Nossas guerras diárias
Longe do Oriente Médio, por aqui a gente lida, rotineiramente, com as nossas pequenas – ou não tão pequenas – guerras
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
O mundo todo assiste a mais uma guerra entre povos. Israel e Palestina estão no centro das atenções. É mais um confronto sangrento que já matou milhares de inocentes. Longe do Oriente Médio, as cenas já me impactam bastante. Imagino como devem estar mentalmente esgotados os colegas escalados para essa cobertura.
Eu, sinceramente, nunca me imaginei reportando uma guerra. Nem sei se quem está lá, um dia, pensou que poderia estar. Coisas do jornalismo. Mesmo não pisando naquele solo, onde escorre o sangue de gente que nunca pegou em arma, por aqui a gente lida, rotineiramente, com as nossas pequenas — ou não tão pequenas — guerras.
Não é uma comparação. É, apenas, uma reflexão. A gente vive em constantes cenários de guerra o tempo todo. Depois que me tornei jornalista e passei a atuar, diariamente, com notícias do setor policial, entendi que homicídios, estupros, roubos e tudo o que engloba a violência também fazem parte desse combate diário.
Nós não estamos em guerra com ninguém, mas vivemos numa verdadeira guerra urbana. Antes de sair de férias, há pouco mais de um mês, gravei uma reportagem para a série especial Os Mais Procurados, do Balanço Geral. A ideia era mostrar quem são os criminosos foragidos que mais desafiam a Justiça e até hoje não foram encontrados.
Rosana Ribeiro Cassas é mãe de Diego, morto durante uma briga há dez anos. O assassino, Caio Rodrigues, nunca passou, sequer, um único dia preso. Antes mesmo de colocar o microfone, enquanto conversava comigo, informalmente, Rosana se derramava em lágrimas. Era difícil ter de reviver todas aquelas memórias.
Há uma década, a família dela vive aprisionada à dor. É uma guerra interna que nunca passa. Diego foi morto depois de um desentendimento que começou numa casa noturna. O desfecho foi no estacionamento de uma rede famosa de fast-food. Tudo porque a vítima mexeu com a irmã de Caio, que não gostou.
De lá pra cá, Rosana nunca mais dormiu em paz. As coisas do filho continuam intactas, no mesmo lugar. A porta do guarda-roupa dela é cheia de fotos do jovem, na época com 18 anos. O marido dela nunca superou a morte de Diego. Durante todo esse tempo, ele nunca mais conseguiu olhar para um único retrato do filho.
O choro daquela mãe e as palavras emocionadas do irmão me impactaram. "Ele [o assassino] ainda pode abraçar o pai, a mãe. Minha mãe não pode mais abraçar o filho", disse o irmão de Diego, com a voz embargada. Era possível notar que a dor se confundia com a revolta. Como se não bastasse perder alguém para a violência, ainda era preciso lidar com a impunidade.
O advogado de Caio não titubeou ao me dizer que, se conseguir despistar a Justiça por mais dez anos, o crime cometido pelo cliente dele terá prescrito. Ou seja, o assassino não precisará mais responder pelo que fez. É a lei do país. É a regra do jogo. É a guerra sem fim.
São tantos casos parecidos que a gente acaba se acostumando. A gente entende como “mais um” quando, na verdade, esse tipo de dor é parte do bombardeio que vivenciamos ao pôr os pés pra fora de casa. A diferença entre a guerra do Oriente Médio e a que enfrentamos aqui, diariamente, está na proporção e na forma de ataque. De resto, temos encarado de igual modo a crueldade, o terror, o medo, a matança, os traumas, a intolerância...
Temos vivido, no nosso "pequeno mundinho", tempos difíceis. Nossas guerras diárias geram outros conflitos igualmente letais: depressão, ansiedade e síndromes das mais variadas. Percebe como uma coisa vai puxando a outra? Seja aqui ou do outro lado do planeta, no fim das contas, estamos todos no mesmo barco furado.
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