O mundo ainda lembra o 80º aniversário da liberação de Auschwitz, o mais notório dos campos de concentração nazistas, comemorado nesta segunda-feira (27). Ao mesmo tempo, a Alemanha se aproxima do que pode ser o fim da busca pelos criminosos do regime de Adolf Hitler.Após os julgamentos de Nuremberg, conduzidos pelos Aliados, e os julgamentos de Auschwitz, realizados em Frankfurt na década de 1960, a Alemanha interrompeu por décadas o processo de julgamento de criminosos de guerra nazistas. Isso ocorreu porque o próprio sistema judicial estava contaminado por ex-oficiais do Terceiro Reich.Com o tempo, a justiça alemã passou a adotar uma nova abordagem, permitindo condenações mesmo sem evidências diretas, baseando-se apenas na presença dos suspeitos na cena do crime -- geralmente, nos campos de concentração.Embora o sistema judicial do país tenha tentado corrigir os erros do passado, a chamada “caça aos nazistas” está chegando ao fim. Nos últimos 15 anos, apenas cinco pessoas foram condenadas por sua participação na Solução Final.Alguns casos ainda estão em andamento, mas eles lutam contra o tempo, já que muitos dos suspeitos estão com idades próximas aos 100 anos. Apesar de os condenados nos últimos anos não cumprirem suas penas devido à idade avançada, alguns sobreviventes encontraram na justiça uma forma de restaurar a fé no sistema.Desde 1958, o Escritório Central para a Investigação de Crimes Nacional-Socialistas, em Ludwigsburgo, no sul do país, é quem tem liderado os esforços para levar à justiça os últimos envolvidos nos horrores do Holocausto.Criado como resposta às falhas iniciais da Alemanha em processar criminosos nazistas -- incluindo a presença de ex-oficiais do Terceiro Reich no sistema judicial pós-guerra --, o Escritório Central investiga crimes cometidos durante o regime nazista e processa os responsáveis que ainda estão vivos.Com um vasto arquivo que inclui 1,78 milhão de fichas e mais de 700 mil nomes de réus e testemunhas, a instituição investigou mais de 18.756 processos relacionados a crimes nazistas e conduziu cerca de 118.970 pesquisas administrativas ao longo de suas décadas de atuação.Entre os casos investigados, 127 processos foram movidos contra ex-membros de campos de concentração como Auschwitz, Sachsenhausen e Ravensbrück, resultando em 15 acusações formais desde 2011, das quais cinco levaram a condenações. O caso de Oskar Groening, o “contador de Auschwitz”, condenado em 2016 aos 94 anos por cumplicidade em mais de 170 mil assassinatos, é um dos mais emblemáticos.Mas o tempo se tornou um adversário implacável para o Escritório Central. A média de idade dos suspeitos ultrapassa os 90 anos, e muitos não conseguem cumprir suas penas devido à saúde debilitada ou à idade avançada. Nesse sentido, a maioria dos processos recentes resultou em condenações simbólicas, que não têm impacto real no cumprimento de sentenças. Nos últimos anos, o órgão decidiu ampliar suas investigações para cobrir campos de prisioneiros de guerra e unidades especiais conhecidas como Einsatzgruppen. Entre 2021 e 2024, cinco acusações foram feitas contra ex-membros dessas unidades, incluindo uma que ainda aguarda decisão do Ministério Público de Berlim.Mas a complexidade dessas investigações também aumentou devido à necessidade de examinar arquivos históricos na Rússia e em países do antigo bloco soviético. Esses esforços, embora frutíferos, enfrentam desafios devido à instabilidade política na região, especialmente após a guerra na Ucrânia.Apesar do trabalho de décadas, houve especulações de que os ministros regionais da justiça alemã teriam discutido sobre a possibilidade de as investigações conduzidas pelo Escritório Central serem encerradas ainda em 2025. Para sobreviventes do Holocausto e suas famílias, como os que assistiram aos julgamentos pós-2011, os processos mantêm viva a lembrança dos crimes. Ao mesmo tempo, o encerramento das investigações poderia sinalizar o fim oficial da responsabilização direta pelos horrores do nazismo.Com os movimentos nacionalistas em ascensão na Europa, o legado do Escritório Central se torna ainda mais relevante como um lembrete da gravidade dos crimes nazistas. Desde sua criação, o órgão acumulou mais de 558.300 documentos e ajudou a desvendar 28 mil cenas de crimes espalhadas pela Europa, desde o Atlântico até o Cáucaso.