Enquanto eu caminhava sozinho ao longo da fronteira sul da província montanhosa de Asir, na Arábia Saudita, a cerca de 13 quilômetros do Iêmen, em uma cidade discreta com uma proeminente escultura de um rifle equilibrado sobre um pedestal ricamente pintado, conheci um homem, Nawab Khan, que estava construindo um palácio de barro. Na verdade, ela estava reconstruindo-o, restaurando-o. Quando o encontrei, ele ainda não tinha começado o trabalho do dia; estava sentado à beira da estrada, debaixo das janelas vermelhas e brancas da construção, de pernas cruzadas em cima de um tapete, inclinado sobre um bule de chá e uma tigela de tâmaras.Duas semanas antes, do outro lado do país, um colega viajante indicou no mapa a localização dos edifícios em ruínas aqui em Dhahran al-Janub, dispostos como um museu colorido ao ar livre. Quando estava nas proximidades, desviei a rota para dar uma olhada – e lá estava Khan, inicialmente me olhando com curiosidade e depois acenando para que eu me aproximasse. Notando meu interesse pelo conjunto de torres irregulares, ele se levantou, pegou um chaveiro grande e começou a abrir vários cadeados. Quando desapareceu por uma porta, eu o segui até uma escada escura.Isso, claro, era o pior pesadelo da minha mãe: viajando sozinho, fui persuadido por um estranho a entrar em um prédio mal iluminado em uma vila remota da Arábia Saudita, em uma área de fronteira volátil que o Departamento de Estado dos Estados Unidos aconselha os americanos a evitar.A essa altura, no entanto, mais do que na metade de uma viagem de carro de cerca de 8.400 quilômetros, eu confiava em que o entusiasmo de Khan era uma expressão genuína de orgulho, e não uma artimanha. Por toda a Arábia Saudita, eu tinha visto inúmeros projetos em construção – desde simples museus até resorts de alto padrão. Esses eram os primeiros frutos de um investimento de US$ 800 bilhões no setor de turismo, parte de um esforço muito maior, o programa Visão 2030, para remodelar o reino e reduzir sua dependência econômica do petróleo.Mas comecei a ver os projetos de construção de outra maneira também: o esforço de um país – durante muito tempo oculto para a maioria dos ocidentais – para ser visto, reconsiderado e aceito. E, com suas portas subitamente abertas e a pandemia superada, visitantes como eu por fim começaram a testemunhar essa nova Arábia Saudita, para a felicidade de Khan e de todos os outros construtores.Poucos países apresentam uma perspectiva tão complicada para os viajantes como esse. Há muito associado ao extremismo islâmico, aos abusos dos direitos humanos e à opressão das mulheres, o reino tem feito progressos nos últimos anos para remodelar sua sociedade e sua reputação no exterior.A infame polícia religiosa, que aplicava códigos de conduta baseados em uma interpretação ultraconservadora do Islã, foi destituída de seu poder. Os concertos públicos, antes proibidos, agora são comuns. As mulheres conquistaram novos direitos – incluindo a liberdade de dirigir e viajar sem precisar da permissão de um guardião masculino – e não são mais obrigadas a usar túnicas até o chão em público ou cobrir o cabelo.Essas mudanças fazem parte de um conjunto de estratégias amplo para diversificar a economia do reino, elevar seu status no mundo e suavizar sua imagem – sendo que esta última é uma tarefa difícil para um governo que matou um colunista de jornal, sequestrou e torturou dissidentes, precipitou uma crise humanitária no Iêmen e aprisionou pessoas por apoiarem os direitos LGBTQ, entre outros abusos recentes.Um dos aspectos mais importantes das mudanças que estão se processando na Arábia Saudita, sob a liderança do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, é o esforço significativo para atrair visitantes internacionais para o país, que representa uma transformação radical em uma nação que, até 2019, não emitia visto de turismo não religioso e que se dedicava quase exclusivamente aos peregrinos muçulmanos que visitavam Meca e Medina, as duas cidades