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R7 Entrevista
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‘A violência contra crianças ainda é muito silenciada’, diz diretora de instituto que luta pelo fim da exploração sexual de menores

Cristina Cordeiro, do Instituto Liberta, explicou a história e importância do dia 18 de maio, que é nacionalmente voltado para o combate a esse crime que atinge milhares de crianças

Entrevista|Melissa Venturini*, do R7

Cristina Cordeiro, diretora-adjunta do Instituto Liberta (Reprodução/ Pétala Lopes (@petalalopes))

[Alerta de gatilho: este texto contém informações sensíveis sobre estupro e violência sexual. Caso você se identifique ou conheça alguém que esteja passando por esse problema, denuncie]

Em 18 de maio de 1973, a morte de Araceli Cabrera Sánchez Crespo chocou o Brasil. Na época, a menina, de apenas 8 anos, foi raptada, drogada, estuprada e morta por jovens na cidade de Vitória, no Espírito Santo. O caso, que completou 50 anos no ano passado, gerou revolta na população que se uniu para dar um novo significado para a data.

Agora, 18 de maio é o Dia Nacional do Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma data muito importante, porém pouco falada. Por isso, diversos institutos fazem campanhas todos os anos para relembrar e informar a sociedade desse problema.

Uma dessas organizações é o Instituto Liberta, que procura — por meio de campanhas, filmes e pesquisas — conscientizar e desnaturalizar a violência sexual contra crianças e adolescentes. A diretora adjunta do projeto, Cristina Cordeiro, em entrevista ao R7, chamou atenção para os dados alarmantes dessa violência.

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“Quatro meninas, com menos de 13 anos, são estupradas por hora no nosso país. Só no ano de 2023 foram 40.659 casos. Destas quatro, duas engravidam e dão à luz”, afirmou a pedagoga, especialista em educação infantil.

Além de trazer números, Cordeiro explicou como a data surgiu, sua importância, as campanhas que são feitas e as medidas para combater e prevenir o abuso e a exploração sexual de menores de idade. Confira o bate-papo completo.

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R7 — Dezoito de maio é o dia nacional do combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Como que essa data surgiu?

Cristina Cordeiro — O dia 18 de maio surge de uma indignação da sociedade a partir do crime cometido contra uma menina de 8 anos chamada Araceli, em Vitória, no Espírito Santo. Ela foi drogada e estuprada por jovens de classe média da cidade. Infelizmente, ela acabou falecendo e isso foi um marco. A partir desse dia, em todo 18 de maio, a sociedade se une para mostrar a indignação com a violência sexual contra crianças e adolescentes.

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R7 — Não lembrava dessa história...

Cristina — É natural. Pontualmente, vão acontecendo alguns casos e todo mundo fica indignado, mas, depois, passa. Diferente da violência contra a mulher, que já ganhou um status de indignação na sociedade. A violência contra criança e adolescente ainda é muito silenciada. Ninguém fala no assunto. Por medo, vergonha e, às vezes, até por desconhecimento mesmo.

R7 — Qual a importância desse dia?

Cristina — O 18 de maio é um marco importante porque existe uma campanha nacional. O símbolo é uma flor amarela e laranja escrito: “Faça bonito”. É uma grande mobilização feita pelo Comitê Nacional e hoje tem até uma deliberação do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), para que seja uma campanha oficial. Então, o objetivo é chamar a atenção do Brasil para uma causa importantíssima, mas que também não deve ser só no dia 18 de maio.

O importante é que seja um dia de mobilização. As crianças saem às ruas, os serviços de atendimento de criança e adolescente fazem caminhadas, paralelamente acontecem palestras e seminários, que mobilizam toda a comunidade. São milhares de municípios que aderem a essa campanha. É um dia que tem de ser festivo no seguinte sentido: “Estamos aqui para mostrar a nossa indignação.” Então, eles levam balões brancos para lembrar da morte da menina Araceli, mas também refletem sobre quais são essas questões hoje na sociedade, quais são os dados, como que está a organização da rede protetiva para acolher vítimas. É uma ação de mobilização da sociedade.

R7 — Quais outras campanhas são feitas nessa data?

Cristina — Esse ano, vamos lançar um filme no YouTube, que vai sensibilizar os pais a perceberem que a violência não está fora de casa, mas dentro dela. O Instituto também vai fazer uma ação na estação do metrô Sé [no centro de São Paulo], que é uma das mais movimentadas. Nós vamos fazer uma instalação, alertando para que as pessoas saibam que quatro meninas são estupradas por hora. O prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em uma parceria como Liberta, também vai ter uma ação no dia 18 de maio. Eu acho que, somado às ações que todas as outras instituições fazem, a gente vai conseguindo trazer esse assunto para a pauta.

R7 — E você falou em dados, quais os números em relação à exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes?

Cristina — Os dados mostram um número absurdo. Quatro meninas, com menos de 13 anos, são estupradas por hora no nosso país. Só no ano de 2023 foram 40.659 casos e, fazendo a conta, são quatro meninas com menos de 13 anos estupradas por hora. Destas quatro, duas engravidam e dão à luz. De todos os estupros cometidos no país, 61% são contra menores de 13 anos. Então, quando a gente fala em estupro, é um equívoco pensar que atinge apenas mulheres, as meninas são a maioria, com 86% dos casos. Mas, os meninos também são vítimas, e são mais silenciados ainda, pelo machismo que impera. A gente também tem essa grande preocupação.

