OPINIÃO: A miséria da informação é um projeto
Sem freios e contrapesos eficazes e com a moderação de conteúdo a cargo dos usuários, quem ganha o debate político nas redes é o grupo...
The Conversation|Do R7
Ainda que bombásticas, as declarações divulgadas na semana passada pelo dono da Meta, Mark Zuckerberg, não surpreenderam quem tem acompanhado seus últimos passos.
O jantar com Donald Trump em novembro, após sua vitória na eleição presidencial dos Estados Unidos, seguida da doação de um milhão de dólares para a posse do novo presidente, e a nomeação para o conselho da Meta de Dana White, presidente-executivo do Ultimate Fighting Championship e aliado-chave de Trump, deixam claras as intenções de alinhamento do porta-voz da Meta com o porta-voz da MAGA (Make America Great Again), slogan de Trump desde 2016.
Esse alinhamento é, sobretudo, lastreado em uma geopolítica de expansão territorial, cultural e econômica dos EUA que objetiva manter o controle sobre nações ao redor do mundo. Não há exagero aqui e o próprio Zuckerberg ilustra essa dimensão global: nas declarações postadas em vídeo, ele afirma que seu país tem as mais fortes leis de proteção à liberdade de expressão do mundo, enquanto Europa, China e América Latina possuem leis que institucionalizam a censura, mencionando “tribunais secretos” em óbvia alusão ao Supremo Tribunal Federal Brasileiro.
Zuckerberg conclui que a única maneira de combater essa “tendência global” é com o apoio do governo norte-americano; por isso, irá “trabalhar com o presidente Trump para combater governos ao redor do mundo que estão atacando empresas americanas e pressionando-as por mais censura”.
No mesmo dia em que o bilionário publica essa declaração, Trump sugere à imprensa que poderia usar força militar para adquirir o Canal do Panamá e a Groenlândia, e também usar a “força econômica” para anexar o Canadá como 51º estado norte-americano. Mais claro do que isso só desenhando? Então vejam a arte que Trump postou em suas redes, com a bandeira dos Estados Unidos cobrindo todo o território deste país e do Canadá.
Quando Zuckerberg avalia a vitória de Trump nas últimas eleições nos EUA como um “ponto de inflexão cultural” em direção a um “retorno às raízes” que priorize a “liberdade de expressão”, seu alinhamento com a extrema direita emerge também na linguagem, que abusa da palavra “censura” equivalendo-a à moderação de conteúdo.
Durante anos, o magnata das redes se gabou de trabalhar com mais de 100 organizações em 60 idiomas para combater a desinformação, embora a iniciativa fosse resultante de fortes cobranças de governos ao redor do mundo, inclusive dos EUA, desde o escândalo da Cambridge Analytica. Agora, com Trump e volta ao poder, o dono da Meta declara que irá “se livrar” dos fact checkers e abrandar os filtros que fazem a moderação de conteúdo no Facebook, Instagram e Threads, para “garantir que as pessoas possam manifestar suas crenças e experiências”.
O efeito já previsto dessa medida será a maior permeabilidade da rede para a circulação de desinformação e discursos de ódio, especialmente direcionados à comunidade LGBTQIAPN+, como fica evidente na permissão para que usuários, com base em suas convicções políticas ou religiosas, possam compartilhar alegações de doença mental ou anormalidade) quando baseadas em gênero ou orientação sexual.
Já para Zuckerberg e os acionistas da Meta, a medida significa não apenas uma economia imediata de bilhões de dólares, mas também um potencial aumento dos lucros mediante o acirramento dos embates políticos que geram “engajamento” nas redes, em detrimento da integridade da informação.
Assim como ocorre no X de Elon Musk, já aclimatado ao expansionismo imperialista de Trump, a maioria da moderação de conteúdo nas plataformas da Meta passará a ser feita por notas de comunidade, ou seja, pelos próprios usuários.
Até aqui, estudos acadêmicos sobre o emprego desse método no X não encontraram evidências de sua eficiência na redução de postagens falsas ou enganosas. Ao contrário, percebe-se a propensão desse sistema para alavancar temas alinhados à visão de mundo compartilhada por uma maioria de usuários (a extrema direita no caso do X), uma vez que a comunidade pode tanto denunciar postagens quanto estimular o seu “engajamento”.
Sem freios e contrapesos eficazes e com a moderação de conteúdo a cargo dos usuários, quem ganha o debate político nas redes é o grupo que faz mais barulho e consegue mais engajamento de seu público. E quem perde, evidentemente, é a verdade, o jornalismo ético e a democracia.
Resta agora saber qual a atitude que nossos tribunais - nada secretos e constitucionalmente soberanos - terão frente à agenda expansionista da Meta e seus atropelos jurídicos. Enquanto a Advocacia Geral da União se reúne com os ministérios da Justiça e Segurança Pública, Diretos Humanos e Cidadania e Secretaria de Comunicação Social para avaliar que medidas serão tomadas, já circula desde o dia 8 um Manifesto Contra o Retrocesso na Moderação de Conteúdo da Meta e os Ataques à Regulação Democrática do Espaço Digital, mostrando a disposição de cerca de 200 instituições e grupos signatários em promover e participar desse debate.
Arthur Coelho Bezerra não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.