mais sagradas do Islã. Em fevereiro, por outro lado, meu visto de turista teve uma aprovação on-line em minutos.Um dos principais destinos da Arábia Saudita – Al-Ula, com seus túmulos nabateus reconhecidos pela Unesco – passou de uma coleção negligenciada de sítios arqueológicos a um retiro luxuoso com uma variedade de atividades disponíveis, incluindo passeios guiados, festivais de bem-estar, exposições de design e passeios de balão de ar quente.Outro projeto vai criar uma ampla variedade de resorts de luxo no Mar Vermelho ou perto dele, enquanto outros incluem o desenvolvimento de Diriyah, local de nascimento do primeiro Estado saudita; a preservação e o desenvolvimento da cidade costeira de Jeddah; um parque temático offshore, ou seja, em uma plataforma no mar, chamado Rig; e Neom, a cidade futurista que tem recebido grande parte da atenção.Ao todo, o país espera atrair 70 milhões de turistas internacionais por ano até 2030, com o setor contribuindo com dez por cento do produto interno bruto do país. (Em 2023, a Arábia Saudita registrou 27 milhões de viajantes internacionais, segundo dados do governo, com o turismo contribuindo com cerca de quatro por cento do PIB.)Para ter uma ideia desses projetos e das mudanças em curso na sociedade saudita, passei um mês explorando o reino de carro. Viajei sozinho, sem guia, motorista ou tradutor. Em razão das diretrizes éticas do “The New York Times”, recusei muitas ofertas de descontos do governo e serviços gratuitos.Na maior parte do tempo, tive a sensação de que as chaves do reino tinham sido entregues a mim. Mas em outros momentos enfrentei uma realidade mais complicada, exemplificada por uma placa que me obrigou a sair abruptamente da estrada, a cerca de 24 quilômetros do centro da cidade de Meca, que dizia: “Obrigatório para não muçulmanos”, apontando para a saída.Para mim, a placa anunciava as fronteiras sendo desenhadas para compartimentar o país, que agora se promove para dois tipos de viajantes com expectativas cada vez mais divergentes – e às vezes contraditórias: turistas de luxo à vontade com biquínis e coquetéis, e peregrinos preparados para a modéstia e a estrita adesão religiosa. É difícil saber se o reino pode satisfazer os dois sem antagonizar nenhum.Minha viagem começou em Jeddah, onde, depois de passar dois dias explorando seu distrito histórico, aluguei um carro e dirigi oito horas no sentido norte até Al-Ula, referência para as novas iniciativas de turismo sauditas.O nome Al-Ula se refere a uma pequena cidade e também a uma região mais ampla repleta de atrações: Hegra, o primeiro Patrimônio Mundial da Unesco do reino e sua maior atração arqueológica, que fica a 30 minutos de carro ao norte da Cidade Velha, composta por um labirinto de edifícios de tijolos de barro em ruínas, que hoje em dia estão parcialmente restaurados. Entre ambas, e se estendendo para leste e oeste, existem vários outros sítios arqueológicos, além de uma série de resorts, espaços para eventos e agências de turismo de aventura. Mais a nordeste, depois de Hegra, está a Reserva Natural Sharaan, vasta zona protegida voltada para a conservação ambiental.Minha primeira prioridade durante minha estada de cinco dias em Al-Ula foi visitar Hegra. Assim como Petra, sua equivalente mais conhecida na Jordânia, foi construída pelos nabateus, povo antigo que prosperou há dois mil anos. O sítio contém mais de cem túmulos esculpidos em rocha sólida, com entradas ornamentadas. A tumba mais impressionante é chamada informalmente de Castelo Solitário, que fica em destaque e tem mais de 20 metros de altura.Não muito tempo atrás, os visitantes podiam contratar um guia particular e explorar a área a pé, zanzando pelos muitos túmulos – e sem dúvida danificando-os –, mas não mais: embarquei em um ônibus com ar-condicionado e passei rapidamente pela maioria deles, parando só em quatro locais.Na penúltima parada, saímos do ônibus e caminhamos alguns metros por um caminho de areia até a frente do Castelo Solitário. No fim da