O terror tão perto de casa
Às vezes, a gente tem medo de que uma notícia ruim se aproxime das pessoas que mais amamos.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Eu ainda tinha mais duas horas de sono quando soube do caos, em Araçatuba – minha cidade natal. Depois disso, não voltei mais a dormir. Era por volta de 1h da manhã quando as primeiras imagens do assalto começaram a circular. Antes de sair de casa pra trabalhar, a Paloma me deu um beijo de despedida e me acordou pra contar o que estava acontecendo. Pra quem não sabe, a minha namorada também é jornalista na Record e trabalhamos juntos no Balanço Geral Manhã.
Assim que ela saiu, comecei a olhar os grupos de WhatsApp e portais de notícias pra entender o que, realmente, estava rolando na minha cidade. Ainda sonolento – e lento – comecei a ter noção de que não era, apenas, mais um ataque a banco. E, sim, aquela que seria a maior ação criminosa dos últimos tempos no País.
Minha família toda mora lá. Meu coração, praticamente, vinha na boca conforme ia recebendo todos aqueles vídeos. Eu não ia conseguir esperar até às 5h30 da manhã, quando, religiosamente, minha mãe me manda a primeira mensagem do dia, pra saber se estava tudo bem. Liguei para o celular dela. Não atendeu. Liguei para o meu irmão. Nada, também.
Eu sabia que todos estavam dormindo, mas o desespero me fez imaginar coisas horríveis. Então, liguei pra minha casa, no telefone fixo. Acordei todo mundo. Meu irmão atendeu e eu contei o que estava acontecendo. Pedi para que ficassem atentos, já que o dia seria longo na cidade. Os criminosos estavam atacando o centro. Não era, exatamente, perto de casa, mas durante a fuga, os ladrões costumam se espalhar pelos quatro cantos.
Depois que me certifiquei de que estavam todos bem, minha adrenalina só aumentou. Incorporei o repórter curioso. Passei a mandar mensagens pra vários contatos em Araçatuba e, ao mesmo tempo, ia abastecendo a produção do Balanço Geral Manhã com o que eu ia recebendo. Naquele dia, mesmo estando em São Paulo, mas por conhecer tão bem Araçatuba, eu havia sido escalado pra ajudar na cobertura.
A quadrilha chegou, por volta de meia-noite de segunda-feira, ao centro da cidade. Três agências bancárias foram atacadas. Dezenas de criminosos, fortemente armados, renderam meus conterrâneos e os usaram como "escudo humano". Barricadas foram montadas e veículos foram incendiados na tentativa de impedir a chegada da polícia. Era uma ação, extremamente, articulada. Os bandidos usaram drones pra monitorar viaturas e espalharam explosivos pelas ruas. Dois moradores e um integrante do grupo morreram.
A cada nova informação, aumentava a tensão. A minha, especialmente, por ser de lá e por ter família na cidade. Saber que o município todo, de quase 200 mil habitantes, estava cercado e amedrontado me fazia pensar numa série de coisas. Tanta coisa, que eu nem consigo escrever aqui. Mas era uma mistura de medo e temor com aquela adrenalina típica que move um repórter durante uma apuração. Ao mesmo tempo, bairrista como sou, me batia uma chateação por saber que a minha cidade estaria estampada em todos os noticiários do País de uma forma tão negativa.
Eu tenho o maior orgulho das minhas origens. Falo, aos quatro cantos, que nasci em Araçatuba, me formei e comecei lá minha carreira no telejornalismo. Tenho uma história na cidade, da qual eu amo me lembrar. Engraçado como a gente transmite isso. Essa semana, mesmo, um cinegrafista meu me disse: "Quando fala em Araçatuba, eu já lembro de você". E, assim, muitos colegas me enviaram mensagens perguntando se minha família estava bem.
Às vezes, a gente tem medo de que uma notícia ruim se aproxime de quem nós mais amamos. Certa vez, quando ainda trabalhava lá, fui para um acidente envolvendo uma mulher que tinha sido atropelada, de moto, por um caminhão. A vítima conduzia uma Biz vermelha, que é, exatamente, a moto que a minha mãe tem. Eu gelei e engoli seco. Só quando soube o bairro da tragédia é que vi que aquele trajeto não fazia parte da rotina que minha mãe percorria. Ainda assim, alguém, infelizmente, sentiria a dor que eu tive medo de sentir.
Acho que isso me faz ter ainda mais empatia, quando meu trabalho exige me aproximar de alguém que esteja tão fragilizado. Eu costumo, sempre, me colocar no lugar do outro. É necessário ser assim na vida, mas, no jornalismo, considero essencial. Enfim, ser repórter é lidar com uma montanha-russa de sentimentos. É ter um coração capaz de ser frio e, ao mesmo tempo, acolhedor. É ter que se distanciar da notícia, mas estar próximo pra interpretá-la. É ter medo e ser corajoso, também. É, praticamente, um teste cardíaco diário.
Reportagem exibida no Fala Brasil
Veja, abaixo, minha participação, ao vivo, sobre os ataques a Araçatuba no Balanço Geral
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