Com décadas de atraso, fuzileiros navais dos EUA começam a deixar o Japão
É a primeira vez que o efetivo foi reduzido, como parte de acordo entre Washington e Tóquio para diminuir a presença militar americana, situação que remonta à Segunda Guerra Mundial
Internacional|Martin Fackler, do The New York Times

Okinawa, Japão – Pouco antes do Natal, um contingente de 105 fuzileiros navais dos EUA que seria enviado a Okinawa foi redirecionado para uma nova base no território americano de Guam. Esse pequeno rearranjo foi um grande marco: trata-se da primeira vez que os fuzileiros reduziram seu efetivo em Okinawa como parte de um acordo entre Washington e Tóquio para diminuir a presença militar americana naquela ilha do Pacífico, situação que remonta à Segunda Guerra Mundial. Segundo esse acordo, nove mil fuzileiros navais – pouco menos da metade da força atualmente estabelecida na ilha – por fim deverão partir. No entanto, sua saída está duas décadas atrasada em relação ao cronograma original e pode não ser efetuada antes que se passe mais uma década, até que a construção das bases substitutas seja concluída.
A realocação deles foi acordada em um tratado assinado há 12 anos, como resultado de negociações e renegociações que começaram em 1995. Na ocasião, três militares americanos foram acusados de estuprar uma estudante de Okinawa. Esse crime desencadeou protestos em massa que forçaram os Estados Unidos e o Japão a concordarem em reduzir as bases americanas, construídas depois que os EUA tomaram Okinawa durante uma batalha sangrenta em 1945.
A primeira versão do acordo, firmada em 1996, previa reduzir o pessoal em um prazo de cinco a sete anos, construindo uma nova base aérea no extremo norte da ilha para substituir outra que existe nas proximidades de uma cidade populosa. Uma geração depois, a antiga base aérea ainda está em uso, enquanto a nova parece que vai levar pelo menos 12 anos para ser concluída.
Embora alguns ilhéus estejam ficando impacientes, esse atraso constante parece conveniente para os governos dos EUA e do Japão, que têm uma boa justificativa geopolítica – a ascensão da China – para manter os fuzileiros navais exatamente onde estão. “Doze anos depois, apenas cem fuzileiros foram realocados. Os dois lados sabem que as coisas não estão avançando, mas não têm motivação para agir”, disse Christopher B. Johnstone, ex-diretor da sessão do Nordeste Asiático no Escritório da Secretaria de Defesa, que ajudou nas negociações do acordo vigente, aprovado em 2013.
A urgência de realocar os fuzileiros diminuiu à medida que a China aumentou sua presença na região com exercícios militares. Na semana passada, o Ministério da Defesa do Japão relatou o rastreamento de quatro navios de guerra chineses navegando entre Okinawa e uma ilha próxima.
A crescente presença chinesa é sentida não apenas em Tóquio e Washington, mas também em Naha, a capital de Okinawa, onde turistas falantes de mandarim lotam a Kokusai Dori, a principal rua de compras. A eleição recente para prefeito em Okinawa foi vencida por conservadores que são mais favoráveis às bases americanas e as consideram uma presença protetora que também fornece empregos muito necessários para a população.

