A prefeitura de Corbère-les-Cabanes, uma comuna da França na região administrativa da Occitânia, no departamento dos Pirenéus Orientais, passou a distribuir diariamente uma garrafa de 1,5 litro de água por habitante — 1.250 por dia no total. Isto porque a pequena cidade, e outras vilas vizinhas, sofrem com a falta de água potável em consequência do esvaziamento de seus reservatórios. O problema ocorre devido à estiagem anormal que assola a região fronteiriça à Espanha, que presencia ondas de calor muito acima da média para uma temporada anterior ao verão. Em 10 anos, os franceses presenciaram a queda de 14% de seus recursos hídricos. Além disso, oito nações europeias — como Espanha, Dinamarca e Holanda — já puderam apontar o dia mais quente do ano. Os recordes são tão graves que diversas estações de esqui do continente tiveram que encerrar a temporada mais cedo em 2023. • Compartilhe esta notícia no WhatsApp • Compartilhe esta notícia no Telegram Para Fernando Silva, CEO da PWTech, startup escolhida pela ONU como referência no acesso à água potável em crises humanitárias, situações como essa requerem a construção de um plano de ação efetivo que priorize o acesso à água potável em regiões que sofrem com a escassez hídrica. “A água não está ligada apenas ao consumo interno, mas também à alimentação e higiene pessoal da população", diz o especialista. "Segundo as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), cem pessoas devem consumir em média de 50 litros por dia. Quando analisamos o envio de uma garrafa de 1,5 litros por habitante, estamos negligenciando parte das necessidades básicas desses indivíduos." Esta estiagem europeia é apenas reflexo de um problema estruturado em nível internacional. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), desde 1993 até 2019, os glaciares perderam espessura equivalente ao volume de 75 Lagos Leman, o maior lago do ocidente europeu. Em 2015, as Nações Unidas anunciaram dados indicando que as reservas hídricas do mundo encolherão 40% até 2030. O Brasil, por exemplo, segundo análise do MapBiomas, está perdendo 15% de sua água doce desde 1990. Vale ressaltar que, em relação ao planeta, o país detém 12% desta água. O motivo dessa seca, além das mudanças climáticas, são problemas como o sobreuso dos recursos e o mal-uso de terras. Silva ainda reforça que quando há investimento no combate ao aquecimento global e na preservação das reservas hídricas, há melhorias na saúde e no meio ambiente, impactando positivamente na economia e na qualidade de vida da população. Logo, há um aumento no IDH. No entanto, o país não avança nesse sentido. No final de março, seguiu para o Senado Federal a medida provisória 1.150/2022. A MP, em caso de aprovação, permite ações como suprimir a vegetação secundária em estágio médio de regeneração em “caso de utilidade pública e de interesse social”. A ação promove, sem a garantia de compensação dos danos à natureza, a derrubada de áreas da mata atlântica, a principal fornecedora de água potável do Brasil, representando 75% do consumo da população. Conforme apurado pelo Instituto Trata Brasil, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. Caso o desperdício do volume de água produzido (40%) não ocorresse, 66 milhões de habitantes poderiam ser beneficiados com a quantidade gasta. “É uma situação complicada. Hoje, em determinadas regiões do país, principalmente no norte, se investe muito pouco em saneamento. O ideal era que fosse investido R$ 200 por habitante, mas algumas regiões os investimentos não chegam nem a R$ 36. A falta de políticas públicas bem desenvolvidas e a ausência de consciência ambiental por parte da população, são um dos grandes fatores para a escassez hídrica”, finaliza Silva.