Imigrantes viram sonho de vida melhor desabar junto com prédio
Prefeitura disse que imigrantes que moravam no prédio que desabou teriam sido levados para centro de acolhida. R7 foi até lá e não os encontrou
Internacional|Beatriz Sanz, do R7
Reina Michele, 35, saiu da República Dominicana rumo ao Brasil há três anos, em busca de uma vida melhor. Parte de seu sonho e de tudo o que havia conquistado foi levado pelo fogo que atingiu o edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo e depois desabou, no Largo do Paissandu, na região central de São Paulo, na última terça-feira (1º). O prédio de vidro, como era conhecido, era a casa dela há cerca de um ano.
Segundo o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, 25% dos moradores do prédio de vidro eram imigrantes ou refugiados, como Reina.
Ela trabalhava em um restaurante coreano no Bom Retiro e atualmente está desempregada. Apesar da tragédia, ela garante “minha vida aqui é melhor”.
Lembrança do incêndio
O marido de Reina, Mike Adaúbas, 34, também é refugiado. Ele veio da Nigéria, mas ainda não conseguiu sequer receber o status. Vive como provisório no Brasil, fugindo da crise e da violência que havia em sua terra natal. “A vida era mais difícil lá”.
Os dois estavam em casa no momento em que o incêndio começou. “Eu tinha chegado há pouco tempo do culto, na igreja, quando ela [Reina] me cutucou e disse que estava pegando fogo”, lembra Mike.
“Quando o prédio começou a pegar fogo foi muito chocante, eu perdi tudo lá, documento, meu passaporte, tudo”, lamenta Reina.
Ela e o marido estão vivendo temporariamente em uma pequena barraca na frente da Igreja do Largo do Paissandu, onde parte das famílias ainda estão. Mike explicou que aguarda orientações da coordenação do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), os líderes da ocupação do prédio.
O nigeriano disse ainda que recusou as doações que chegaram. Tudo o que ele quer é um local para morar e recomeçar sua vida. Segundo ele, após isso terá dinheiro para comprar suas próprias coisas. “Eu gosto de fazer meu trabalho e ter o dinheiro para comprar as coisas que eu quero. O que eu preciso é de um lugar para dormir, pois sei que vou recuperar o que eu perdi lá”.
Informações desencontradas
A prefeitura informou que grande parte dos refugiados que viviam no prédio foram para o Centro de Acolhimento Temporário do Complexo Prates, na Luz, normalmente usado para internar usuários de drogas.
O R7 visitou o local na última quinta-feira (3) à tarde, mas os responsáveis pelo Complexo que não quiseram se identificar, afirmaram que os refugiados tinham passado a noite lá, mas não permaneceram durante o dia.
Na Igreja, onde parte da ocupação continua recebendo as doações, com ajuda de uma equipe de apoio, os moradores e outros voluntários, ninguém sabe de seus paradeiros.
"Perdi tudo o que tinha"
A peruana Grérica Naquires, 50 anos, também não quis sair do largo. Ela viveu na ocupação do cine Marrocos por três anos até que o prédio foi desapropriado a pedido da prefeitura em 2016.
Para não ficar na rua com seu filho Júnior, 19 anos, ela decidiu ir para o prédio de vidro. “Lá a gente só entrava com indicação, tinha regras”, lembra Grérica.
Ela e seu filho estavam celebrando o Dia do Trabalhador no momento do incêndio e foram avisados por uma amigo sobre as chamas que consumiam sua casa. Não puderam salvar nada.
“Eu perdi tudo o que tinha. Meu quarto tinha acabado de ser mobiliado, um dinheiro que eu tinha guardado, meu diploma que eu dava tanto valor”, conta.
Grérica é professora de ensino médio, mas nunca conseguiu exercer a profissão no Brasil, fato que muito lamenta pois era seu sonho.
“Desde nova, eu tinha a vontade de vir para o Brasil e meu pai disse para eu me formar antes de ir. Mas meu sonho não se realizou porque aqui tem muita burocracia, nunca consegui validar meu diploma, o salário é muito baixo”, explica.
Grérica fica indignada quando questionada sobre o auxílio moradia oferecido pelo governo do Estado. No primeiro mês, o valor é de R$ 1.200 para as famílias cadastradas e depois diminui para R$ 400 durante um ano.
“Onde você vai alugar com 400 reais? Nós não precisamos de albergue ou de acolhida, somos pessoas de bem, nós trabalhamos e queremos uma moradia digna. Não precisamos desse tipo de ajuda momentânea. Eu não estaria em uma ocupação se eu ganhasse o suficiente para pagar um aluguel”, finaliza.