Embora protestos contra as bases ainda atraiam centenas de manifestantes, muitos vêm marchar de bengala. É mais fácil encontrar os jovens de Okinawa em shoppings como o American Village, onde se misturam aos militares americanos e seus familiares.
Ainda há muitos okinawanos furiosos com as bases. Culpam tanto Tóquio quanto Washington, dizendo que a presença americana prova que o Japão ainda vê sua ilha – que foi um reino independente até o século XIX – como uma simples colônia interna. O governador atual, Denny Tamaki, é um dos principais opositores das bases, mas, contraditoriamente, ele e seu predecessor acabaram retardando o processo de redução da presença americana. Suas negativas sistemáticas de licenças e as ordens judiciais que apresentaram para bloquear a construção da nova base aérea motivaram os atrasos. No mês passado, a Suprema Corte do Japão rejeitou a última alegação contra as bases e abriu caminho para a retomada das obras. “Manter as bases impõe um fardo excessivo ao povo de Okinawa. A pressão que exercem sobre nós, na forma de crimes, barulho e acidentes, é um tipo de discriminação estrutural”, declarou Tamaki, ex-assistente social cujo pai era um fuzileiro naval americano.
Ainda assim, o pensamento na capital de cada um dos países mudou. Quando o acordo original foi assinado, os EUA não tinham rivais no Pacífico Ocidental. O poder militar da China agora coloca Okinawa dentro da faixa de alcance de mísseis, e a Coreia do Norte também construiu um arsenal nuclear.
O Japão também estará na linha de frente se surgir qualquer conflito em Taiwan, que fica ao alcance da vista da ilha mais ao sul do arquipélago de Okinawa. Em 2022, um exercício militar chinês, destinado a intimidar a ilha autogovernada, lançou mísseis em águas próximas ao Japão. “Todos reconhecemos que o mundo mudou desde os anos 1990. Isso faz as pessoas pensarem: será que os fuzileiros realmente precisam se mudar?”, disse Kevin Maher, ex-diplomata americano e ex-cônsul-geral dos EUA em Okinawa.
Ainda assim, Maher e outros funcionários americanos afirmam que o plano atual continua sendo a melhor opção. Incidentes recentes, como quatro casos de agressão sexual por parte de militares americanos no ano passado, indicam que a ira contra as bases americanas ainda pode se renovar. E Tóquio não tem muita disposição para reabrir um acordo dolorosamente negociado.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Japão, o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, reiterou seu compromisso com o plano atual durante uma reunião na semana passada com o presidente Donald Trump. Ishiba disse anteriormente que a lacuna deixada pelos fuzileiros que partem poderá ser preenchida por forças japonesas ou bases conjuntas. “Continuaremos trabalhando para reduzir o fardo que as bases nos impõem”, declarou no mês passado durante um discurso ao parlamento japonês. Mas acrescentou que, “enquanto o equilíbrio de poder na região está passando por uma mudança histórica, devemos continuar garantindo os compromissos regionais dos Estados Unidos”.
O Japão não tem pressa para concluir a realocação, cujo ponto central continua sendo a nova base aérea em Camp Schwab, instalação americana que fica a uma hora seguindo em direção ao norte da base aérea existente – e que será sua substituta.

As águas repletas de corais ao largo de Camp Schwab agora estão cheias de grandes barcaças, que estão criando uma área de aterro cinco vezes maior que o prédio do Pentágono. As pistas em forma de V em breve abrigarão helicópteros e aviões Osprey de rotor giratório que virão da Base Aérea do Corpo de Fuzileiros Navais de Futenma, desafogando os bairros residenciais densamente populosos da cidade de Ginowan.Em dezembro passado, durante uma visita a Okinawa para marcar a realocação dos primeiros fuzileiros, o então ministro da Defesa do Japão afirmou que a base aérea não estará pronta para uso até 2036. Serão 40 anos de espera desde que o primeiro acordo para a construção foi assinado.
O avanço lento reflete a falta geral de urgência do Japão, observou Hiromori Maedomari, professor da Universidade Internacional de Okinawa que ensina sobre questões levantadas pela presença das bases militares. “O Japão quer manter as condições atuais dos fuzileiros navais pelo maior tempo possível, mesmo que isso signifique que Okinawa seja descartável.” Outras partes do plano de realocação só agora estão sendo postas em andamento. No Camp Foster, na metade sul da ilha, duas dúzias de guindastes estão construindo uma nova sede, escolas e moradias, parte de um plano para concentrar os americanos nessa base, permitindo que outras sejam fechadas. “Finalmente, começou. Não vemos esse nível de construção aqui desde os anos 1950, quando essas bases foram erguidas”, disse o coronel Leroy Bryant Butler, fuzileiro naval que gerencia os projetos de construção.
Os fuzileiros navais também se mudarão para bases no norte de Okinawa, longe dos centros populacionais lotados. Cerca de dois terços das bases americanas na parte sul da ilha acabarão sendo desocupados, incluindo um centro logístico cheio de armazéns, um porto marítimo e a base aérea de Futenma.
O custo da construção para o Japão é de cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. Isso se soma aos US$ 2,8 bilhões que Tóquio gastou para construir Camp Blaz, nova base em Guam que foi inaugurada no mês passado para abrigar cerca de metade dos fuzileiros navais que deixarem Okinawa.
No entanto, os fuzileiros navais não esconderam sua relutância em reduzir suas forças e se recusaram a fornecer um cronograma. Se um conflito estourar, a infantaria em Guam provavelmente terá de lutar para apoiar o Japão contra um inimigo que pode desafiar a superioridade aérea e marítima americana. “O Japão está agora na zona onde as armas estão engatilhadas. Precisamos mudar a conversa e falar de problemas que são relevantes em 2025”, declarou Wallace Gregson, tenente-general reformado que comandou a força dos fuzileiros navais em Okinawa.
c. 2025 The New York Times Company