mais afetadas pela covid-19, mas, por outro lado, sofrem impactos secundários. "As seis áreas precisam estar na pauta dos candidatos nas Eleições Municipais para mitigar os impactos da pandemia. As crianças e adolescentes precisam estar no centro do debate e das políticas públicas porque a perda de um ano na vida delas tem mais impacto do que o de um ano na vida adulta", esclarece a representante do Unicef.
Saneamento básico
Segundo o Unicef, o Brasil possui 15 milhões de habitantes em áreas urbanas sem acesso à água tratada. Já nas áreas rurais, 25 milhões gozam apenas de um nível básico do serviço.
Outros dados apurados pela entidade (com dados de 2017) mostram que 39% das escolas brasileiras não têm serviços básicos para lavagem das mãos. Já 26% não têm acesso ao abastecimento público de água e 49% nao têm acesso à rede pública de esgoto.
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Segundo o Unicef, água, saneamento e higiene devem estar entre as principais prioridades dos novos governos municipais, em coordenação com Estados e União. Ainda mais agora com a urgência trazida pela pandemia de covid-19.
Nesse sentido, o Unicef recomenda a implementação de um plano municipal de saneamento em territórios vulneráveis e investimentos em ações emergenciais de água, saneamento e higiene nos serviços públicos.
Educação
O Unicef pede a reabertura das escolas com segurança e mais recursos para a aprendizagem dos alunos, pois, embora necessário, o cancelamento das aulas presenciais para conter a contaminação da covid-19 gerou impactos profundos na vida das crianças e dos adolescentes. A escola é vista pela entidade como uma espécie de proteção aos jovens.
Antes do início da pandemia, cerca de 4,8 milhões de estudantes brasileiros viviam em casas sem acesso à internet – o que teve forte impacto nas oportunidades de acesso ao ensino online.
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Em agosto deste ano, cerca de quatro milhões de estudantes do ensino fundamental (14,4%) estavam sem acesso a nenhuma atividade escolar. A maioria negros, vivendo em famílias com renda domiciliar inferior a meio salário mínimo.
De acordo com a PNAD Covid, enquanto 21,5% dos estudantes com renda domiciliar de menos de meio salário mínimo não receberam nenhuma atividade escolar em agosto, entre aqueles com renda de mais de 4 salários mínimos, foram 7,9%.
A recomendação aos candidatos eleitos é também fazer a busca ativa das crianças que estão fora da escola e investir na inclusão digital.
Desenvolvimento infantil
O Unicef também cobra a atenção dos políticos com a primeira infância. Com a pandemia, os desafios se agravaram. Em todo o mundo, houve queda nas coberturas vacinais.
Segundo a entidade, mais de 117 milhões de crianças de 37 países podem não receber a vacina contra o sarampo.
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A insegurança alimentar e nutricional se acentuou, com impactos na infância. Cerca de 33 milhões de brasileiros (21%) relataram momentos em que os alimentos acabaram e não havia dinheiro para comprar mais. Nas famílias com filhos, o percentual foi de 27%. Isto significa que uma a cada quatro famílias ficou sem comida na mesa em algum momento.
Com o isolamento social, os pequenos ficaram longe da rede de proteção e da educação infantil. Eles também foram muito afetados pelo aumento da violência doméstica e pela redução da renda familiar.
Por isso, o Unicef sugere a implementação de programas multissetoriais voltados à primeira infância, investimentos em saúde, educação e segurança de crianças e de suas famílias.
Proteção contra a violência
A entidade também reforça a necessidade da criação de um pacto pela proteção de crianças e adolescentes contra a violência letal e outras agressões.
Em 2018, 9.781 meninas e meninos foram vítimas de homicídio no Brasil, sendo a maioria negros. Havia também 2,4 milhões de crianças e adolescentes em trabalho infantil, em 2016. Deste total, 64% eram negros.
A violência sexual também preocupa, uma vez que quatro meninas de até 13 anos de idade foram estupradas por hora em 2019 no Brasil. De acordo com Florence Bauer, a violência acontece, muitas vezes, dentro de casa e, com a escola fechada, a situação pode se agravar: "O número é alarmante e numa idade muito baixa com consequências à criança, família e à sociedade como um todo. A escola serve como proteção a essas crianças".
