Mulher resiste a duas tragédias e reclama de piadas: ‘Perguntam se vou e vão em outro ônibus’
Vendedora diz que pessoas ironizam ela visto a morte de perto em duas ocasiões num intervalo de 15 anos em Belo Horizonte (MG)
Minas Gerais|Pablo Nascimento, Maria Luiza Reis e Bruno Menzes, da Record Minas
A vendedora Maria Nilza Loiola, de 64 anos, viu a morte de perto duas vezes. A moradora de Belo Horizonte está na lista de feridos de duas tragédias envolvendo ônibus. Os acidentes aconteceram na capital mineira, em um intervalo de 15 anos, mas ambos no mês de julho.
Os fatos, segundo ela, causaram traumas, intensificados por deboches que ela ouviu ao longo dos anos em função do azar de ter visto a morte de perto duas vezes.
“Quando as pessoas entram, perguntam se vou e dizem que vão em outro ônibus. É triste sofrer esse tipo de constrangimento. Eu já tenho o medo dentro de mim e ainda tenho que passar por esse constrangimento”, desabafa.
A queda do viaduto
O acidente mais recente aconteceu há exatos 10 anos. Foi a queda do viaduto Batalha dos Guararapes, na região norte de Belo Horizonte. Na tarde do dia 03 de julho de 2024, a vendedora estava no micro-ônibus 70 (Conjunto Felicidade / Shopping Del Rey), a caminho para o trabalho. As memórias guardam relatos de um dia comum na vida dela.
O veículo seguia pela avenida Pedro I, importante via da cidade. Na época, diferentes pontos do corredor passavam por obras para melhorar o trânsito da cidade para a Copa do Mundo de Futebol 2014. O torneio já estava em curso, mas as construções ainda não estavam concluídas. Um dos projetos ainda em andamento era o da construção do viaduto Batalha dos Guararapes, na altura do bairro Planalto.
Por volta das 15h, o micro-ônibus amarelo se aproximou da obra. Maria Nilza se recorda de ver uma nuvem de poeira no local e, em segundos, viu sua vida mudar. A viagem que deveria durar 50 minutos, foi interrompida. “Achei que não seria nada. Depois, ouvi um barulho forte. Não dava para saber o que tinha caído, mas algo havia caído”, relata 10 anos depois. O estrondo foi causado pela queda do viaduto, ainda incompleto.
“De repente, veio tudo de uma vez. Eu só vi poeira. Todo mundo se assustou. Foi muito triste. Dá vontade de chorar”, relembra. “Hanna [a motorista] era muito nova, bonita. Ela tinha tudo pela frente”, comentou sobre a condutora do coletivo, que morreu na tragédia, aos 24 anos. Charlys do Nascimento, motorista de um carro de passeio que também passava pelo local, também morreu esmagado. Outras 23 pessoas ficaram feridas.
“Lembro-me bem que a cobradora [do ônibus] estava com o rosto todo ensanguentado. E também havia uma criança chorando muito. Era a filha da Hanna. Um tempo depois, um homem contou que a motorista tinha morrido”, lamenta.
Na época, Maria Nilza recebeu atendimento médico e foi liberada poucas horas depois. Os ferimentos físicos haviam sido leves. Mas o cenário a lembrava de uma outra desventura sofrida 15 anos antes.
Veja fotos do antes e depois do local onde seria construído o Viaduto Batalha dos Guararapes:
Ônibus dentro de rio
Noite do dia 16 de julho de 1999. Maria Nilza Loiola estava em um ônibus lotado da linha 1505 (Alto dos Pinheiros / Tupi). Quando o veículo passava pelo cruzamento da rua Tupinambás com a avenida dos Andradas, a rota mudou com uma batida envolvendo o coletivo, dois carros e uma moto deixou. Desgovernado, o ônibus caiu no Rio Arrudas. “Eu ouvia o povo gritando e fiquei pensando se eu tinha morrido ou não”, relembra Maria Nilza.
A mulher, então com 39 anos, se recorda da água entrando no ônibus. Ela conseguiu sair. “Quebrei quatro dentes e um ferro entrou na minha perna”, comenta sobre os ferimentos. A tragédia terminou com 52 pessoas feridas. Nove perderam a vida.
Traumas
Passados 25 anos da primeira tragédia e 10 da segunda, Maria Nilza conta que teve que aprender a “seguir” com a vida. “Eu pego ônibus”, conta. Apesar do tom de normalidade, os ferimentos físicos deram espaço a marcas psicológicas.
“Quando vejo um viaduto, eu não quero nem passar perto. Às vezes, quando ocorre uma freada, eu já fico com receio. Quando passo de ônibus pela avenida Cristiano Machado, sempre tenho a impressão de que um viaduto vai cair, porque lá existem três”, encerra a vendedora.