Um outro dado que é assustador e muito presente é que 72% desses casos acontecem nas residências e por familiares: pais, padrastos, tios, avós, primos, pessoas conhecidas. Só 28% tem aquele perfil de desconhecido.

R7 — O perigo está, literalmente, dentro de casa...

Cristina — Exato, o perigo está dentro de casa, porque também é um assunto que é tabu. Ninguém fala sobre sexo e sexualidade. Então, a prevenção do estupro é dificultada pelo tabu. Se você quer prevenir a violência sexual, só tem um caminho: falar do assunto. As famílias precisam falar do assunto, as escolas precisam falar do assunto.... Porque em famílias abusadoras, a criança não encontra proteção e um ambiente seguro. Ela vai precisar da ajuda da escola para isso.

R7 — Qual é a diferença entre abuso sexual e exploração sexual?

Cristina — Tem uma diferença muito grande. O abuso sexual, no Código Penal, está tipificado como estupro de vulnerável. Qualquer relação sexual ou ato libidinoso, que não prevê a conjunção carnal com menor de 14 anos, é considerado crime de estupro de vulnerável. Já a exploração sexual está prevista uma troca, um favor, um agrado para se obter essa vantagem sexual, que pode ser desde um pacote de bolacha até uma viagem para a Disney, por exemplo. No nosso país, segundo o Código Criminal Brasileiro, abaixo de 18 anos, qualquer troca de sexo por vantagem é exploração sexual.

R7 — Qual a melhor forma de combater e prevenir a exploração sexual de crianças e adolescentes?

Cristina — A forma de prevenção mais eficaz é o diálogo. É preciso falar sobre o assunto, é preciso falar sobre o direito que crianças e adolescentes têm de preservar o seu corpo e as suas partes íntimas. Isso pode ser falado pela família ou pela escola. Hoje tem muitos livros infantis e filmes que ajudam as famílias a conversarem com as crianças sobre essa prevenção à violência.

Outra coisa é encontrar esse ambiente seguro. Ao falar do assunto, a família ou a escola dizem que podem receber dessas crianças, qualquer informação que as tenha deixado desconfortável nesse sentido. Porque não pode existir um segredo. Se alguém pedir um segredo, é porque tem alguma situação que precisa ser revelada. Então, criar esse ambiente seguro em que as crianças possam ter a confiança em um adulto, é um passo importantíssimo.

As famílias também precisam acompanhar a navegação na internet, para que seja segura. Hoje, os pais precisam fazer essa mediação e saber o que os filhos estão fazendo na internet, para prepará-los para evitar algum dano. E os danos, geralmente, vêm acompanhados por um processo de sedução, em que os jovens se acham muito preparados para sair de qualquer situação. Mas, hoje, a tecnologia ilude, engana. Então, esse diálogo de prevenção é importantíssimo.

R7 — Como e onde podem ser feitas as denúncias desse crime?

Cristina — Primeiro, as crianças precisam saber que a denúncia é um passo importante para interromper a violência que elas estão sofrendo, além de prevenir o sofrimento de outras pessoas. Então, existem caminhos que podem ser acessados pela família ou pela escola. O mais conhecido é o disque 100. É pegar o telefone e discar o número 100. Esse serviço pode ser anônimo, você não precisa revelar a sua identidade. A vítima também pode procurar o Conselho Tutelar ou uma delegacia de polícia. Se a pessoa estiver em risco de vida, a denúncia precisa ser na delegacia.

R7 — Uma criança ou um adolescente também pode fazer uma denúncia no disque 100?

Cristina — Pode. O disque 100 está preparado para receber denúncias de crianças e adolescentes. As crianças precisam saber onde moram, seus endereços, e o nome completo. O sigilo é totalmente garantido também.

R7 — Qual a melhor forma de ajudar as vítimas que passaram por essa violência?

Cristina — Depois que tudo já aconteceu, existe um caminho, que cada órgão público tem a competência para realizar. Então, a segurança pública vai buscar provas e encaminhar para a Justiça, e a criminalização está prevista no Código Penal brasileiro. Mas, para a vítima, há um importante cuidado físico e psicológico. O físico são os exames que a área da saúde vai fazer para garantir que não haja danos imediatos ou futuros, além de doenças sexualmente transmissíveis. Essa criança também vai ser avaliada para saber se vai poder continuar morando na mesma casa, por exemplo, se o abusador foi afastado ou não... Aí, entra a área da assistência social e o atendimento psicológico. Porém, estamos muito distantes de conseguir atender toda a demanda. O que mais precisamos atualmente é que políticas públicas consigam alcançar o número de casos que já existem no nosso país e identificar os que precisam realmente desse atendimento. É um acompanhamento que precisa ser garantido no pós-trauma.

R7 — Mesmo com o 18 de maio, você acredita que ainda faltam medidas para acabar com essa violência?

Cristina — Sim, eu acho que ainda vamos ter um bom tempo fazendo campanhas, divulgando, convencendo famílias e escolas a trabalharem na prevenção. Então, é necessária uma política pública que, de fato, consiga abranger todas as crianças, no sentido de alertar para que essa violência não ocorra, fazer o trabalho de prevenção e ter políticas de atendimento mesmo.

*Sob supervisão de Thaís Sant’Anna

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