No papel os veículos híbridos plug-in parecem unir o melhor dos dois mundos: a suavidade e eficiência da propulsão elétrica somada ao alcance e versatilidade do tradicional motor a combustão. Mas como nem sempre a realidade se equipara aos sonhos da propaganda, fizemos uma longa rodagem com o BYD King GS para avaliar, na prática, as diferenças, virtudes e problemas para quem opta por um modelo deste segmento. Aliás, por falar em categoria, o sedã médio chinês se situa praticamente sozinho em seu segmento. Seu rival equivalente seria o Toyota Corolla híbrido, mas as diferenças técnicas entre eles mais os separam que aproximam. O três-volumes japonês fabricado em Indaiatuba (SP) adota a tecnologia híbrida (HEV, na sigla em inglês), com potência combinada de 122 cv. Já o BYD é um híbrido do tipo plug-in (PHEV), ou seja, além de poder rodar tanto com gasolina quanto com eletricidade, também pode ser recarregado na tomada. Além desse diferencial, o King GS também é mais potente: são 235 cv de potência combinada. Certamente você poderá citar o novo Honda Civic híbrido, mas, além dele ser o mais caro dos três (R$ 265.900, ante os R$ 199.990 do Corolla e R$ 187.800 do King GS), seu sistema híbrido, apesar de ser um HEV com o Toyota, se comporta mais como um elétrico de autonomia estendida (REEV) na maior parte do tempo. Com as devidas explicações iniciais feitas, vamos a um raio-x básico do King. Assim como todos os BYD, ele é importado da China e vendido no Brasil em duas versões. A GL, de R$ 175.800, tem 209 cv de potência combinada (sendo 180 cv e 32,2 kgfm no conjunto elétrico), bateria com capacidade nominal de 8,8 kWh e recarga AC de até 3,3 kW. A topo de linha GS, como já citado, alcança 235 cv de potência combinada (graças ao motor elétrico mais potente, de 197 cv e 33,3 kgfm), adota bateria de 18,3 kWh (nominal) e tem recarga AC de até 6,6 kW.A lista de equipamentos da dupla é idêntica, com o topo de linha GS diferenciando-se basicamente pelo ar-condicionado automático de duas zonas, iluminação ambiente da cabine e banco do passageiro com ajuste elétrico. Em comum, ambos adotam um motor 1.5 16V aspirado a gasolina de 110 cv e 13,8 kgfm com câmbio automático CVT. O pacote de itens de conforto e segurança também é igual, mas vai pouco além do esperado nessa faixa de preço: seis airbags, chave presencial com partida remota, multimídia de 12,8” com Android Auto e Apple Carplay sem fio, câmeras com visão 360º, GPS integrado e controlador de velocidade. Não há teto-solar ou qualquer sistema ADAS avançado (como frenagem autônoma de emergência, assistente de manutenção de faixa ou farol alto automático) em nenhuma versão, nem como opcional.O foco da avaliação, no entanto, foi no comportamento do BYD King em ciclo urbano e rodoviário, em dois cenários distintos: com bateria carregada e com ela “descarregada”. As aspas aqui são necessárias porque, apesar da bateria de Lítio-Ferro-Fosfato (LFP) do King em teoria poder ser descarregada quase totalmente (algo impossível nas baterias de íon-lítio, por questões de segurança e funcionalidade), a BYD limita o nível mínimo de bateria do King na faixa dos 25% de capacidade. Essa lógica se mostra essencial no seu uso, como veremos mais à frente.Meia banda de rockO tradicional grupo AC/DC faz referência aos dois tipos de energia elétrica, de corrente alternada (AC) e contínua (DC). No mundo dos carros eletrificados elas basicamente separam as recargas lentas, em corrente alternada, das rápidas, em corrente contínua. Mesmo com o King GS tendo uma bateria maior, a BYD optou por abrir mão de oferecer recarga rápida (DC) para ele. Isso, por si só, já limita a viagem de quem procurar rodar com o máximo de eletricidade possível: uma recarga em aparelhos do tipo Wallbox vai levar, pelo menos, 2h30. Mas, ao contrário de carros elétricos, o híbrido plug-in não depende da tomada mais próxima para ir mais longe, bastando apenas reabastecer no posto de gasolina. E foi exatamente o que fizemos (após recarregar totalmente a bateria) antes de partir para uma viagem de aproximadamente 530 km entre São Paulo e Barbacena (MG). O computador de bordo estava otimista: 1.125 km de alcance. Esse índice, porém, considera que sempre haverá carga útil na bateria, o que deixa de ocorrer quando ela chega aos 25% de nível de carga (SOC, em inglês). Felizmente o indicador de autonomia é ajustado durante toda a condução, atualizando o alcance conforme o modo de condução, forma que o carro é dirigido e nível de combustível e energia. A viagem foi feita sempre em modo HEV (híbrido), Eco (afinal, o objetivo era extrair o máximo de eficiência em todos os cenários), com quatro pessoas, bagagens e ar-condicionado no modo automático entre 23º C e 24º C.Logo no início da estrada nota-se uma grande e importante diferença na gestão energética do King. Ao invés de priorizar quase que totalmente a propulsão elétrica enquanto houver bateria suficiente, o modelo aciona eventualmente o 1.5 a gasolina quando há maior demanda de aceleração (mesmo sem pisar no pedal até o fim) ou em velocidades maiores, especialmente acima dos 100 km/h.Isso prolonga a carga da bateria, superando até as estimativas do próprio carro. No