tarde, o calor era sufocante. Estiquei o pescoço para observar os detalhes da fachada esculpida, que emergia como uma miragem ao lado de uma rocha maciça: suas quatro pilastras, as marcas rudes de cinzel perto da base, sua sanca característica de cinco degraus. Dez minutos se passaram depressa, e me virei para ver meu grupo sendo guiado de volta ao ônibus. Corri pela areia para alcançá-los.Alguns quilômetros ao norte de Hegra, entrei na parte de trás de um Toyota Land Cruiser – acompanhado por um estudante de pós-graduação italiano e sua mãe – para um passeio pela vasta Reserva Natural Sharaan.A paisagem era sublime: passando por um desfiladeiro estreito, emergimos em uma vasta planície desértica aberta e depois nos instalamos em um vale amplo, cercado por penhascos cujas encostas parecem um anfiteatro. Ocasionalmente, nosso guia parava e nos levava em pequenas caminhadas até petróglifos – gravuras geralmente feitas por povos antigos –, alguns marcados por buracos de bala, ou a campos exuberantes de flores silvestres, onde colhia verduras comestíveis e nos convidava para experimentar seu sabor azedo.Gabriele Morelli, o estudante de pós-graduação, tinha visitado Al-Ula alguns anos antes – uma época diferente, disse ele, dada a rapidez com que o lugar se transformou. Ele descreveu uma versão que não existe mais, cheia de acomodações baratas, regras flexíveis e uma sensação de liberdade total.Algumas das mudanças, é claro, foram necessárias para proteger ecossistemas delicados e sítios arqueológicos de multidões cada vez maiores. Mas várias pessoas que conheci em Al-Ula –tanto sauditas quanto estrangeiras – lamentaram discretamente a expansão do alto padrão que, consequentemente, vem tornando o local cada vez mais inacessível, apontando que muitas das novas ofertas, como o resort Banyan Tree, são destinos de luxo voltados para os viajantes ricos.Essas críticas silenciosas foram algumas das minhas primeiras lições sobre como pode ser difícil avaliar como os sauditas se sentem em relação ao ritmo e à abrangência das transformações que estão remodelando sua sociedade.Tive um vislumbre da exclusividade de Al-Ula – e da estranheza que ocasionalmente surgiu ao longo da minha viagem – em um show de Lauryn Hill em um espaço de eventos chamado Maraya. Para chegar ao salão, passei por um portão de segurança, onde um atendente escaneou meu e-ticket e me direcionou por uma estrada sinuosa com cerca de três quilômetros até o centro do Vale de Ashar, onde ficam vários restaurantes e resorts de alto padrão.Ao contornar a última curva, senti como se tivesse entrado em uma imagem gerada por computador: humanos do tamanho de formigas eram diminuídos por uma estrutura reflexiva que se destacava e, ao mesmo tempo, se fundia com a paisagem. Lá dentro, garçons serviam aperitivos e coquetéis coloridos para uma multidão jovem e elegante.A surrealidade atingiu o ápice quando, no meio do show, deixei meu assento confortável para me juntar a alguns espectadores perto do palco e fui surpreendido ao me virar e ver John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional do presidente Donald Trump, sentado na primeira fila. Onde mais, me perguntei, eu poderia assistir a um show de rap no meio do deserto com uma figura conhecida do Partido Republicano – em meio a uma multidão que aplaudia quando Hill mencionava a Palestina –, senão nesse canto novo e estranho da Arábia Saudita?Depois de Al-Ula, eu me dirigi a outro dos extravagantes projetos do reino: o do Mar Vermelho, anunciado como o “destino turístico regenerativo mais ambicioso do mundo”. Depois de navegar por um tráfego caótico em decorrência da construção, embarquei em um iate – com um grupo alegre de influenciadores sauditas – e fui transportado por cerca de 24 quilômetros até uma ilha remota, onde desembarquei em um mundo de opulência inigualável no resort St. Regis Red Sea.Fui conduzido em um carrinho de golfe elétrico – passando por 43 vilas à beira-mar, conhecidas por “dunas”, e por duas