Em meio ao cenário de incerteza com a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, potências mundias tentam se adaptar com o novo redirecionamento do comércio internacional. Apesar da disputa entre as nações, os impactos causados pelas retaliações afetam não só a economia dos envolvidos, mas de toda a cadeia global. A tensão entre os chineses e norte-americanos não é nova. Ao longo dos anos, a trajetória de desentendimentos entre eles geraram impactos diretos na diplomacia.Até sexta-feira (11), as retaliações resultaram em tarifas de 125% para os Estados Unidos e 145% para a China. Desde o início do atual mandato, Donald Trump tem aplicado tarifas sobre as importações de diferentes produtos.Existem diferentes marcos temporais que determinam a origem do desentendimento entre as potências. O cientista político do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Maurício Santoro explica que a tensão se originou quando os EUA passaram a ver a China como rival e competidora, logo depois da abertura do comércio pelos chineses e das reformas econômicas no país.Em uma análise do contexto moderno, o professor de direito internacional da FGV-Rio Evandro Carvalho entende que o primeiro mandato de Donald Trump marcou o momento em que os Estados Unidos decidem estabelecer um confronto e adotar políticas econômicas mais contundentes em relação à China.“Naquele momento, o déficit comercial americano na relação comercial com a China era muito elevado, coisa de US$ 500 bilhões. De um modo que era compreensível, podemos dizer isso com tranquilidade, que um governante, naquele caso Trump, quisesse discutir aquela balança comercial. O problema naquele momento é que ele já misturava os problemas da balança comercial com assuntos de segurança e defesa nacional, que foi o caso de ele alegar que os aparelhos da Huawei vinham com dispositivos de espionagem”, diz Carvalho, que entende a ocasião como um dos pontos que contribuiu para mudança na relação entre os países.O especialista destaca, ainda, o incômodo dos Estados Unidos com o crescimento da China. “Ela [a China] passou a fazer algo que não devia na visão dos Estados Unidos, que é crescer de maneira rápida, se tornar autossuficiente do plano industrial, a ponto de agora ser a maior potência industrial do mundo, e se tornar um país tecnologicamente avançado em alguns setores. Então, isso passou a ser inaceitável para os Estados Unidos”, pontua.O rápido avanço da economia chinesa passou a ser um dos principais desafios para os Estados Unidos, principalmente devido à disputa de mercados entre os países. Ainda que Trump tenha criado uma série de obstáculos para os chineses em seu primeiro mandato, especialistas entendem que não foi na mesma proporção que as medidas atuais.Em 2018, os Estados Unidos e a China entraram em embate comercial, o que permitiu que o Brasil alcançasse um dos maiores níveis de exportação para a época. No mesmo ano, Trump decidiu aplicar tarifas às importações de produtos chineses, e como retaliação a China também anunciou novos impostos aos americanos.“O Trump 2, dessa vez, me parece que veio para tentar, pelo menos, me parece ser esta a intenção dele, tentar ganhar o jogo, ver se consegue resolver esse impasse na definição dessa disputa com a China. E ele partiu para uma guerra tarifária sem precedentes”, explica Carvalho.As perdas sequenciais nas bolsas ao redor do mundo e o início de um redirecionamento no comércio internacional são algumas das consequências da nova agenda de Trump. As altas tarifas impostas para produtos americanos e chineses muitas vezes inviabilizam a compra de determinados itens por empresas e consumidores, que terão que buscar alternativas para seus fornecedores.É possível que o impasse entre as duas principais potências crie novas oportunidades para outros países, como o Brasil, principalmente no setor do agronegócio. Entretanto, Maurício entende que os ganhos podem ser pontuais e nem sempre com benefícios para todos.“Existem outros setores em que é muito mais difícil fazer essa substituição. Você pensar, por exemplo, uma fábrica americana que produz automóveis, telefones celulares ou produtos muito complexos que envolvem uma cadeia produtiva que se espalha por vários países. Não vai ser fácil para elas encontrar uma alternativa. Talvez elas não consigam. Talvez a gente tenha ali uma interrupção na produção de vários produtos eletrônicos, ou de vários desses produtos mais complexos. Ou talvez a gente tenha um aumento de preço muito grande, porque essas empresas não vão conseguir encontrar uma alternativa barata para os chineses”, diz.Especialistas entendem que em uma guerra comercial não há ganhadores. De alguma forma, apesar de poderem registrar ganhos, todos os países envolvidos terão algum prejuízo. Evandro explica que a médio e longo prazo, pode ser que os Estados Unidos alcancem os objetivos desejados. Entretanto, o especialista afirma que o principal ponto será relacionado ao PIB e à melhoria das condições de vida dos norte-americanos.“O ponto que se deve analisar é se os Estados Unidos, no curto prazo, aumenta o seu PIB. Esse aumento vai significar melhoria das condições de vida do povo americano ou não? Se eventualmente o aumento no PIB não significar em melhoria das condições de vida da população, então rapidamente os Estados Unidos vão sentir o impacto disso, que é a população perdendo a paciência com o Trump”, explica Carvalho.“O ideal para o Brasil seria que não houvesse essa guerra comercial e que as disputas no comércio fossem resolvidas de uma maneira pacífica pela Organização Mundial do Comércio e outras instituições internacionais do mesmo tipo. Quer dizer, dentro de um mundo baseado em regras, mais estável, porque do modo como as coisas estão agora, tudo está muito errático”, opina Santoro.Evandro explica, ainda, que as recentes decisões de Trump criam um cenário de instabilidade e imprevisão, o que preocupa a maior parte dos países. Com esse cenário, é possível que os Estados Unidos percam a credibilidade, pelo menos, momentaneamente.“Então, os países vão levar algum tempo até realmente sentirem que podem contar com os EUA como já contaram outrora. Por exemplo, a Europa, não vai mais deixar a sua defesa depender dos Estados Unidos. Eles vão ter mais cuidado”, completa.Com o medo do mercado de uma possível recessão nos EUA e o aumento das tarifas, bolsas de valores na Ásia, Europa, Brasil e no próprio país norte-americano vêm registrando perdas sequenciais.Devido a problemas no mercado interno, uma queda na atividade econômica nos EUA poderia prejudicar a balança comercial e economia do Brasil, aponta o economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena. O especialista entende que, apesar de possíveis favorecimentos ao Brasil com o afastamento dos EUA de aliados, principalmente no setor do agronegócio, uma desaceleração econômica no país não geraria ganhos ao governo brasileiro.Vale ressaltar que o desempenho e reação da China durante a pressão criada pelos EUA pode afetar o Brasil, segundo especialistas. Apesar do entendimento de que a agenda protecionista de Donald Trump pode ter um reflexo positivo no mercado brasileiro, principalmente devido a uma maior aproximação do Brasil com chineses e europeus, uma possível recessão no país norte-americano não teria o mesmo efeito.Fique por dentro das principais notícias do dia no Brasil e no mundo. Siga o canal do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp