Arquivo Vivo O que precisa ser visto na discussão sobre câmeras nos uniformes dos policiais 

O que precisa ser visto na discussão sobre câmeras nos uniformes dos policiais 

Decisão incerta da Justiça sobre o assunto abre espaço para discussão

  • Arquivo Vivo | Percival de Souza

Policiais de São Paulo apresentam as câmeras corporais

Policiais de São Paulo apresentam as câmeras corporais

Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

O Poder Judiciário precisou intervir, e o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu: a Polícia Militar não é obrigada a colocar câmera corporal no uniforme da tropa. Isso vai ao encontro do que um juiz de primeira instância havia decidido, determinando que nenhum policial militar poderia sair às ruas sem o equipamento.

O mesmo assunto, duas interpretações diferentes, e o pronunciamento do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Anafe, derrubando a liminar concedida pela 11ª Vara da Fazenda Pública. Quem está com a razão? O presidente da mais alta corte de Justiça do estado, que, aliás, é o maior tribunal do mundo.

O tema que causou a liminar relativa tem defensores e opositores, sofistas e aqueles que apoiam a polícia, bem como outros que a detestam. Todos estão agora envolvidos numa luta que transcende o âmbito jurídico, transformando-se numa feroz competição para determinar de que lado está a razão. É como se estivessem em conflito: de um lado, uma polícia que deveria ser mais complacente com o crime, visto que é símbolo de uma repressão considerada maldita; e, de outro lado, aqueles que constatam que uma ação mais enérgica é a única alternativa para combater uma criminalidade cada vez mais audaciosa e perigosa.

Examinemos as duas perspectivas e para qual lado a balança pende. O juiz de primeira instância queria impor uma regra rigorosa em todos os batalhões da corporação, estipulando que os policiais só poderiam agir se estivessem equipados com a câmera. Isso foi uma reação a operações que, segundo ele, eram realizadas pela Rota, mas que também envolviam policiais do Baep, o batalhão de ações especiais da polícia. Na liminar, o juiz também avançou mais, determinando que as operações em escolas e creches deveriam ser todas "excepcionais" e ocorrer somente após justificação prévia, respeitando os horários de entrada e saída das instituições. Além disso, estabeleceu uma multa de R$ 10 mil para cada policial que descumprisse a decisão.

O governo do estado reagiu imediatamente e recorreu. Ganhou: o desembargador ponderou que as operações policiais frequentemente acontecem em situações de urgência, inclusive em áreas onde a corporação não possui o equipamento. O governo argumentou também que essa restrição poderia aumentar os ataques de criminosos, uma vez que saberiam da limitação dos policiais, retardando deslocamentos urgentemente necessários.

O pronunciamento do presidente do Tribunal de Justiça não leva em consideração, como poderia ser contestado, o fato de o juiz da Fazenda Pública estar analisando os ataques às escolas, que vitimam alunos e professores, gerando pânico e levando professores a abandonar a carreira e estudantes ao medo. Mesmo assim, segundo o juiz de primeira instância, a Polícia Militar deveria apresentar "justificação prévia" e qualquer ação em torno das escolas deveria ser "excepcional", respeitando os horários de entrada e saída das instituições.

O antagonismo é evidente e se intensifica após o início da Operação Escudo, que a PM passou a realizar após o policial da Rota Patrick Reis ter sido morto por criminosos no Guarujá. A reação foi violenta, à altura do estilo sempre adotado por bandidos hostis, resultando em 28 mortes, segundo a polícia, legitimadas pelo poder do Estado, do qual a polícia é braço armado, para usar a força e repelir os criminosos.

Os eventos exigem uma análise serena, ponderada e desprovida de posicionamento político e ideológico, algo difícil atualmente.

PM E SCOTLAND YARD

Um ponto importante é que a liminar judicial não abrange mais a Polícia Militar, deixando de fora a Polícia Civil e a Guarda Municipal, que também estão armadas.

Até aí, tudo bem, pois o Judiciário só age mediante provocação, o que não foi o caso aqui, pois a ação foi movida pela Defensoria Pública estadual e pela ONG Conectas Direitos Humanos. Os direitos humanos são indiscutíveis, conforme a Carta das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário.

Não há contestação: os direitos humanos devem ser respeitados. Eles precisam ser defendidos contra aqueles que os violam, por todos e não apenas por alguns. A definição não é e nunca foi seletiva. Mas está sendo agora.

Vale lembrar: antes de o policial da Rota ter sido assassinado no Guarujá, a região já sofria com uma série alarmante de crimes que vitimavam policiais, além de inúmeros assaltos violentos. É claro que aqueles que são mortos ou feridos nesses crimes também têm direitos, pois são seres humanos como todos nós.

As ações das Polícias Militares são previstas na Constituição, no parágrafo quinto do artigo 144. Está escrito que a elas "cabe a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública". Um detalhe: antes da Carta Magna de 1988, o capítulo sobre segurança pública mencionava a "manutenção da ordem pública", que foi alterada pela Assembleia Constituinte para "preservação da ordem pública". Há uma diferença doutrinária entre manter e preservar. Manter implica o uso da força pelo Estado, se considerado necessário. Não é tarefa da polícia. Preservar significa evitar que certos eventos ocorram, o que exige patrulhamento.

Em resumo, combater o crime, essa peste que assola a todos, não significa combater a polícia. Muitos querem liderá-la, comandá-la. Parece uma tentação irresistível.

O que fazer, então? Olhar para a História. A PM paulista foi fundada em 1831, com um efetivo de 130 homens, que hoje aumentou significativamente. Dois anos antes, em Londres, nasceu o embrião da famosa Scotland Yard, idealizado por Robert Peel.

Sua pretensão era a mesma em relação com o que está acontecendo em nossos tempos: prevenir o crime, num estilo que responda à aprovação pública a tal ponto que esse público com ela colaborasse. O que é isso? O embrião da polícia chamada entre nós de comunitária, integrada com a sociedade. O cidadão uniformizado, protetor, um dos membros do público, das pessoas, dos habitantes, da sociedade, o bem comum de todos. Hoje, uma nova Scotland Yard adotou o nome de Polícia Metropolitana. Em São Paulo, seus principais comandados são os CPA/M, comandos das áreas metropolitanas.

A Defensoria, que tem o papel oficial de ser pública, precisa entender que a polícia ostensiva deve agir com intensidade para atender à média de 45 mil chamadas diárias ao Copom, o Centro de Operações da corporação. Um caso isolado não representa, de forma alguma, toda a tropa. Tropa é tropa, bando é bando. Não há a menor comparação.

Outro ponto a ser considerado pelas ONGs é a necessidade de influenciar a organização levando em conta que essa tropa precisa, tanto psicológica quanto moralmente, ser convencida a não sair às ruas como se precisasse de um detector corporativo para distinguir o certo do errado. A confiança entre a polícia e a sociedade não deve ser humilhante; deve ser recíproca. É importante entender que hoje existem bandidos perigosos, cruéis, implacáveis e sádicos, que semeiam a dor e a tragédia no coração das pessoas.

Qual apoio essas pessoas recebem? Nenhum. Considerar, de antemão, a polícia como uma força do mal é inverter situações e valores. A Polícia Militar já foi chamada de Força Pública. Aliás, é assim que ela prefere ser chamada.

Bandidos existem. No entanto, nosso inimigo, não se trata de escolher, é outro.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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