A derrota de Guilherme Boulos na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2024 expõe erros estratégicos que o distanciaram dos sentimentos do eleitorado.Entre os pontos críticos o maior destaque fica por conta da incapacidade do candidato em dialogar com o público cristão. Um erro crasso.Boulos manteve-se fiel à sua postura de evitar referências a Deus ou a Jesus Cristo, o que evitou os caminhos para o diálogo. Portanto, desprezou o voto de uma parcela significativa do eleitorado paulistano, para quem a fé desempenha um papel central. Até Lula, nos 40 minutos do segundo tempo, entendeu que esse era o dilema de parte da esquerda, quando lembrou Jesus Cristo como maior esquerdista da História, em evento na Bahia, a 10 dias da eleição.O eleitor cristão, em sua maioria, busca afinidades culturais e morais nos candidatos e, ao não reconhecer essas afinidades no discurso de Boulos, encontrou em Ricardo Nunes um representante mais próximo de seus valores.Se no atacado Boulos trabalhou mal, no varejo do apagão de São Paulo ele se perdeu na incapacidade de faturar politicamente, após o temporal do dia 11 de outubro. Uma ocorrência que deixou mais de três milhões de pessoas sem energia elétrica.Boulos tentou responsabilizar a prefeitura e, por extensão, Nunes, centrando fogo na falha para a poda das árvores. Ficou a impressão, também nesta questão, de que havia uma tentativa de conectar a questão ambiental com a queda de energia.Esquecendo de explorar a fragilidade do prefeito na política nacional, ele pegou emprestado um discurso ideológico-ambiental, evitando cair no campo raso da cobrança funcional.Se fizesse o óbvio, ele tinha a oportunidade de tirar partido do total desconhecimento de Nunes em Brasília, usando o episódio como prova de que a prefeitura precisa de um chefe com prestígio no planalto e trânsito no Congresso. Até porque, se tivesse força, o prefeito Nunes já tinha colocado a ANEEL em cima da empresa responsável pela distribuição de energia de São Paulo.Em vez disso, ele escolheu sensibilizar a população para uma suposta irresponsabilidade do prefeito. Resultado: Nunes conseguiu inverter o discurso, vinculando o problema à ineficiência federal, especialmente direcionada à administração de Lula. O prefeito se aproveitou da incapacidade do povo em distinguir diferenças, para separar a agência nacional de energia elétrica da influência da autoridade nacional expressa no presidente da república. Afinal, tudo ali acontecia em Brasília.Neste caso, aliás, a culpa está mais para a comunicação do governo federal, que neste episódio ficou restrita às horas intermináveis do ministro de minas e energia numa entrevista coletiva, com cara de CPI.O fato é que Boulos não soube capitalizar o episódio para mobilizar a indignação popular, que continuou a enxergar Nunes como a opção disponível para um voto mais próximo da ideia de “administrador estável”.A campanha de Boulos, no entanto, já começara em clara desvantagem para o segundo turno. No primeiro turno, o candidato avançou para a fase final com uma margem apertada - apenas 0,93 ponto percentual (ou 57 mil votos) à frente de Pablo Marçal, do PRTB-. Essa posição frágil não deu à campanha o fôlego necessário para uma disputa de segundo turno, e o PSOL mal teve tempo de se reorganizar. A campanha seguiu insistindo em um discurso de “mudança”, apoiando-se no índice de 70% dos eleitores que não votaram em Nunes na primeira votação.Neste caso, aparentemente, Boulos ignorou que a estabilidade tem sido uma prioridade para muitos eleitores brasileiros desde a pandemia, especialmente em cidades como São Paulo, onde a perda de proteção social tornou-se uma preocupação diária. A aposta no discurso pela mudança radical , em vez de defender uma transição segura e gradual, pareceu um erro de cálculo que afastou o eleitorado mais pragmático.Outro erro estratégico foi a tentativa de Boulos de captar o eleitorado de Marçal, um grupo que, como ficou claro nas pesquisas, não migraria para o PSOL, mas sim para o prefeito Nunes. Ao insistir nessa aproximação, Boulos perdeu energia e foco, deixando de explorar caminhos alternativos que poderiam ter ampliado sua base de apoio. Com poucos recursos retóricos e táticos para enfrentar o favoritismo de Nunes, Boulos entrou numa fase de esgotamento precoce.No fim das contas, seria melhor ter ficado com resultado da última eleição. Há quatro anos, na disputa contra Bruno Covas, Boulos havia atingido 40% dos votos válidos no segundo turno com menos recursos financeiros. Nesta eleição, com um caixa de R$ 81 milhões, dos quais mais da metade veio do PT, esperava-se um desempenho ainda mais expressivo. A queda de desempenho, em vez de avanço, passou a ser um fantasma para os aliados do candidato, que até já foi apontado como um possível sucessor de Lula.Sem que isso permitisse uma garantia de resultado, a estratégia de Boulos poderia ter investido mais na complexidade dos eleitores que optaram pelo voto em branco ou nulo no primeiro turno, ou falando para os que não foram votarAparentemente ele não buscou decifrar o descontentamento desses eleitores, que poderiam ter sido seduzidos por uma plataforma que acenasse mais para a estabilidade do que para a mudança radical.