Trinta e quatro dias após o início da trégua entre Israel e Hamas, o grupo terrorista demonstra sinais cada vez mais claros de enfraquecimento, avaliam especialistas ouvidos pelo R7. Com a negociação da segunda fase do cessar-fogo à vista, cresce a incerteza sobre a capacidade dos terroristas de manterem sua estrutura e influência no enclave, além de dúvidas sobre o poderio militar e estratégico do grupo no longo prazo.Após 16 meses de conflito, a destruição extensiva da Faixa de Gaza e o extermínio de diversos batalhões do Hamas configuram uma situação “insustentável” para o grupo terrorista, avalia Danny Zahreddine, professor de Relações Internacionais e diretor do Instituto de Ciências Sociais da PUC de Minas Gerais.Estima-se que o Hamas perdeu entre 8.000 e 17.000 combatentes durante a guerra, incluindo líderes militares importantes, como Yahya Sinwar, morto em outubro de 2024 na cidade de Rafah, sul de Gaza, após um ataque balístico israelense. O Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), que analisa estatísticas da guerra, afirma também que o estoque de armas do grupo terrorista está esgotado.Pela intensidade crescente do conflito e estragos severos na infraestrutura de Gaza, o apoio à população palestina ao Hamas caiu violentamente antes mesmo da implementação do cessar-fogo. A última pesquisa, realizada em setembro pelo Palestinian Center for Policy and Survey Research (PSR), revelou que 57% das pessoas entrevistadas na Faixa de Gaza disseram que a decisão de atacar Israel foi incorreta, enquanto 39% afirmaram que as investidas foram assertivas.“O cessar-fogo cria na mentalidade dos cidadãos de Gaza que o Hamas vence, em parte, a guerra, porém o custo é muito alto, com a destruição quase total do enclave. Quanto mais o tempo passa, pior para o Hamas. Eu vejo que o momento de maior debilidade do Hamas foi o 15º mês, porque a própria intensidade acabou com toda a estrutura da região”, comenta Zahreddine.Mesmo que a trégua tenha enfraquecido os terroristas, Israel teme que os termos do cessar-fogo relacionados à ajuda humanitária em Gaza permitam a reestruturação militar do Hamas. Por isso, na avaliação de Zahreddine, o governo israelense limita a retomada da construção de Gaza e o envio de suprimentos básicos para o enclave.“Israel limita, até hoje, contrariando princípios do cessar-fogo, a entrada de materiais e veículos pesados, casas, tendas, combustível, alimento. Então, Israel tem segurado muito a entrada desses elementos para impedir, de certa forma, um retorno, uma volta do Hamas”, afirma o especialista.As violações de ambas as partes ameaçam a continuidade da trégua e influenciam negativamente as tratativas para a segunda fase do acordo, que deve ter as negociações iniciadas nas próximas semanas.Até o momento, a primeira fase contou a libertação de 23 reféns israelenses, vivos ou mortos, em troca de 1.035 palestinos que estavam presos em Israel. A avaliação de Rodrigo Reis, diretor executivo do Instituto Global Attitude e especialista em Relações Internacionais, é de que a transição entre as fases marca um dos momentos mais delicados do conflito.“O cessar-fogo tem implicações militares muito claras para ambas as partes. Eu acredito que os dois lados estão tendo um fôlego na questão da reorganização militar, tanto das suas estruturas como estratégia, e para mim fica muito claro de que essa nova fase do acordo pode desmoronar a qualquer momento”, comenta Rodrigo.As reuniões para a nova etapa do cessar-fogo deveriam estar em andamento antes do término da primeira fase em 2 de março. Entretanto, representantes do Catar, um dos mediadores da trégua, afirmaram que as conversas ainda não começaram oficialmente.Terroristas do Hamas acusam o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, de atrasar as negociações. De acordo com o porta-voz do Hamas, Abdul Latif Al-Qanou, a segunda fase “não começou praticamente”, apesar do grupo terrorista estar “pronto para se envolver nela, conforme estipulado no acordo”.Al-Qanou ainda afirmou que “Netanyahu está procrastinando em relação à segunda fase”, alegando uma tentativa deliberada da liderança israelense de atrasar o progresso da trégua.O Ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, anunciou na terça-feira (18) que as negociações sobre a segunda fase começarão em breve.Definida a segunda etapa do cessar-fogo, a sua realização começa após 16 dias. Os termos negociados preveem a libertação dos demais reféns vivos, majoritariamente soldados e civis do sexo masculino, além dos corpos de prisioneiros mortos.Em troca, Israel libertará mais de 1.000 prisioneiros e detidos palestinos, incluindo 30 que cumprem sentenças de prisão perpétua. Os terroristas do Hamas que participaram do ataque de 7 de outubro de 2023 que foram capturados não serão libertados nesta fase.Em relação a retirada das forças israelenses do território palestino, os soldados permanecerão ao longo da fronteira de Gaza para “proteger as cidades e vilarejos de Israel”, segundo o gabinete de guerra do país.Para Danny Zahreddine, a estabilidade e garantia da segunda fase é “muito incerta”. O especialista argumenta que forças políticas de Israel, atreladas à figura de Netanyahu, rechaçam a continuidade da trégua. “A Força Judaica (partido israelense) não quer de jeito nenhum, e outros partidos de direita não querem que isso ocorra. Eles querem expulsar os palestinos de lá, fazer limpeza étnica e ocupar a região com assentamentos judaicos”, afirma.Além da questão política, uma parcela da sociedade israelense pressiona o governo para uma aniquilação total do grupo terrorista Hamas. De acordo com uma pesquisa de janeiro do jornal Ma’ariv, 19% dos israelenses são contra o acordo de cessar-fogo.No entanto, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo Instituto de Democracia de Israel na mesma data, a maioria dos israelenses (57%) apoia um acordo abrangente para a libertação de todos os reféns em troca do fim dos ataques israelenses em Gaza.As tratativas sobre quem irá governar Gaza pautam as principais discussões e viabilidades da trégua, segundo os especialistas. Por mais que a discussão sobre o controle do enclave esteja prevista apenas na terceira e última fase do acordo, o futuro da região já começa a ser debatido e calculado por Israel.“O que eu vejo como o maior problema de sucesso ou não da segunda fase é discutir quem vai governar Gaza. O problema maior é esse, porque o que não se aceita é que o Hamas continue administrando Gaza. A Autoridade Nacional Palestina já se colocou para fazer isso, mas o próprio Benjamin Netanyahu falou que não quer também a Autoridade Nacional Palestina”, explica Zahreddine.“Os árabes em geral vão pressionar muito para que o cessar-fogo continue, a União Europeia também, e que a região possa encontrar uma estabilidade maior, mas a grande questão é que Israel não tem um plano para o que vai ser Gaza depois. A ideia é colocar a governança de Gaza na mão de uma força de transição que possa acomodar os interesses de Israel, os interesses dos palestinos, os interesses dos Estados Unidos, da China, dos árabes e de todos eles. Esse é o grande desafio pela frente”, conclui.