No meio do caminho
Tinha uma pedra, mas não me refiro àquela do poema de Carlos Drumond Andrade; no meu caso, a pedrada veio da gangue que toca o terror no centro de São Paulo.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Não por acaso, eles são a "pedra no sapato" dos motoristas de São Paulo. Quem passa pela avenida Rio Branco, no centro da maior metrópole do País, corre o risco de ficar pelo caminho. São usuários de drogas, sim, mas podemos chamá-los de criminosos. O que eles fazem não tem outro nome. É crime.
O centro da capital paulista virou terra de ninguém. Eles nem ficam mais escondidos. Pelo contrário, estão por toda parte e em pontos estratégicos. As câmeras de segurança da região flagram o desespero das vítimas todo santo dia. Com uma pedra – ou qualquer outro objeto que cumpra a função – eles atacam motoristas no meio da rua. Quebram os vidros e, sorrateiramente, pegam o celular das pessoas, muitas vezes, posicionado no suporte fixado ao para-brisa.
Bastam pouquíssimos segundos. Quando o motorista percebe, não há tempo pra mais nada. O que resta é levar o carro pro conserto e comprar um aparelho novo pra seguir na vida tecnológica a qual todos nós estamos mergulhados.
Aquela era a segunda reportagem que fazíamos em menos de duas semanas para o Balanço Geral. Novos vídeos mostrando a ação da quadrilha surgiram um dia depois de uma megaoperação da polícia pra tentar desmantelar uma parte do grupo.
Na primeira vez, o repórter cinematográfico Gilberto Cotobelo e eu flagramos uma tentativa de roubo na nossa frente. Estávamos dentro do carro da Record numa rua onde o fluxo de usuários da cracolândia é enorme. Paramos no semáforo e, de repente, um homem saiu da multidão e foi em direção a um veículo posicionado a poucos metros de nós. Como os vidros estavam abertos, o ladrão só teve o "trabalho" de se jogar pra dentro do carro pra furtar o celular. Felizmente, não conseguiu.
Dessa vez, nós fomos as vítimas. Dessa vez, nós fomos atacados. Estávamos com um carro descaracterizado pra não chamar a atenção. Novamente, nosso trabalho era investigar a ação desse grupo criminoso. Naquele dia, a região central estava sendo monitorada pela polícia militar e por agentes da guarda civil metropolitana. O contingente de equipes era maior, possivelmente, por conta da operação do dia anterior e dos dois roubos registrados naquela mesma manhã.
Isso, no entanto, não impediu a ação dos usuários de drogas sedentos por aparelhos celulares. Paramos num semáforo. Policiais militares estavam a menos de cem metros da gente. De repente, olho pro lado e vejo um homem, vestindo uma camiseta de time, se aproximando do nosso carro, tomando distância e atirando um objeto. Só tive tempo de chamar a atenção do Cotobelo, que já estava com a câmera ligada, para o que estava prestes a acontecer.
Rápido como é, o nosso repórter cinematográfico conseguiu flagrar o momento em que o nosso carro foi apedrejado. Por Deus, o vidro não quebrou nem, sequer, trincou. Do contrário, os estilhaços teriam atingido o meu rosto em cheio. Provavelmente, a própria pedra teria me acertado.
É uma sensação horrível. Uma mistura de medo, insegurança, raiva, indignação. São inúmeros sentimentos que, naquele momento, precisei conciliar com o meu trabalho de repórter. Narrei o que tinha acabado de acontecer. Sentimos na pele o que o motorista passa, diariamente, no centro de São Paulo. O pior é que não há ninguém capaz de resolver ou, pelo menos, amenizar esse problema.
Por vezes, o jornalismo se torna arriscado. Está longe do glamour que muitos pensam que há por trás das câmeras. Evidentemente, o ataque à equipe foi a cena que abriu a reportagem. Era o nosso flagrante mais forte. Mais do que isso, era a realidade contada por quem passou por essa experiência de medo e constrangimento. Escrevi com mais facilidade e, naquele momento, com conhecimento de causa.
No fim do dia, antes de dormir, agradeci pelo grande livramento. É como entendo toda situação de perigo que me cerca, mas não me envolve. Quando fui assaltado, pela primeira vez, em São Paulo, durante o trabalho, fiquei em choque a ponto de querer voltar pro interior na mesma semana. Perdi meu celular, mas não perdi a minha vida no momento em que o ladrão me mostrou a arma dele. Dessa vez, a pedra acertou o vidro do carro em que eu estava, reforçou a mensagem que a matéria queria transmitir, mas ela não me atingiu, não me feriu nem machucou nenhum companheiro da equipe.
Ao mesmo tempo em que agradeço pela proteção, me pergunto: até quando Deus terá de agir em questões que o ser humano deveria dar conta? Até quando as autoridades ficarão enxugando gelo? Até quando as leis desse País não serão capazes de garantir paz, proteção e livramento aos cidadãos? Até quando todas essas perguntas vão ficar sem respostas? Até quando iremos nos perguntar: até quando?
Veja, na reportagem, o momento em que a equipe do Balanço Geral é atacada pela gangue da pedrada
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