Longe da escola e dos serviços de saúde e assistência social, as crianças perderam o contato com a rede de proteção. Além disso, a crise econômica provocada pela covid-19 impactou especialmente as mais vulneráveis, ampliando o trabalho infantil no País.
O Unicef acredita ser fundamental o fortalecimento do sistema de garantia de direitos, além de investimentos financeiros e humanos em políticas de prevenção e resposta às diferentes violências.
"Destinar orçamento para crianças e adolescentes é, na verdade, um investimento porque evita impactos econômicos e sociais que vão surgir no futuro", enfatiza Florence Bauer.
Adolescência
Para o Unicef, é essencial oferecer oportunidades reais a cada adolescente "com o intuito de criar um mundo melhor para si e para os outros".
Segundo uma enquete da entidade, realizada com quatro mil adolescentes, 72% dos entrevistados sentiram necessidade de pedir ajuda na pandemia. Nos territórios mais pobres, os problemas foram ainda maiores.
A recomendação do Unicef é que as autoridades públicas cuidem da saúde mental de adolescentes, criem oportunidades de educação, aprendizagem e trabalho protegido, além de apoio para quem deixou a escola ou esteja em atraso escolar.
"É preciso que haja vagas de qualidade para estágio e de aprendiz aos adolescentes para prepará-los ao mundo do trabalho. Para isso tem que ir atrás de quem está também fora da escola", cobra a representante do Unicef.
Proteção social
Por fim, o Unicef prega que a infância e a adolescência sejam prioridades no orçamento e nas políticas públicas municipais nas gestões que devem ser iniciadas a partir de 1º de janeiro de 2021.
Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope, encomendada pelo Unicef, em julho, 55% dos brasileiros afirmaram que o rendimento familiar diminuiu desde o início da pandemia. E os impactos dessa queda foram maiores em famílias com crianças e adolescentes.
Entre as famílias entrevistadas, 63% viram a renda diminuir. A redução também está mais presente nas camadas mais pobres da sociedade: 67% daqueles com renda familiar de até um salário mínimo tiveram queda de rendimentos, contra 36% dos que possuem renda superior a dez salários mínimos.
O auxílio emergencial do governo federal foi pedido por 46% dos brasileiros entrevistados pela pesquisa. Entre aqueles que vivem com crianças e adolescentes, o percentual subiu para 52%.
A pandemia também revelou a existência de uma parcela importante da população brasileira que não era alcançada pelos cadastros dos programas de transferência de renda existentes no país.
Desigualdades regionais
As realidades são diferentes dependendo da região do país, mas, em geral, Norte e Nordeste apresentam os maiores desafios, de acordo com Liliana Chopitea, que é chefe de Políticas Sociais, Monitoramento e Avaliação do Unicef no Brasil. "Os índices variam de região para região e ainda mais quando se vê os municípios, mas educação e renda são os mais preocupantes nestas duas regiões. O desafio é como os candidatos vão acompanhar os dados municipais", explica.
Já o chefe de Educação do Unicef no Brasil, Ítalo Dutra, lembra que Nordeste e Norte são os mais atingidos por crises econômicas e, com a pandemia, não foi diferente: "Há mais dificuldades com relação à água, saneamento, higiene, evasão escolar e negros, pardos e indígenas sofrem ainda mais. Algumas crianças ficaram sem qualquer contato com as escolas e houve aumento da violência, do trabalho infantil e da exploração até sexual".
O Unicef pretende encaminhar o documento com as recomendações às equipes dos candidatos a prefeito nas Eleições 2020, mas também quer divulgar o material para lideranças comunitárias, parceiros e implementadores para que deixem de ser promessas de campanha e se tornem políticas públicas.
De acordo com Mário Volpi, chefe do programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef, uma iniciativa já foi implementada em 1.924 municípios da Amazônia Legal e do Semi Árido. A entidade sugere ações relativas a 17 temas para melhorar a qualidade de vida da população, faz o acompanhamento da implementação e, ao fim dos quatro anos de mandato, avalia os resultados. As cidades que mais avançaram em relação aos indicadores recebem o selo Unicef.