Negligenciado, grupo de indígenas no México 'desconhece' pandemia
Morando na rua desde o terremoto na Cidade do México em 2017, grupo de cerca de 80 pessoas não tem nem como lavar as mãos em meio à pandemia
Internacional|Da EFE, com R7
Alejandra não tem acesso à água para lavar as mãos, como pedem as autoridades. Ela é um dos 80 indígenas prejudicados pelo terremoto de 2017, que sobreviem em um acampamento no centro da Cidade do México, desprotegidos diante da pandemia de coronavírus, na qual eles não acreditam muito.
Depois de 3 anos vivendo em péssimas condições com seus quatro filhos em uma tenda de acampamento improvisada, o coronavírus não é exatamente uma de suas prioridades, "Para falar a verdade, não acreditamos nessa doença. Os chilangos (moradores da capital) acreditam, mas nós, que somos do interior, não", diz ela à EFE.
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O acampamento fica em um cruzamento em Colonia Juarez, um bairro tradicional no centro da capital mexicana, onde o contraste entre os edifícios neoclássicos e as lonas amarradas nas árovres é muito evidente.
Em uma das barracas, onde chegam a morar até quatro famílias amontoadas, não há espaço para as medidas de distanciamento social decretadas pelo governo. Nem tampouco para o pedido para que a população fique em casa, porque simplesmente eles não têm.
Primeiro, o terremoto...
Essa comunidade otomí, que veio do estado de Querétaro, na região central do México, se instalou há mais de duas décadas em um prédio que abrigou a embaixada da Espanha nos anos 1930.
Viver no imóvel ficou completamente inviável depois do terremoto de magnitude 7.1 que atingiu o centro do país em setembro de 2017, deixando mais de 200 mortos na capital e derrubou dezenas de edifícios na cidade.
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"Já faz quase três anos que estamos na rua, as autoridades não fazem nada, não recebemos apoio, não temos nada e não sabemos o que vai acontecer agora", explica Alejandra, que diz que está farta de pedir ajuda para ter uma casa digna.
A localização não facilita a relação com os vizinhos. Os moradores, que têm de se desviar de varais com roupa estendida para chegar ao supermercado do bairro, se queixam do barulho e da rua bloqueada.
Mas os otomís são os primeiros interessados em deixar esta esquina da cidade, onde seus filhos se distraem jogando futebol entre nuvens de moscas e debaixo de um sol escaldante.
"Temos problemas com os vizinhos, mas se eles se pusessem no nosso lugar, se dariam conta de que não é por vontade, é por necessidade de um lugar para morar que estamos aqui. As vidas dos nossos filhos está em risco", relata Alejandra, que já vive há 9 anos na capital.
Mas o que mais incomoda a comunidade é que, quando há um roubo na região, a polícia não demora a aprecer no acampamento. "Isso é horrível. Somos indígenas, mas sabemos ganhar nosso dinheiro. Não nos dedicamos a roubar", reclama.
Pero lo que mas enerva a la comunidad es que cuando hay un robo en la zona, la policía no tarda en aparecer en el campamento. "Esto no se vale. Somos indígenas, pero también sabemos ganar nuestro dinero. No nos dedicamos a robar", reivindica.
... e agora chega o vírus
Ao medo permanente de serem desalojados pelas autoridades, como aconteceu com outros acampamentos, agora se soma um novo problema. As medidas sanitárias acabaram com sua principal fonte de sustento: a venda de artesanato.
"Não há ninguém na rua. A autoridade diz que não podemos sair daqui, mas temos que trabalhar. Vivemos do que conseguimos no dia, não temos trabalho fixo", explica Alejandra, enquanto ensina ao filho como fazer as bonecas de pano que produzem no acampamento para vender.
Já se passaram mais de 15 dias desde que o governo federal decretou emergência sanitária por conta da covid-19, estado que obriga a suspensão de todas as atividades econômicas não-essenciais e pede que as pessoas fiquem em casa durante a pandemia, que contagiou 5.847 pessoas e matou 449 até o momento.
Nessas duas semanas, nenhuma autoridade de saúde veio até o acampamento dos otomís, que precisam ir até uma fonte próxima para recarregar galões d'água e não planejam comprar máscaras nem álcool em gel.
Preocupada com isso, Guadalupe, uma representante da vizinhança que tem boa relação com os indígenas ligou para uma clínica, que logo enviou um grupo de funcionários para dar vitaminas, soro e remédios para as crianças.
"Todos precisamos mas eles, nas condições em que vivem, se houver um surto aqui, vai se multiplicar", diz Guadalupe, que mora na região há mais de 15 anos.
As crianças se aglomeram rapidamente diante da mesa instalada pelos médicos, que explicam às mãe que é necessário se desinfetar constantemente. Elas concordam com a cabeça, mas sem saber muito bem como fazê-lo.
"É uma situação precária, eles não têm serviços, sabemos que estão na rua, mas não porque querem", ressalta Guadalupe, que também pediu às autoridades que mandem caminhões-pipa para fornecer água ao acampamento.
Ela é uma das poucas vizinhas que tenta unir os dois mundos que se cruzam nessa esquina de Juárez. "Nós, mexicanos, somos muito classistas e racistas, em bairros como este é fácil de ver. Estou aqui e você está abaixo. Se faço uma festa, é diversão, se você faz é um escândalo. Ainda precisamos aprender muito", lamenta.