Refugiados ucranianos se espalham pela Europa na tentativa de fugir da guerra
Cesar Manso/AFP - 16.3.2022As famílias ucranianas evacuadas da cidade sitiada de Mariupol descrevem o terror que deixaram para trás, os corpos que se acumulam nas ruas e as noites frias nos porões para se proteger das bombas, com temperaturas abaixo de zero.
Enquanto as tropas russas bombardeavam a cidade, seus habitantes contam que tiveram que derreter neve para beber água, enquanto faltava comida e não havia eletricidade.
"Dispararam tantos foguetes", lembra Tamara Kavunenko, de 58 anos, em declarações à AFP. Ela está entre os 4.300 moradores de Mariupol que fugiram nesta semana rumo a Zaporizhzhia, no centro da Ucrânia.
"Quando a neve chegou, nós a coletamos e derretemos para conseguir água. Quando não, fervemos água do rio para beber", relata. "Nas ruas estão os corpos de muitos civis mortos", acrescenta, antes de sentenciar: "Não é mais Mariupol".
Mais de 2.000 pessoas morreram até agora nessa cidade portuária, alvo estratégico para Moscou, segundo as autoridades ucranianas.
Nesta quinta-feira (17), a Ucrânia acusou a Rússia de bombardear um teatro onde tinham se refugiado centenas de civis, apesar de estar escrita a palavra "crianças" na parte da frente e na de trás do prédio, segundo imagens de satélite capturadas em 14 de março pela empresa privada Maxar.
Soldado ucraniano em meio a prédio parcialmente destruído por bombardeio
Genya Savilov/AFP - 17.3.2022Cerca de 6.500 veículos saíram da cidade nos últimos dois dias, disse no Telegram Vadim Boychenko, prefeito de Mariupol, na madrugada de quinta-feira. Em meio a apagões das telecomunicações, muitos deles fugiram.
Em um circo da era soviética em Zaporizhzhia, um grupo de voluntários da Cruz Vermelha aguarda os evacuados. Sapatos e mantas infantis cobrem o chão.
Dima, com as mãos pretas de sujeira, conta à AFP que não se higieniza há duas semanas. Em sua terceira tentativa, conseguiu chegar a Zaporizhzhia com a mulher e dois filhos, relata à AFP. Para alimentar as crianças e seus avós, ele conta que teve que saquear lojas em busca de comida.
"Vivíamos debaixo da terra e se fazia -4ºC era uma temperatura boa", conta, enquanto levanta a perna para mostrar que está com três calças para tentar se aquecer. "Às vezes os corpos ficavam na rua durante três dias", lembra.
"O cheiro está no ar, e você não quer que seus filhos o sintam", acrescenta.
Daria, que também fugiu de Mariupol, disse que durante dez dias morou no porão de seu prédio com sua bebê. "Ficava pior a cada dia", conta, carregando sua filha. "Estávamos sem luz, sem água, sem gás, sem meios de existir. Era impossível comprar coisas", acrescenta.
Cerca de 3 milhões de pessoas já deixaram a Ucrânia desde o início da guerra
REUTERS/Stoyan NenovMarina, uma voluntária da Cruz Vermelha de Zaporizhzhia, disse que os evacuados chegavam em péssimo estado.
"Estavam cansados, doentes, chorando", disse. O centro comercial lhes dá agora um teto e a possibilidade de tomar banho. "Cuidamos deles", contou. "Tudo está pronto para eles", continuou.
A única forma de fugir era em um carro particular. Muitos dos que chegaram contam que não podiam sair dos refúgios por causa dos bombardeios e que encontraram a maneira de viajar por sorte, já que também não havia sinal de telefone ou de internet.
"Vimos que havia gente com faixas brancas [em seu carro] saindo", disse uma mulher, que se identificou como Darya. Ela conta que perguntou a uma vizinha se podia juntar-se a ela para fugir.
Para alguns, o trajeto a Zaporizhzhia, que normalmente leva três ou quatro horas, durou mais de um dia.
Um pai de dois filhos contou que conseguiu captar o sinal após ligar o rádio, obtendo, assim, informação sobre o corredor humanitário.
Abraçado ao filho pequeno, Dmitry, ele lembra que passaram "nove ou dez dias" escondidos no teatro de Mariupol, o mesmo que foi bombardeado, segundo Kiev, por forças russas.