Como a pena de morte é aplicada — ou não — nos EUA
As regras para aplicação da pena capital variam de estado a estado, mas uma lei federal determina crimes graves que podem ser punidos desta forma
Internacional|Mariana Ghirello, do R7
O retorno das execuções de prisioneiros federais após 17 anos trouxe o tema da pena de morte de volta ao debate nos Estados Unidos. A aplicação da pena máxima prevista nas leis federais norte-americanas estava bloqueada por decisões judiciais e também políticas desde 2003, mas acabaram sendo recentemente retomadas pelo Departamento de Justiça e autorizadas pela Suprema Corte.
Entre os dias 14 e 17 de julho, três condenados pelo Judiciário Federal foram executados — o que não acontecia desde 2003.
As execuções, no entanto, não tinham sido suspensas em todo país por todo este tempo, já que, nos EUA, um mesmo caso pode ter condenações diferentes e seguir rumos ainda mais distintos dependendo do estado onde é julgado.
Isso inclui a pena de morte. Dos 50 estados, somente 29 deles possuem a pena capital como punição.
Mas mesmo crimes cometidos nos 21 outros estados que não preveem a pena de morte podem ser punidos desta forma, se forem considerados como crimes federais. Os crimes militares também podem render a execução do apenado.
Sem unicidade
Para entender como isso acontece, é preciso considerar uma diferença fundamental entre o sistema penal dos EUA e o que existe no Brasil: a ausência de unicidade.
"Aqui, nós temos um Código Penal que se aplica no Brasil inteiro, em todos os estados. Lá, a jurisdição é dividida entre federal e estadual", explica a criminalista que atuou por 14 anos como desembargadora federal no TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3º Região), Cecília Mello.
De acordo com Cecília, cada estado norte-americano vai organizar sua própria legislação e determinar os crimes e as penas. "Aquilo que é direcionado a competência estadual, cada estado pode dispor de maneira diferente", destaca.
Já no Brasil, existe uma disciplina jurídica única. E isso ocorre porque os EUA utilizam o sistema Common Law, já o Brasil se baseia em um sistema de direito diferente, chamado Civil Law.
De acordo com o sistema Common Law, no qual as regras vão sendo criadas à medida em que são julgadas. Já no Civil Law, os juízes devem decidir com base na legislação existente no país. "Por isso que existe a pena de morte em alguns estados, mas não em outros. E é essa dinâmica que faz ser completamente diferente", reforça a criminalista.
Isso explica também porque a aplicação da pena de morte pode variar inclusive no tempo nos estados onde ela é prevista — e também no caso da Justiça Federal. Moratórias de execuções já foram estabelecidas por decisões judiciais, como por exemplo a respeito das garantias de que o método de execução não cause sofrimento físico ao condenado.
Estadual x Federal
Ana Carolina Sampaio Pascolati, que é advogada e professora de Direito Internacional, explica que enquanto no Brasil a Justiça criminal irá trabalhar com base em leis já existentes, nos Estados Unidos não há uma relação fixa entre a competência criminal da Justiça Federal e das Justiças Estaduais.
Segundo Ana Carolina, os crimes serão divididos basicamente quanto à pena. Por isso crimes com penalidade mais severa, inclusive a pena de morte, e os crimes com penalidade menos severa.
"A maioria dos crimes nos Estados Unidos é de competência estadual. São crimes federais os que dizem respeito à propriedade do governo central, ou que se dão em âmbito de diferentes Estados, ou que evoquem problemas nacionais, como, por exemplo, o combate ao narcotráfico", destaca.
Outra grande diferença entre a forma de julgamento nos EUA e no Brasil é o júri. Lá, todas as espécies de delitos, desde pequenos furtos até os mais violentos, como roubos e homicídios, passam pelo crivo de cidadãos comuns. Enquanto que no Brasil, apenas os crimes contra a vida vão ao júri popular.
"Para a sociedade americana a participação na justiça de seu país é a forma mais genuína de demostrar o seu patriotismo", comenta a professora Ana Carolina.
Outras diferenças do sistema penal dos EUA
A escolha dos juízes norte-americanos também é diferente do Brasil, já que por aqui, a maioria ingressa através de concurso público, seja para a esfera estadual ou federal. Exceto para as vagas do quinto constitucional, que permitem a indicação para as vagas.
Nos Estados Unidos, alguns juízes podem ser eleitos ou até mesmo indicados pelo executivo ou legislativo. "Não guarda nenhuma semelhança com o que acontece aqui", comenta Cecília Mello.
Outra grande diferença é o pleabargain, uma espécie de barganha ou negociação entre o promotor e o réu. Segundo Ana Carolina, as duas partes podem fazem um acordo, em que o réu concorda em confessar a culpa (mesmo não sendo culpado), em troca de uma pena menor do que a que poderia pegar se o caso fosse julgado.