Nova York – As crianças parecem alunos típicos do jardim de infância: algumas sorriem para a câmera; outras olham de lado, de maneira tímida; outras parecem imersas em devaneios. Uma menina magra, de cabelo escuro e vestido claro, exibe uma seriedade precoce.É Anne Frank (1929-1945), e essa foto de classe, tirada em 1935 em uma escola montessoriana em Amsterdã, aparece duas vezes em Anne Frank, a Exposição, instalação multimídia de 700 metros quadrados que foi inaugurada no dia 27 de janeiro — Dia Internacional da Lembrança do Holocausto — e que permanecerá durante três meses no Centro de História Judaica, em Nova York, antes de seguir para outras cidades.O visitante vê a foto pela primeira vez em uma das salas introdutórias da exposição, antes de percorrer o núcleo da mostra: a primeira recriação em escala real do anexo secreto que serviu como esconderijo, de julho de 1942 a agosto de 1944, para oito judeus em Amsterdã, incluindo a família Frank.Foi nesse espaço apertado e isolado que Anne escreveu seu famoso diário.Quando o visitante encontra novamente a foto do jardim de infância, agora como uma animação, o impacto é devastador: à medida que uma faixa de áudio revela o nome, a idade ao morrer e o local onde cada uma das dez crianças judias da classe foi assassinada, elas se transformam, uma a uma, em silhuetas negras e desaparecem da imagem, sendo apagadas com a mesma rapidez e brutalidade com que os nazistas lhes tiraram a vida.Enquanto caminhava entre cabos e caixas durante a montagem da exposição em Nova York, Ronald Leopold, diretor-executivo da Casa de Anne Frank, em Amsterdã, disse que essa animação, que aparece depois do anexo, “introduz um elemento muito pessoal, íntimo e comovente: alunos que foram mortos sem outra razão além de serem judeus”.Criada pela Casa de Anne Frank e apresentada em parceria com o Centro de História Judaica, toda a instalação busca examinar a vida — e a morte — de Anne Frank com um alcance nem sempre encontrado em outras abordagens desse capítulo da história.E, embora Leopold tenha dito que a inspiração para a exposição não foi o cenário político atual, esta é inaugurada em um momento de crescente antissemitismo nos Estados Unidos e no exterior, e quando a cultura popular norte-americana tem recorrido a meios visuais para reacender a memória do Holocausto: dramas baseados em fatos, incluindo a minissérie Somos os que Tiveram Sorte e o filme A Luta de Uma Vida, e longas de ficção premiados recentemente, como O Brutalista e A Verdadeira Dor.“Anne Frank, a Exposição é a resposta da Casa de Anne Frank à questão de como essa história e essa memória vão chegar ao século 21”, afirmou Leopold.Seguindo uma linha cronológica, a instalação traça a trajetória de Anne e sua família desde os anos 1920, em Frankfurt, na Alemanha, até sua fuga para Amsterdã.É só depois de explorar essa fase inicial que o visitante encontra o anexo reconstruído: cinco salas escuras cujas dimensões exatas e cujos detalhes foram reproduzidos com precisão a partir do local original, na Casa de Anne Frank, incluindo as janelas cobertas e os pedaços de papel de parede descascados.A exposição continua a relatar o retorno de Auschwitz de Otto Frank, pai de Anne e único sobrevivente entre os oito judeus escondidos.O visitante descobre como Otto soube do destino de sua mulher e de suas filhas e como conseguiu publicar o diário de Anne: 79 edições em diferentes idiomas estão expostas, além de lembranças das adaptações para o teatro e o cinema.Ele também garantiu a preservação do anexo em Amsterdã, hoje um museu que recebe cerca de 1,2 milhão de visitantes por ano.“Todos sabemos que o diário aborda os dois anos de reclusão. Mas, claro, a história é muito maior do que isso. Começa antes, termina depois, e todo esse percurso merece ser contado”, disse em entrevista Tom Brink, chefe de coleções e apresentações da Casa de Anne Frank, em Amsterdã, e curador da exposição itinerante.Trabalhando com Eric Goossens, o designer da exposição, Brink enfrentou o desafio de narrar essa história a mais de 5.800 quilômetros do anexo real, localizado nos fundos da casa à beira do canal onde Otto Frank administrava seu negócio. Em Amsterdã, o anexo está completamente vazio, exceto por alguns materiais nas paredes, incluindo fotos de astros do cinema e obras de arte de Anne. Otto Frank solicitou que os espaços, saqueados pelos nazistas, permanecessem vazios, para que sua desolação servisse como testemunho de uma perda profunda. Mas, com base em seu relato e no de outras pessoas, a equipe da exposição em Nova York preencheu cada cômodo do anexo com móveis e pertences, incluindo livros e um jogo de tabuleiro recuperado do espaço original. “Caso contrário, seriam só quatro paredes. Em Amsterdã, são apenas quatro paredes, mas existe algo além disso: o fato de ser o local real. Não é o caso aqui”, observou Brink.Mas a recriação pode gerar controvérsias. Por exemplo, Dara Horn, romancista e ensaísta, argumentou que qualquer exposição sobre Anne Frank inevitavelmente banaliza e comercializa sua memória, transformando-a em um símbolo de fácil exaltação. Agnes Mueller, professora e pesquisadora de estudos judaicos da Universidade da Carolina do Sul e membro da Academia Americana em Berlim, compartilha preocupações semelhantes. “Minha intuição diz que, quando Otto Frank quis que o anexo permanecesse vazio na Casa de Anne Frank