Conheça o homem que mudou de nome para sobreviver ao Holocausto
Michel Dymetman, judeu de Varsóvia, virou Franz Depauw, prisioneiro de guerra belga e cristão. Só por isso, está vivo para contar sua história
Internacional|Fábio Fleury, do R7
Michel Dymetman nasceu em Varsóvia, capital da Polônia, em 1924. Hoje com 94 anos, tem uma filha, duas netas e quatro bisnetos e vive em São Paulo. Mas, de 1942 a 1945, Michel Dymetman não existiu. Quem existiu foi Franz Depauw, prisioneiro de guerra belga capturado na fronteira com a França e internado em dois campos de concentração, um francês e um na Áustria.
Dymetman foi Franz Depauw durante quase quatro anos. Para tentar entrar na França para escapar dos nazistas, ele e o pai compraram dois documentos de identidade na Bélgica e preencheram com nomes falsos. Ao chegarem à fronteira, foram detidos.
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Depois de serem presos, foram levados ao campo de Rivesaltes, na França ocupada pelos nazistas. Em seguida, chegaram ao complexo de campos de concentração de Mauthausen, na Áustria. Para explicar como sobreviveu no campo, onde cerca de mil prisioneiros morriam por mês, ele cita três motivos.
"O medo da morte me deu uma criatividade enorme"
“Primeiro, meu conhecimento da língua alemã, que me permitia ter contato com os SS. Com isso, consegui cargos na administração do campo. O segundo motivo foi que, na época, o medo da morte me deu uma criatividade enorme. O terceiro motivo era porque Deus quis que eu estivesse aqui”, afirma Dymetman.
Nos campos de Mauthausen, ele exerceu diversas funções. Foi secretário no escritório da administração no primeiro campo. No segundo, se tornou o ‘médico’ dos prisioneiros, sem treinamento ou equipamentos e com pouquíssimos remédios e material para limpeza. No terceiro, conseguiu a função que definiu como a melhor de todas: descascador de batata.
“Ficava o tempo todo sentado, com um balde de batatas com casca e outro para jogar as descascadas. Logo consegui indicar meu pai para descascar comigo e passávamos o dia lá. No segundo campo, onde morria muita gente, eu tentava ajudar limpando ferimentos, arrancando dentes. Encontrei médicos lá e eles me ensinaram algumas técnicas, eu fazia o que era possível fazer com o pouco que tinha”, relembra.
A tal criatividade diante da ameaça constante da morte fez Dymetman aprender diversas orações católicas e frequentar as capelas dos campos para manter a identidade belga de Franz Depauw. Para explicar como tanto ele quanto o pai eram circuncidados, eles culpavam doenças sexualmente transmissíveis que eram comuns na época, como a sífilis.
“O campo de concentração era um ambiente fechado, onde as leis de sobrevivência eram diferentes. Bastava uma palavra, um gesto errado e o prisioneiro era morto na hora. Foi aí que eu aprendi a nunca me entregar. A luta era pra sobreviver um dia de cada vez”, explica.
"A luta era pra sobreviver um dia de cada vez"
O campo de Mauthausen foi libertado por soldados norte-americanos poucos dias antes da rendição da Alemanha. Franz Depauw ficou por lá e Michel Dymetman pôde voltar a existir. Ele veio para o Brasil e seguiu sua vida como dono de uma construtora onde ele ainda trabalha. E fez questão de pedir a nacionalidade brasileira.
“Quando era criança, em Varsóvia, no parque que existia no meu bairro havia uma placa dizendo que judeus e cachorros não eram permitidos ali. Essa placa estava lá antes de existir o nazismo. Nunca mais quis voltar. Meu país é este, me recebeu de braços abertos. Eu amo o Brasil”, finaliza Dymetman, com os olhos cheios d’água.