Obrigado, Maria!
Definitivamente, não foi mais uma reportagem de crime que fiz. Talvez, tenha sido uma oportunidade de crescimento pessoal e espiritual. Por muito menos, eu reclamo da vida. Você não?
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Era uma tarde chuvosa que, definitivamente, não combinava com uma cidade litorânea. De qualquer forma, não estávamos a passeio. O destino era Praia Grande, mas ninguém ia colocar os pés na areia. Estávamos em busca de uma história que, por sinal, era revoltante.
Uma idosa, de 70 anos, foi perseguida, agredida, teve os cabelos puxados, foi derrubada no chão e arrastada durante uma tentativa de assalto. Ao cair no chão, ela quebrou o tornozelo. O ataque foi praticado por duas adolescentes, que queriam levar a bolsa dela.
Quando vi as imagens do circuito de segurança me deu até um nó na garganta. Difícil não sentir raiva, angústia e o desejo de justiça. Muitas vezes, me pego pensando: "e se fosse a minha mãe?". Só de imaginar, eu já desmonto.
Assim que chegamos ao endereço da vítima, no litoral de São Paulo, fomos recebidos pelo filho dela, William, um jovem de 19 anos, tímido, mas muito atencioso. Subimos até o apartamento da família e lá estava dona Maria das Dores sentada numa cadeira de rodas, revezando os movimentos limitados com um par de muletas. Ela não aparentava a idade que tem. Pelo contrário, bastante lúcida e disposta, nos atendeu com muita simpatia.
Enquanto arrumávamos o espaço pra gravar a entrevista, o cachorrinho barulhento – não me recordo a raça – rosnava pra mim toda vez que me aproximava dela. Aquele era, verdadeiramente, um cão de guarda. O bichinho demonstrou todo o cuidado com a dona ao latir sem parar. O filho de dona Maria precisou levá-lo pro quarto para que pudéssemos gravar.
Eu via e sentia doçura nas palavras daquela mulher. A idosa me contou que voltava de um ensaio da igreja quando começou a ser seguida pelas adolescentes. Durante o caminho, as duas tentaram se aproximar dela, puxando papo, fazendo perguntas. "A senhora tá com medo? Tia, não tenha medo, não, a gente não vai te roubar", disseram.
O que elas não tinham de tamanho, sobrava de maldade. As menores esperaram dona Maria das Dores chegar no portão da casa dela pra atacá-la. Pediram um prato de comida e ao se descuidar por um minuto, dizendo que buscaria alimento, a vítima foi golpeada. A imagem da mulher sendo agredida e quebrando o tornozelo é impressionante. Pior ainda foi ver as duas fugindo, sem levar nada, enquanto a idosa ficou no chão gritando de dor.
Durante a nossa conversa, o marido dela, de 72 anos, se levantou da cama, com dificuldade, e foi até a sala, onde estávamos. Há pouco mais de um ano, ele tenta se recuperar de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). A esposa é quem o ajuda. Ou, pelo menos, ajudava. Com uma das pernas imobilizadas, ficou, praticamente, impossível continuar auxiliando o companheiro de vida.
Ainda assim, com todos os motivos do mundo pra odiar quem a deixou numa cadeira de rodas, dona Maria das Dores encerrou a entrevista com uma fala que me surpreendeu: “Eu tenho pena. Não consigo ter raiva de ninguém. Por mais que me façam mal, eu só tenho pena dessas pessoas, que são pessoas infelizes”.
Que exemplo!
Ao terminar a conversa comigo, a idosa resolveu se levantar e ir pro quarto usando as muletas. Enquanto isso, nos preparávamos pra gravar a entrevista com o filho dela. De repente, um barulho de queda. Largamos câmera, tripé e microfone pra trás e corremos pra ver o que tinha acontecido. William gritava: “Mãe, mãe!”.
Entramos no quarto e encontramos a idosa caída no chão em cima das muletas. Ela se desequilibrou pela falta de habilidade com elas. Foi desesperador vê-la daquele jeito. Rapidamente, a pegamos no colo e a colocamos na cama. Ela reclamava de dor, mas dispensou a carona até o médico. Disse que estava bem.
Ainda assustados, terminamos nosso trabalho ali. Ao me despedir, fui até o quarto, dei um abraço na mulher e desejei que ficasse bem o quanto antes. Ela agradeceu e desejou: "Que Deus acompanhe vocês na volta".
Pessoas do bem, geralmente, são testadas. É a impressão que tenho. Dona Maria das Dores demonstrou, naqueles poucos minutos que passamos juntos, ser muito superior ao sofrimento. Não que ela seja perfeita, já que ninguém é. Mas, me pareceu uma pessoa fortalecida pela fé que nutre no coração. Não reclamou de nada durante a conversa que tivemos a não ser da dificuldade em cuidar do marido.
Saí daquela pauta com o coração mais quente. Definitivamente, não foi mais uma reportagem de crime que fiz. Talvez, tenha sido outra oportunidade de crescimento pessoal e espiritual.
Por muito menos, eu reclamo da vida. Você não?
Veja a reportagem completa, exibida no Balanço Geral Manhã
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