Quem anda pelo Serro, a 325 km de Belo Horizonte, encontra facilmente moradores que conhecem duas coisas: uma venda de queijo e alguém que nasceu na cidade, mas foi “tentar a vida” nos Estados Unidos. A emigração para o país norte-americano é um processo que se popularizou na terra do queijo Minas e já acendeu alerta da prefeitura, que desenvolve ações para evitar o êxodo.· Compartilhe esta notícia no Whatsapp · Compartilhe esta notícia no Telegram A administração local calcula que 20% dos serranos vivem atualmente nos Estados Unidos. Ou seja, são aproximadamente 4.280 pessoas que deixaram a cidade que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem 21.419 habitantes. Uma cidade específica se popularizou entre os migrantes. É Hyannis, um município praiano da península de Cap Coud, no estado de Massachusetts. "Você encontra um serrano em qualquer esquina de Hyannis. É no supermercado, no shopping, no serviço", brinca o produtor rural Vítor Augusto Silva. Silva tem visto de turista. Desde 2018, o jovem vai para a cidade americana levantar uma renda extra. Por ser um município de veraneio, falta mão de obra para os trabalhos do dia a dia. O jovem conheceu a oportunidade por meio de um amigo. "A gente vai para lá no verão, que é o melhor período de trabalho, que tem um clima bom. Depois volta para o Brasil e aproveita o verão daqui. A gente mexe com pintura, carpintaria e jardinagem", conta sobre o trabalho realizado. O pagamento é feito em moeda americana. São cerca de 20 dólares por hora trabalhada. A jornada chega a 16 horas diárias. Ou seja, dá pra ganhar cerca de R$ 1.600 por dia. “Dá pra ficar rico? Não é lá essas coisas, mas dá pra levantar um dinheiro”, comenta o mineiro. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, Massachusetts é o estado norteamericano com maior concentração de brasileiros – são cerca de 350 mil. O sonho dos moradores do Serro em mudar de vida a partir da experiência feita lá, não vem de hoje. A prova disso é a história do hoje empresário José Marques que se encantou com o “sonho americano” em 1986. “Na época, oito ou 10 pessoas tinham ido e voltado. Isso me fez entusiasmar. Eles ficavam lá seis meses e compravam um carro zero quando retornavam”, recorda-se. Depois da primeira vez, Marques voltou aos Estados Unidos em outras três temporadas. Trabalhou muito. Sem folga ou diversão. Em 1991, a viagem foi feita pela última vez. “Meu objetivo era comprar um lugar para trabalhar e comprar a minha casa. Hoje eu alcancei o meu objetivo”, celebra. De único empregado do bar do Lindolfo, no centro do Serro, ele se tornou dono do negócio, que expandiu e hoje tem 28 funcionários. Boa parte dos migrantes relata que foi no boca a boca que a fama de Hyannis se popularizou no Serro. A possibilidade de rendimento financeiro acabou atraindo quem não via oportunidades de crescimento em casa. Há viajantes legalizados e ilegais. O fenômeno chamou a atenção da Prefeitura do Serro. “Hoje a gente não consegue rotular quem sai do município, então a gente acaba perdendo pessoas aqui que são profissionais, que poderiam contribuir com o município de alguma forma, mas infelizmente vão para os Estados Unidos”, comenta a secretária de turismo da cidade, Grazieli Reais. “Com o retorno dos moradores, temos investimento dessas pessoas. Temos muitos empresários que foram para o exterior, trabalharam, retornaram e investiram no município. E ainda temos pessoas que estão lá e estão investindo aqui”, completa. Apesar de indicar a existência de retorno financeiro para o Serro a partir do processo de migração, Grazieli destaca que a prefeitura tem desenvolvido iniciativas para se evitar o abandono. O foco de atuação é no desenvolvimento econômico local. O Serro tem a economia baseada na agricultura e pecuária, principalmente na fabricação e venda de queijos. Poucos trabalhadores têm registro formal. Segundo o IBGE, apenas 10,5% da população, ou seja, 2.252 pessoas têm carteira assinada. A renda média é de R$ 2.050. "A prefeitura busca incentivar a vinda de novas empresas para a cidade. Na questão da agricultura familiar, foi criado o vale-feira como uma forma de valorizar esse trabalho”, detalha alguns projetos. Enquanto o Serro corre risco de ganhar o título de nova Governador Valadares, cidade mineira conhecida por ser ‘polo exportador’ de brasileiros para os Estados Unidos, quem já trocou a “terra do queijo” pela “terra do Tio Sam”, alerta que as facilidades já não são as mesmas. “O custo de vida lá é alto. Com essa superlotação, os aluguéis estão caros. Mesmo tendo amigos que moram lá, não tem jeito de receber mais gente. Quando eu vim embora no ano passado, havia três famílias morando no porão da igreja”, relata o produtor rural Vítor Augusto Silva. A Record TV Minas visitou o Serro para entender o fenômeno que afeta a cidade há décadas. Assista a seguir os depoimentos de quem se aventural fora do país. Há relatos de pessoas que pagaram até R$ 120 mil aos chamados "coiotes" para entrar ilegalmente nos Estados Unidos.