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Conversa de Repórter

A resposta de Deus

Meu encontro com o Seu Sebastião não virou matéria pra TV. Virou história pra eu contar. O que, às vezes, não cabe no jornal, se encaixa na vida ou na realidade de alguém de algum jeito.

Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho

O ano era 2012. Eu ainda era estudante de jornalismo, mas havia acabado de me tornar repórter de TV. Eu também tinha um programa de rádio numa emissora comunitária. Então, estava sempre buscando histórias que pudessem ser compartilhadas. Nem sempre viravam pauta. Mas, com certeza, viravam experiência.

Tanto que, dez anos depois, ainda me lembro daquele dia. Fui conhecer um projeto social, desenvolvido por uma igreja de Araçatuba, no interior de São Paulo. Saí de lá impactado. Foi um choque de realidade.

Sebastião vivia numa construção inacabada
Sebastião vivia numa construção inacabada

Conheci o Seu Sebastião. A vida daquele homem estava virada ao avesso. Aos 45 anos, aparentava ter bem mais. Morava sozinho numa casa simples, de apenas um cômodo, na periferia da cidade. Aquilo, na verdade, não passava de uma construção inacabada. Dentro dela, apenas o que cabia mesmo: uma cama velha, uma dispensa praticamente vazia, um guarda-roupa com poucas peças, uma televisão de tubo chiando e um radinho pequeno.

Naquela manhã de domingo, deitado na calçada com uma garrafa de pinga já pela metade e vestindo aquela calça branca encardida, uma camisa xadrez e um moletom de cor bege meio desbeiçado, Sebastião me viu e disse: "Patrão, venha cá". Me aproximei dele com certo receio. Eu estava acompanhado de outras pessoas do projeto que já o conheciam e me encorajaram a chegar mais perto.


Antes mesmo das 11 horas da manhã, aquele homem estava embriagado. Mal conseguia parar em pé. Entrei na casa dele. "Como alguém pode viver assim, meu Deus?", eu me perguntava. Sebastião não tinha sequer um banheiro no barraco. No meio do quintal, ele havia improvisado um. Era uma fossa. Algo do tipo. Um buraco no chão cercado por umas ripas e coberto por um monte de pano velho. Para tomar banho, Sebastião usava um balde. Todos os dias, esquentava a água em um fogãozinho que ele mesmo tinha montado. Era uma pilha de tijolos, com carvão queimado e uma grade retorcida por cima.

Fogão improvisado com carvão queimado
numa pilha de tijolos
Fogão improvisado com carvão queimado numa pilha de tijolos

"Cadê sua família?", perguntei a ele. "Não tenho", respondeu logo de cara. A bebida afastou Sebastião da esposa, dos filhos, dos pais e dos irmãos. Lá se foi quase uma hora de conversa. Ali, não estava na condição de repórter. Mas registrava cada detalhe daquela realidade com a máquina fotográfica. Sim, isso já tem uma década.


Sebastião tinha, apenas, R$ 0,70 na carteira pra passar o domingo. Lembro como se fosse hoje. "É pra eu tomar mais uma dose, assim que terminar essa garrafa", confessou. "Esqueça a bebida, Seu Tião", tentei convencê-lo.

Eu, sinceramente, não sabia como ajudar aquele homem. Oferecer dinheiro a ele seria o mesmo que dar bebida, já que Sebastião gastaria tudo no bar assim que eu virasse as costas. "Sei como pode me ajudar", disse ele, como se tivesse adivinhado meu pensamento. "Te chamei aqui porque preciso me encontrar com Deus. Faça uma oração em minha casa", continuou.


Permaneci calado por alguns segundos. Fiquei meio sem reação. Estava, ali, com outras pessoas que me ajudaram a rezar pela vida daquele homem. No fim da oração, os olhos dele estavam cheios de lágrimas. "Estou emocionado", revelou.

A garrafa de pinga estava encostada num canto qualquer da casa. Sebastião, ainda desorientado, esbarrou na maldita. Virou caco. O restante da bebida foi parar no chão. Sumiu. Talvez, tenha sido uma resposta de Deus.

Fui embora e nunca mais soube dele. Talvez, nem esteja mais entre nós. É provável que o vício tenha o vencido. Aquele nosso encontro não virou matéria pra TV. Virou história pra eu contar. Eu ainda estava no início da minha carreira e aquela foi uma das primeiras experiências que tive fora do meu mundo. Embora não estivesse como repórter, era como se o lado pessoal se confundisse com o profissional.

Saí de lá querendo compartilhar esse relato. Cheguei a fazer em forma de crônica num blog que tive durante a faculdade. Essa semana, mexendo nuns arquivos que tenho no computador, vi as fotos daquele dia e me lembrei da experiência. Decidi contar aqui. Afinal, Conversa de Repórter também é sobre histórias de histórias que não vão pro ar. É sobre o que nem sempre cabe na TV, mas sempre se encaixa na vida ou na realidade de alguém.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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