Além da câmera e do microfone: como conversar com parentes de quem morreu tragicamente
Empatia e respeito cabem em qualquer lugar, inclusive, no jornalismo. Sempre que preciso conversar com parentes e amigos de pessoas que morreram, tragicamente, deixo claro que não é da minha vontade estar ali.
Conversa de Repórter|Lucas Carvalho e Lucas Carvalho
A mensagem de “bom dia” da Cris, minha chefe de reportagem, veio acompanhada por um: “vamos para um factual super triste”. Em geral, meu primeiro desafio do dia é lidar com as histórias pesadas que o jornalismo policial precisa contar.
José, 56 anos. Metalúrgico, honesto, assassinado no portão de casa durante um assalto em Diadema, na região metropolitana de São Paulo. A vítima foi abordada por um criminoso que estava escondido do outro lado da rua entre um carro e uma árvore.
Foi uma verdadeira covardia. O homem saía de casa pra levar o carro até uma garagem do bairro, onde costumava guardar o veículo dele. José decidiu levar o cachorro de estimação para que, na volta, a pé, pudesse vir passeando com ele.
Nada disso aconteceu.
O bandido, pé de chinelo, mas cruel, tentou arrancar o homem de dentro do carro a todo custo. Porém, José era deficiente auditivo. Ele não entendeu que era um assalto, ficou nervoso e não saiu do carro. Na tentativa de salvar o cãozinho, que estava no banco de trás, foi baleado e morto. O ladrão fugiu com o veículo e o abandonou cerca de 500 metros depois.
Enquanto escrevo esse texto, converso, por mensagem, com a delegada responsável pelo caso, Dra. Amélia Bretas. A resposta da polícia foi rápida e o bandido já está identificado. Os esforços, agora, são para localizá-lo e prendê-lo. Questão de horas, certamente.
Mas muito antes de termos alguma informação sobre a investigação do caso, tínhamos, apenas, a notícia. Precisávamos contar a história. Fomos até o bairro onde o latrocínio aconteceu. Assim que desci do carro, vi a movimentação de parentes em frente à casa da vítima. Comentei com o repórter cinematográfico, Gilberto Cotobelo, que, provavelmente, seríamos expulsos de lá.
Dessa vez, errei feio.
Em meio a dor, fui surpreendido por uma família respeitosa e acolhedora, quando, na verdade, quem precisava de acolhimento eram eles. Cheguei com o microfone baixo, me apresentando e oferecendo meus sentimentos aos sobrinhos do metalúrgico, morto há poucas horas. Sempre que preciso conversar com parentes e amigos de pessoas que morreram, tragicamente, prefiro ser sincero.
Deixo claro que não é da minha vontade estar ali. Explico que faz parte do meu trabalho e que entendo qualquer reação contrária à nossa presença. Não se trata, necessariamente, de uma estratégia pra “ganhar” o entrevistado. Faz parte do que acredito. Não costumo forçar a barra por causa de uma entrevista, sobretudo, num momento tão sensível. Porém, devo admitir que, por vezes, minha forma de abordar facilita o trabalho. Penso que empatia e respeito cabem em qualquer lugar, inclusive, no jornalismo.
Talvez, esse seja o melhor recurso de convencimento que um repórter pode ter. Consegui gravar com os familiares da vítima, apenas, por ter sido respeitoso e transparente. Era preciso explicar que não estávamos, ali, como "urubu na carniça". Estávamos, ali, pelo trabalho, pela notícia, pelo absurdo, pela violência e pela impunidade tão comum nesse País. Um entendeu o lado do outro e a gente conseguiu gravar a reportagem e cumprir a triste missão do dia.
Quem vê tudo pronto no ar não imagina quantos pontos e contrapontos existem durante o processo de construção de uma história. Contá-las requer habilidades que vão muito além da câmera e do microfone.
Veja o resultado do trabalho na reportagem exibida pelo Balanço Geral
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