Ataque em escola: vidas não são coisas
A educação – no mais amplo sentido da palavra – está pedindo socorro. A gente não pode deixar essa tragédia se tornar comum
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
A caminho da pauta do dia, recebo uma ligação que mudaria todos os planos. Do outro lado da linha, estava uma fonte da Polícia. "Lucas, aconteceu um ataque na Escola Estadual Sapopemba. Um cara entrou lá, atirou nos alunos e tem gente ferida. Interessa?"
A pergunta do policial era sobre a relevância do que ele havia acabado de me passar. Evidentemente, aquela seria a história do dia. Enquanto ele ia me passando as primeiras informações, eu comunicava à minha chefia sobre o que tinha acabado de acontecer.
A decisão foi rápida. Nosso destino seria aquele e não mais o que a pauta havia planejado. Não demorou muito e a notícia já estava sendo divulgada pelos canais de televisão que estavam com a programação ao vivo.
Sapopemba, zona leste de São Paulo. De onde estávamos, quando recebi o aviso, até a escola demoraríamos 45 minutos. Quando chegamos, a área estava toda isolada e muitas pessoas, assustadas, tomavam as ruas em busca de informações. Vizinhos ainda desnorteados relatavam o que tinham visto. "Ouvi os tiros e achei que fossem bombas", disse um morador. "Foi uma correria e muitos alunos pulavam o muro pra escapar", contou outro.
Aos poucos, a história – terrível, por sinal – ia ganhando forma. Um aluno, de 16 anos, entrou na escola armado e abriu fogo contra os colegas. Três alunas foram atingidas. Uma delas, de 17 anos, foi atingida na cabeça e morreu. As outras duas ficaram feridas, mas sem gravidade.
O motivo para o ataque seria bullyng. O atirador, que é homossexual, estaria sendo vítima de agressões e ofensas constantemente. O adolescente foi apreendido logo depois. Vídeos de brigas onde ele aparecia passaram a tomar conta dos celulares. Aliás, por falar nisso, a cobertura jornalística em casos assim ficou ainda mais sensível.
O compartilhamento de imagens, vídeos ou fotos dos criminosos nas redes sociais, em grupos de WhatsApp ou outros meios de comunicação pode ajudar a encorajar novos atentados. Desde os últimos ataques mais chocantes – em Blumenau (SC) e em São Paulo – parte da imprensa decidiu não divulgar mais o nome e a foto dos autores desses atos.
Nesse caso, especificamente, num primeiro momento, a Record não divulgou, sequer, o nome das vítimas nem as imagens vazadas de dentro da escola. Recebi, via WhatsApp, uma imagem terrível do momento em que o adolescente dispara contra o primeiro alvo. Não vou descrever a cena, mas já é possível imaginar o quanto isso foi pesado. Não caberia, mesmo, acrescentar isso numa reportagem de TV.
Por isso, os textos passaram a ser revisados com uma atenção ainda maior. Naquele dia, minha reportagem demorou para ser liberada pela chefia do "Balanço Geral". Trata-se de um excesso de zelo, que retrata bem a responsabilidade de um canal de televisão.
Ainda assim, esse tipo de apuração requer um esforço extremamente cansativo. Foram horas sem conseguir sequer beber água. A boca seca incomodava e o estômago já reclamava a falta de comida. Em coberturas onde tudo pode acontecer, a nossa atenção fica, exclusivamente, presa aos fatos e à busca por novidades.
Estávamos todos na expectativa pela entrevista do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que havia chegado à escola para apurar outros detalhes do ataque. Diante da demora dele em falar com os jornalistas – a essa altura, um batalhão se formava – começaram as especulações de que o governador, Tarcísio de Freitas, iria até o local e a ele caberia falar com os repórteres.
Dito e feito.
O governador chegou, entrou na escola e lá permaneceu por quase duas horas. Só depois, Tarcísio apareceu para falar com todos nós. Cinegrafistas disputavam cada centímetro de espaço e os repórteres se aglomeravam em busca da melhor posição. Debaixo de um sol quente, escaldante, fazíamos perguntas ao governador.
Depois de todo o alvoroço, ficam os questionamentos: como evitar novos casos de ataques às escolas? Como impedir a entrada de armas no ambiente escolar? O quanto a sala de aula tem fechado os olhos para questões psicológicas que podem resultar em tragédias?
Qual seria solução?
Nem mesmo o governador soube responder. Não há, mesmo, uma fórmula capaz de garantir resultados imediatos. Mas é preciso começar por algo. Sei que não é fácil. Mas esses últimos acontecimentos demonstram que a educação – no mais amplo sentido da palavra – está pedindo socorro. A gente não pode deixar esse tipo de tragédia se tornar comum, assim como um roubo de celular já não nos surpreende mais. São vidas, gente. Não são coisas.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.