original, em Amsterdã, ele temia esse tipo de comercialização e universalização da figura de Anne Frank, enfatizando assim a ausência como forma de representar aquilo que não é representável. A visão de um anexo repleto de elementos domésticos pode fazer com que nos sintamos bem demais diante de coisas que não deveriam provocar essa reação”, afirmou ela em videoentrevista.Contudo, muitos dos itens no anexo recriado são dilacerantes, porque revelam as expectativas de seus ocupantes em relação a um futuro que nunca se concretizou. Anne Frank, que tinha 13 anos quando entrou no esconderijo, levou seu diário — uma reprodução está na exposição; o original permanece em Amsterdã —, e Peter van Pels, o adolescente que por um breve período conquistou o coração dela, levou seu gato (um modelo da caixa de transporte do animal está no espaço reconstruído) e sua bicicleta (também uma reprodução). No quarto dos pais dele, sua mãe, Auguste, pendurou um vestido preto elegante, artefato original nunca exibido antes e agora presente na mostra.Mueller reconheceu que um anexo preenchido com objetos provavelmente teria um impacto muito maior nos jovens visitantes do que um espaço vazio. Como a exposição, que ela ainda não viu, tem o objetivo de levar a história do Holocausto às futuras gerações — já foram agendadas mais de 250 visitas escolares —, ela pode contribuir “para uma compreensão mais profunda do que foi o Holocausto”, disse ela. (O conhecimento que os norte-americanos têm desses eventos é limitado; uma pesquisa de 2020 com millennials e integrantes da Geração Z revelou que quase metade não conseguia citar um único campo de concentração ou reduto judaico da era nazista.)A exposição não negligencia o horror. Embora na entrada haja uma foto sorridente de Anne, o audioguia da mostra — incluso no ingresso — começa revelando o desfecho trágico da história: os nazistas descobriram os ocupantes do anexo e os prenderam.Com mais de cem artefatos originais, a instalação apresenta citações dos Frank, bem como objetos de sua história pessoal: móveis, álbuns de recordações, correspondência e uma Torá. As salas de exibição retratam o clima político dos anos 1920 e 1930. Uma imagem ampliada de um comício nazista de 1938 aparece repetidamente nas paredes, com suas participantes — adolescentes que não eram mais velhas do que Anne e sua irmã, Margot — entusiasmadas. Outra sala introdutória recria a atmosfera de Amsterdã entre 1940 e 1942. Em uma exibição contínua, uma montagem de filmes e fotos cobre as paredes, intercalando cenas da vida familiar com imagens que incluem detenções de judeus, trens de deportação e regulamentações antijudaicas que, segundo Brink, “não paravam de surgir”.O anexo fica atrás de uma réplica da estante que cobria sua entrada. Depois de sair do esconderijo reconstruído, o visitante caminha sobre um piso de vidro iluminado que cobre um mapa completo da Europa, com bandeiras pequenas que marcam o local de cada campo de concentração ou de extermínio em massa de judeus. Uma parede exibe uma visão aérea de Bergen-Belsen, campo em que Anne e Margot morreram em fevereiro de 1945 — apenas alguns meses antes da rendição da Alemanha. Outros painéis mostram fotos de perseguições, prisioneiros dos campos, fuzilamentos nazistas e o gueto de Varsóvia. No fim dessa galeria, a foto da turma do jardim de infância passa novamente por sua transformação.“O elemento imersivo dessa exposição consiste em grande parte em transportar as pessoas de volta no tempo e no espaço”, comentou Leopold, sobretudo os visitantes mais jovens. Para atrair esse público, a exposição, projeto sem fins lucrativos cujas receitas apoiam as missões de seus dois organizadores, oferece ingressos a US$ 16 em dias úteis para menores de 18 anos. Além de fornecer material curricular para as escolas, concede entrada gratuita não apenas para excursões de escolas públicas de Nova York, mas também para instituições de ensino em todo o país que recebem financiamento federal. “O objetivo é que 250 mil estudantes passem pela exposição. Nossa expectativa é que possamos alcançar mais meio milhão de estudantes em sala de aula por meio de recursos on-line”, disse Michael S. Glickman, fundador da jMUSE, grupo de consultoria em artes e cultura, e consultor da mostra.Os programas públicos também oferecerão aos adultos perspectivas adicionais sobre Anne Frank, “sejam discussões a respeito da peça de 1955, ou do filme de 1959, seja qualquer outro debate político atual sobre seu legado”, afirmou Gavriel Rosenfeld, presidente do Centro de História Judaica. A escritora Ruth Franklin, autora de The Many Lives of Anne Frank (as muitas vidas de Anne Frank, em tradução livre), foi entrevistada no centro no dia 21 de janeiro, e a romancista Alice Hoffman, que escreveu When We Flew Away (ou “quando voamos para longe”, em português), no dia nove de fevereiro. O centro também sediará uma série de filmes. (Uma possível extensão da mostra em Nova York está sendo considerada; novos locais serão anunciados na primavera setentrional.)A missão é preservar a memória daqueles dez colegas de classe do jardim de infância e de 1,5 milhão de outras crianças judias cuja vida o Holocausto apagou. Leopold disse esperar que a exposição inspire envolvimento, além de reflexão. “Se essa exposição está servindo para alguma coisa, não é só para ensinar história. É também para ensinar sobre nós mesmos.”