Nas últimas semanas, vídeos virais de fabricantes asiáticos no TikTok mostraram a produção de réplicas de produtos de luxo com altíssimo grau de fidelidade. Os produtores afirmam ter fabricado os itens originais para marcas famosas e agora afirmam poder vendê-los diretamente ao consumidor por uma fração do preço.Aparentemente, trata-se de uma estratégia de marketing agressivo. Mas o episódio também pode ser interpretado como um alerta sobre o rumo das normas internacionais de propriedade intelectual.Caso se consolide a tendência de desvalorização desse sistema, as consequências não se limitarão às grandes marcas. Países em desenvolvimento, como o Brasil, têm muito a perder.Sistemas de propriedade intelectual ajudam a garantir previsibilidade para investimentos em pesquisa, transferência de tecnologia e cooperação entre países. São parte da infraestrutura jurídica invisível que permite que ideias circulem com segurança e se transformem em inovação real.O Brasil precisa disso. Nossa economia depende de patentes para tecnologias agrícolas, do desenvolvimento local de medicamentos e vacinas, além da proteção de produtos culturais e marcas nacionais.Se o sistema internacional de PI for enfraquecido, o impacto recai também sobre os países do Sul Global. Ficamos mais vulneráveis à exclusão tecnológica e menos atraentes para parcerias de alto valor.Não se trata de defender uma visão maximalista da propriedade intelectual. Regras muito rígidas podem, de fato, prejudicar a inovação incremental ou dificultar o acesso à saúde. Instrumentos como licenciamento compulsório, uso justo ou transferência obrigatória de tecnologia têm seu papel. A própria história mostra que países como EUA e Alemanha utilizaram práticas de cópia e proteção fraca em suas fases iniciais de industrialização.O ponto aqui é outro: à medida que um país sobe na cadeia de valor, ele precisa de estabilidade institucional para atrair capital, proteger suas próprias criações e negociar em pé de igualdade. Isso se aplica à China, mas também ao Brasil.Confiança é o que permite que laboratórios compartilhem dados, que centros de pesquisa se instalem em outros países e que empresas transfiram know-how para parceiros locais. Não se trata apenas de proteger patentes, mas de construir relações de longo prazo.Estudos da UNCTAD e da WIPO já mostraram que fluxos de inovação seguem não apenas o custo, mas também a percepção de estabilidade regulatória. Em outras palavras: a reputação também conta. E uma vez abalada, leva tempo para ser reconstruída.Em um primeiro momento, pode parecer vantajoso relaxar os padrões: produtos mais baratos, acesso à tecnologia, menos entraves. Mas, no longo prazo, o custo aparece. Empresas brasileiras que tentarem registrar marcas ou proteger software em outros países enfrentarão barreiras se o Brasil for visto como um elo frágil no sistema.O mesmo ocorre com empresas chinesas. A Huawei, por exemplo, já enfrentou dificuldades para proteger suas patentes em tribunais estrangeiros devido às dúvidas sobre a rigidez do sistema chinês. Startups em setores como games e carros elétricos também relatam problemas semelhantes.O Brasil já possui um arcabouço jurídico sólido de proteção à propriedade intelectual e é signatário de importantes tratados internacionais. No entanto, enfrenta o desafio de consolidar sua imagem como parceiro estratégico confiável.Em um mundo interdependente, liderança não se mede apenas pela capacidade de produzir, mas pela habilidade de oferecer regras claras, estabilidade institucional e respeito aos compromissos multilaterais. Isso também é soberania.Existem vários caminhos para o desenvolvimento tecnológico: desde modelos mais abertos de inovação até estratégias industriais com transferência forçada de tecnologia. Cada um tem seus custos e riscos. Mas, para países que querem ser levados a sério, previsibilidade jurídica e coerência institucional são diferenciais competitivos fundamentais.Se os vídeos que viralizaram forem apenas uma provocação isolada, o impacto será limitado. Mas, se eles antecipam uma mudança mais profunda na forma como certos países tratam a propriedade intelectual, o Brasil precisa se posicionar com clareza.Em um ambiente de competição por confiança regulatória, não basta ter boas leis – é preciso transmitir estabilidade, coerência e compromisso institucional.Copiar pode parecer vantajoso no curto prazo. Porém, no mundo da inovação, é a reputação que abre portas, atrai investimento e define quem será tratado como parceiro estratégico – e quem não será.Diego Franco de Araújo Jurubeba não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.