passarelas longas que conectam o resto do resort a outras 47 vilas chamadas “corais”, construídas em palafitas sobre águas rasas azul-turquesa. Ao longo do caminho, ouvi Lucas Julien-Vauzelle, gerente executivo, falar poeticamente sobre sustentabilidade. “Elevamos isso a outro nível”, afirmou, antes de listar uma série de fatos e números: energia cem por cento renovável, rede 5G alimentada por energia solar e planos para melhorar habitats biologicamente diversos.Até 2030, acrescentou, o projeto do Mar Vermelho vai oferecer 50 hotéis em suas ilhas e em terra. Citando as Maldivas, Julien-Vauzelle mencionou os planos do reino de conquistar uma parcela do mesmo mercado de alto padrão.Outra previsão veio de Keith Thornton, diretor de restaurantes, que disse esperar que o resort sirva álcool legalmente até o fim do ano. (Embora uma loja de bebidas alcoólicas para diplomatas não muçulmanos tenha sido recentemente aberta em Riad, o governo saudita não deu indicações de que planeja reconsiderar sua proibição mais ampla de álcool.)O hotel era inegavelmente impressionante. Mas há uma ironia inevitável em um resort luxuoso construído a um custo inimaginável no meio do mar – com os hóspedes transportados por barco fretado e hidroavião – que ostenta suas aspirações de sustentabilidade. No fim da minha visita de várias horas, descobri que toda a vegetação – incluindo 646 palmeiras – fora transplantada de um viveiro externo. Mais tarde, ao revisar imagens de satélite históricas, encontrei provas visuais de que a ilha – descrita para mim como intocada – foi intensamente fortificada e, no processo, em grande parte remodelada. Sua área também foi significativamente alterada. De certa maneira, é uma ilha artificial construída onde antes existia uma natural e menor.Outra coisa também me impressionou: o lugar estava praticamente vazio, com exceção dos funcionários e dos influenciadores sauditas. É verdade que o resort havia acabado de abrir, no mês anterior – mas também foi assim no Six Senses Southern Dunes, resort vizinho que fica no interior do Mar Vermelho, que abriu em novembro. Fredrik Blomqvist, gerente-geral de lá, me disse que sua localização isolada em uma serena extensão do deserto – parte de seu apelo – também representa um desafio para atrair clientes. “A maior dificuldade é passar a mensagem de que o país está aberto”, acrescentou.Desde que o país começou a emitir vistos de turismo, os influenciadores têm documentado suas experiências em lugares como Jeddah e Al-Ula, muitas vezes financiados pelo governo saudita. Seu conteúdo descontraído contribui para a impressão de que o reino está ansioso para ser descoberto por visitantes estrangeiros que possam ter preconceitos que estão ultrapassados. Até certo ponto, para determinado segmento de turistas, isso é verdadeiro. Mas para muitos viajantes a representação da Arábia Saudita como um destino de férias descomplicado pode ser perigosamente enganosa.O discurso na Arábia Saudita é estritamente limitado; a dissidência não é tolerada – nem a prática aberta de qualquer religião que não seja a interpretação governamental do Islã. Em seu aviso de viagem, o Departamento de Estado dos Estados Unidos adverte que “comentários em mídias sociais – incluindo os anteriores – que as autoridades sauditas possam considerar críticos, ofensivos ou disruptivos à ordem pública podem levar à prisão”. Para cidadãos sauditas, a punição pode ser ainda mais severa: em 2023, um professor aposentado foi condenado à morte depois de criticar a família governante por intermédio de contas anônimas. Até o fim do ano passado, continuava preso.Outras restrições são mais difíceis de analisar. Os viajantes LGBTQ são oficialmente bem-vindos no reino, mas enfrentam um dilema: podem ser presos ou enfrentar outras penalidades criminais por expressar abertamente sua orientação sexual ou identidade de gênero. Até 2021, uma agência federal independente dos Estados Unidos incluiu a Arábia Saudita em uma lista de países nos quais relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são puníveis com a morte, observando que “o governo não revisou essa pena nos últimos anos”.Quando questionado sobre como convenceria um casal do mesmo sexo de que era seguro ir visitar o país, Jerry Inzerillo, nova-iorquino que é diretor executivo do grupo Diriyah, respondeu: “Não fazemos perguntas quando você entra ou sai do país. Talvez isso não seja conclusivo o suficiente, mas muita gente veio.”Viajantes do sexo feminino podem enfrentar dificuldades, já que avanços nos direitos das mulheres não são igualmente distribuídos em todo o reino. As mudanças são mais visíveis nas grandes cidades e nos centros turísticos. Ghydda Tariq, gerente de marketing em Al-Ula, descreveu como novas oportunidades profissionais surgiram para ela nos últimos anos. Maysoon, uma jovem que conheci em Jeddah, ocasionalmente ganhava dinheiro extra dirigindo para o Uber. Haneen Alqadi, funcionária do resort St. Regis Red Sea, descreveu como as mulheres ali são livres para usar biquíni sem medo de represálias.Mas, fora desses lugares, cheguei a passar dias sem ver mais do que um punhado de mulheres, invariavelmente usando nicabe, e poucas estavam envolvidas na vida pública ou no turismo. Minhas fotos refletem esse desequilíbrio.Como homem ocidental facilmente identificável, viajei pelo país com uma série de privilégios: a gentileza e a curiosidade animada de estranhos, a facilidade de passagem em postos de controle militar e a liberdade de interagir com uma sociedade dominada por homens em mercados, museus, parques, restaurantes e cafés. Nem todos os viajantes poderiam esperar o mesmo tratamento.Viajando do extremo norte ao sul, frequentemente me deparei com a versão anterior do reino – com regras mais flexíveis e menos desenvolvimento – que me haviam descrito em Al-Ula.Caminhei até a cidade de Sakaka, ao norte, para ver um sítio arqueológico promovido como o Stonehenge da Arábia Saudita: um conjunto de monólitos chamado Colunas Rajajil, que se supõe ter sido erguido há cerca de seis mil anos, mas sobre o qual pouco se sabe. Meu coração se entristeceu quando cheguei ao estacionamento depois de uma viagem de cinco horas e encontrei tudo bloqueado por uma cerca alta. Quando me aproximei a pé, notei que uma parte estava aberta e que os visitantes estavam vagando livremente entre as pedras, que se projetavam do solo como grupos isolados de dentes tortos. Eu me juntei a eles, hesitante, e fiquei surpreso ao não encontrar caminhos ou qualquer coisa que nos mantivesse a uma distância segura das colunas. No fim, eu me questionei se nosso acesso tinha sido oficialmente aprovado – ou informalmente arranjado.Minhas experiências de viagem às vezes também eram desconfortáveis em outros aspectos. Parado do lado de fora dos terrenos da mesquita central, em Medina, onde o Profeta Muhammad (Maomé) está enterrado, fui detido por um membro austero das Forças Especiais. (Mesmo depois de 2019, os turistas não muçulmanos permaneceram proibidos de entrar em Meca e em Medina, as duas cidades mais sagradas do Islã. A restrição foi suavizada em determinadas regiões de Medina, em 2021.)O guarda me interrogou e, depois de ligar para um colega para conferir, exigiu que eu saísse da área. “Vá”, disse, ameaçador. Outro viajante que testemunhou o encontro saiu correndo para evitar um destino semelhante.A interação perturbadora afetou negativamente minha experiência na cidade, que poucos não muçulmanos viram. Até onde eu sabia, tinha obedecido às regras ao permanecer fora dos terrenos da Mesquita do Profeta – linha divisória que eu tinha confirmado com autoridades de turismo antecipadamente.Mais do que tudo, familiares e amigos queriam saber se eu me sentia seguro na viagem – e a resposta é sim, quase sem exceção. Pequenos delitos na Arábia Saudita são extremamente raros e, enquanto partes do país estão sob um aviso de Nível 4 de “Não viajar” – classificação mais alta de alerta de viagem emitida pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos –, até mesmo meu itinerário errante foi aprovado por um especialista em segurança.Em vez de temer pela minha segurança, eu estava frequentemente preocupado em retratar justamente um lugar que suscita uma gama de emoções conflitantes: alegria e inquietação, empolgação e apreensão, sinceridade e dúvida. Tanta coisa estava oculta da visão pública – como a angústia coletiva pela guerra em Gaza. E era igualmente difícil categorizar as coisas de forma simples, em parte porque a cordialidade dos sauditas comuns contrastava fortemente com a insensibilidade de seu governo autoritário.Em Riade, um jovem me advertiu para não falar abertamente com estranhos. “As pessoas são presas aqui por um tuíte. Você consegue imaginar?”, ele disse. E eu conseguia, na verdade. O colunista saudita Jamal Khashoggi havia documentado as respostas cada vez mais draconianas de seu governo às críticas. “Repressão e intimidação não são – e nunca deveriam ser – companheiras aceitáveis da reforma”, escreveu ele no “The Washington Post”, em 2018, poucos meses antes de ser morto e desmembrado no consulado de seu país em Istambul.Se só formos aonde nos sentimos confortáveis e sem desafios, perderemos muito com isso. Mas a questão de viajar à Arábia Saudita é um pouco mais complicada. Rejeitar a ideia de ir ao país pode ser visto como uma escolha que limita a mente, porque impede o encontro e a interação com pessoas comuns – como o gentil vendedor Abdullah, que me serviu mel local em sua loja nas montanhas do sul. Por outro lado, também é fácil aceitar a ideia de que ir até lá é como uma afirmação de que o poder prevalece, de que o entretenimento supera a moralidade e de que a riqueza aristocrática pode apagar um histórico manchado.Dez dias depois do início da minha viagem, eu me aventurei pelo Wadi al-Disah, vale de paredes íngremes onde reservei uma tenda em um acampamento que encontrei no Airbnb. Por 300 riais adicionais (US$ 80), meu anfitrião, Faisal, me conduziu por um passeio de quatro rodas, saindo da estrada pavimentada e percorrendo um caminho ao longo do leito de um rio sazonal. Constantemente sacudidos pelo terreno irregular, passamos por caniços espessos, palmeiras altas e pequenos grupos de visitantes que se acomodavam em clareiras.Ao partir, encontrei alguns jovens reunidos para um piquenique, com sandálias espalhadas ao redor do tapete no qual preparavam o jantar. Encantados com a ideia de conhecer um americano com uma câmera, perguntaram se eu poderia tirar um retrato do grupo, e em seguida trocamos informações para que eu pudesse enviar uma cópia a eles – uma situação tão familiar naquele momento que mal lhe dei importância.Depois de um dia inteiro, cerca de 320 quilômetros de distância, eu estava dirigindo ao longo de uma estrada isolada perto da fronteira jordaniana quando um Land Cruiser passou por mim a uma velocidade surpreendente. Senti meu carro compacto balançar com sua turbulência – e então observei com um toque de pavor enquanto o carro freava abruptamente, reduzindo a velocidade na pista da esquerda até que as frentes estivessem alinhadas. Ele permaneceu ali.Por um momento, olhei diretamente para a frente, esperando evitar um confronto. Quando, por fim, me virei para olhar, vi um grupo de garotos sorrindo descontroladamente e acenando por uma janela aberta. Depois percebi: inesperadamente, eram três dos jovens que eu tinha encontrado no dia anterior. De alguma maneira, tínhamos seguido o mesmo caminho e, no instante em que passaram correndo, eles me reconheceram. Peguei minha câmera no banco do passageiro e tirei uma foto.A imagem mostra três jovens sauditas à beira de um precipício: cativantes, erráticos e encantadores. Tenho uma ideia de onde vieram, mas não sei aonde estão indo. Dois estão fazendo o sinal de paz, e nenhum parece estar usando cinto de segurança. Ninguém observa a estrada enquanto o carro sai da pista, desviando-se com um pouco de imprudência para um futuro esperançoso e incerto.c. 2024 The New York Times Company