início da viagem o King previa rodar até 60 km usando só eletricidade, mas como o motor a combustão foi utilizado em diferentes trechos, foram percorridos 88 km até que a bateria indicasse os 25% de SOC.Outra característica positiva é que, ao contrário do que ocorre em muitos híbridos plug-in, o comportamento do King pouco muda no cenário de bateria descarregada. A principal diferença é o funcionamento do motor a combustão de forma quase ininterrupta, mas a performance, que em muitos PHEV despenca quando não há energia (pois o motor elétrico deixa de ser usado), permanece quase igual.O motivo disso acontecer é que, quando o carro entende que você precisa do máximo de performance (como em subidas e ultrapassagens), ele usa a energia residual da bateria para que o motor elétrico combine sua força com o 1.5. Quando isso ocorre, o SOC pode cair - em nosso uso chegou a 18% -, voltando a subir por meio das regenerações em frenagens ou usando o motor a combustão para recarregar a bateria.Descompasso no motorNeste segundo cenário, aliás, o King mostrou uma característica desagradável. Quando a bateria está descarregada e ele roda por trechos de alta velocidade, o motor 1.5 deixa de oferecer tração direta ao carro, passando a ser somente um gerador, com o conjunto elétrico fazendo a propulsão. A central eletrônica automaticamente eleva a rotação do 1.5 a gasolina (para gerar mais eletricidade), ampliando drasticamente o ruído da cabine e gerando um estranhamento por parte do condutor, já que o som do motor fica em descompasso com o uso naquele momento. É como se você colocasse o carro em neutro no meio da viagem e acelerasse ele excessivamente. Felizmente essa situação, apesar de exótica e incômoda, durou poucos minutos, até que o carro retomasse o nível da bateria para 25%. Outra diferença entre rodar com a bateria carregada e descarregada, claro, está no consumo. Mas ela se mostrou muito menor do que esperávamos. No trecho inicial da viagem, de 100% a 25% de bateria, o computador de bordo registrou 23,8 km/l de consumo. Mas, no trecho restante, o consumo aferido com a bateria descarregada foi de 19,9 km/l, uma piora de 16,4%. Ainda que o percentual seja considerável, o consumo absoluto ainda é (muito) superior a qualquer carro a combustão tradicional. A circulação em Barbacena e região se deu utilizando somente eletricidade, mas com algum esforço, já que, como em praticamente qualquer lugar do Brasil, é quase impossível encontrar um wallbox público para recarregar o carro. Para não gastar uma gota de gasolina foi utilizada a recarga por meio de um aparelho portátil, que pode ser conectado em conector de 110V e 220V. O problema é que, além da tomada precisar estar aterrada corretamente (algo ainda mais raro do que achar um Wallbox), o tempo de recarga aumenta exponencialmente, podendo chegar a mais de 10h dependendo da tensão e qualidade da rede elétrica. Como tivemos acesso a uma tomada de 220V adequada, esse tempo foi de “só” 6h30, aproximadamente, com velocidade de até 2,2 kW. Na prática, bastava recarregar o carro toda a noite, tendo um alcance de até 115 km sem usar gasolina no dia seguinte. Neste período o motor elétrico de 197 cv é mais do que suficiente para um agradável uso no modo só com eletricidade, mas a ausência de barulho do propulsor destacou ruídos de acabamento na unidade avaliada, especialmente nos pisos de paralelepípedo das cidades históricas mineiras da região. Ao fim deste uso, uma curiosidade: o consumo total medido na bomba (ou seja, da saída de SP até a necessidade de reabastecimento) foi de 19,9 km/l, muito próximo do aferido no trecho sem bateria. Na hora de voltar adotamos o mesmo procedimento, iniciando a viagem com o tanque de combustível e bateria no nível máximo. Mas a diferença de consumo entre os dois cenários foi ainda menor, com 23,8 km/l até a bateria chegar a 25% e 23,2 km/l no segundo trecho. No entanto é preciso levar em conta uma característica da viagem que ajuda a explicar essa diferença na ida e volta: Barbacena está em uma altitude quase 400 m maior que São Paulo, então a viagem de ida acaba contemplando muito mais subidas (consumindo mais energia), enquanto no retorno o carro se beneficia da maior quantidade de descidas para recarregar as baterias. Fazendo um cálculo aritmético muito superficial, a diferença média de consumo foi de 9,5%. VeredictoEssa variação, por si só, mostra que, ao menos com o BYD King, é possível optar por um PHEV sem se preocupar em procurar tomadas ou wallbox a cada rodagem. No entanto, a recarga, especialmente para uso urbano, é extremamente vantajosa. Se considerarmos o consumo total após quase 1.800 km rodados, incluindo o uso somente elétrico, o consumo aferido foi de ótimos 33,8 km/l.Claro que, para isso, é preciso, além do investimento inicial em um PHEV, prever a colocação de um wallbox ou ao menos uma tomada adequada na vaga onde o carro irá pernoitar, um desafio grande, especialmente para quem mora em prédios. A boa notícia é que, mesmo sem isso, o King GS, ainda que não seja o melhor de dois mundos, se mostra uma alternativa com mais virtudes do que concessões no segmento de carros eletrificados.*com a colaboração de Filipe Andrade