Pela fresta do portão, Rodrigo acompanhava a nossa chegada. O Dr. Fábio Costa e eu nem tínhamos descido do carro e ele já estava lá nos esperando na calçada. Fomos recebidos com um caloroso abraço de agradecimento. Rodrigo voltou a experimentar a sensação de ser livre depois de passar 50 dias longe da família.
Foram onze quilos a menos, 50 noites maldormidas dividindo cama com outros detentos, madrugadas de muito frio e o peso de uma culpa que ele não merecia carregar. O advogado Fábio Costa e eu fomos testemunhar o sorriso que voltou a iluminar a casa simples, da periferia de São Paulo.
Dr Fábio Costa, Aline, Rodrigo, Aquiles e Lucas Carvalho
Arquivo Pessoal/Lucas Carvalho"Eu nem acredito que vocês estão aqui", dizia Rodrigo. A esposa dele, Aline, nos esperava com certo nervosismo. "No dia da gravação eu não estava tão ansiosa quanto hoje", comentava. Nos sentamos à mesa da cozinha. Um cafezinho quente e um bolo de coco, desses de padaria, nos esperavam. Conversávamos sobre o longo processo vivido pelo motorista de aplicativo. Levamos mais de três horas conversando, secando a garrafa de café e acabando com aquele bolo delicioso.
Rodrigo foi preso enquanto trabalhava por aplicativo depois de transportar um passageiro que carregava drogas. Ele não sabia de nada e, mesmo assim, foi acusado de tráfico. Jornalista, geralmente, sempre desconfia de tudo. Faz perguntas, questionamentos. Acho que fiz tudo isso, mas lá no fundo, eu acreditei na inocência dele. Ao ver o choro da mãe, o desespero da esposa e a inocência do filho, o repórter cinematográfico, André Lemos, e eu pedimos auxílio ao Dr. Fábio, um dos maiores criminalistas do País.
Rodrigo Marques foi preso injustamente por tráfico de drogas
Reprodução/Redes SociaisEle assumiu o caso imediatamente, apostou na história e conseguiu – pelo menos, parcialmente - garantir que um pai de família deixasse a cadeia com base em elementos claríssimos que apontam a inocência dele. Um relatório da empresa de transporte por aplicativo sustenta a versão dada por ele desde o início.
Cá pra nós, Rodrigo foi estereotipado desde o início: homem negro, tatuado, pobre e morador de um bairro periférico da zona leste de São Paulo. Bastam essas características pra invalidar todo o resto, infelizmente. Mas a justiça, por ora, parece ter sido feita. A audiência que vai decretar o veredicto do caso já está marcada para as próximas semanas.
Não sei dizer o que me fez me apegar à história do Rodrigo. Colegas jornalistas, talvez, nem aprovem isso. Defendo a imparcialidade, como fiz durante as reportagens, mas como “pessoa física” é impossível não se comover com algo tão forte e triste. O choro de dona Tânia, mãe do motorista, desabou meu coração no dia em que a conheci.
Difícil explicar, mas, às vezes, a gente pega um caso pra acompanhar e se apega. Foi assim com Rodrigo e a família dele. Tinha que ser. Nada é por acaso. Agradeço a Deus por permitir que o jornalismo, de vez em quando, faça ou, pelo menos ajude, a fazer justiça. Há muita gente que sozinha não consegue ser vista. Estou tão acostumado a noticiar coisas ruins – o jornalismo policial nada mais é do que isso – que quando uma reportagem traz frutos positivos, eu até choro.
No dia da soltura de Rodrigo, eu estava de folga. Não pude ver de perto esse momento. Mas ouvir do repórter cinematográfico, André Lemos, que os familiares dele perguntaram por mim, encheram meus olhos d’água. Ser útil a alguém sempre será minha maior recompensa na comunicação. Eu não trabalho só por dinheiro. Trabalho por um propósito e não há quem me faça pensar o contrário sobre a enorme responsabilidade que é estar diante de uma câmera e um microfone.
Seja bem-vindo de volta, Rodrigo. Que possamos tomar outros cafés e devorar mais alguns bolos de coco daquela padaria do bairro.