Se as paredes falassem...
Se há um assassino nesse cenário, só mesmo um fenômeno sobrenatural poderia explicar a existência dele
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Um mistério entre quatro paredes. Até então, acreditava-se que alguém poderia ter entrado no apartamento de Dalliene. Antes de ser encontrada morta, nua, em cima da cama, com um travesseiro sobre o rosto, vizinhos afirmaram que ouviram sons da cama da vítima rangendo. Um dos moradores gravou, com o celular, a jovem pedindo socorro.
Bruna, a amiga de infância que dividia a casa com Dalliene, também disse à polícia que ouviu a jovem gritar. Ela só não conseguiu abrir a porta, ao chegar em casa, porque não tinha a chave.
Dalliene morava no 9° andar. A porta do apartamento estava trancada com a chave para o lado de dentro. Não havia sinais de arrombamento, e a casa não estava revirada. Mas a jovem, de 21 anos, estava sem vida, com marcas discretas nos pulsos.
Câmeras de segurança do prédio onde a ex-modelo morava e de um posto de combustíveis ao lado mostram Dalliene sempre sozinha. Como pode alguém ter entrado no prédio sem que as imagens mostrassem? Quem poderia ter entrado com tamanha facilidade, já que o acesso ao edifício só acontece por meio de biometria facial e digital? Como a chave ficou para o lado de dentro da porta? O caso Dalliene sempre esteve repleto de dúvidas, mas nunca houve muitas respostas.
Quando comecei a acompanhar essa história, não tínhamos praticamente nada. Dalliene era natural de Uberaba, no interior de Minas Gerais. Estava vivendo em São Paulo havia pouco mais de um ano. A família ficou toda no local de origem. A mãe, incrédula, não fazia ideia do que poderia ter acontecido com a filha. A amiga, Bruna, não atendia às ligações. Prestou depoimento à polícia e saiu de cabeça baixa, escondendo o rosto. Ela nunca foi considerada suspeita, até porque, pelas imagens das câmeras de segurança, de fato, a moça não esteve no prédio durante esse intervalo de tempo.
Passei uma semana em busca de novidades para este caso. O que tínhamos, com o passar dos dias, eram peças de um verdadeiro quebra-cabeça, que nem a polícia conseguia montar. Eu estava inquieto. A história de Dalliene é muito intrigante. Se há um assassino nesse cenário, só mesmo um fenômeno sobrenatural poderia explicar a existência dele. Reforço que as câmeras de segurança nunca apontaram para nenhum suspeito, e pelos fundos do prédio seria improvável a entrada ou a fuga de alguém pela janela. Estamos falando do 9° andar de um edifício. Nesse caso, o último.
Fui até a rua de trás analisar o contexto. Nem precisava ser perito para chegar a essa conclusão. Não havia a menor condição de ter sido por ali. Começava a me perguntar: “Será, mesmo que essa menina foi assassinada?".
Qual seriam as outras possibilidades? Overdose? Dalliene usava drogas, esporadicamente. No apartamento, foram encontradas algumas porções de entorpecentes. Descobri, ao conversar com testemunhas, que a jovem também tomava medicamentos controlados. Ela também teria feito uma cirurgia semanas antes de morrer. Teria sido um caso premeditado? Overdose? Reação ao procedimento? Mas por que ela estava nua e com um travesseiro na cabeça? E de onde surgiram os barulhos que vizinhos ouviram?
Eram sons que davam a entender que uma relação sexual estaria acontecendo. Eram barulhos que chegaram a incomodar os moradores. Como?
Passei uma semana acompanhando os desdobramentos do caso, fazendo reportagens, conversando com vizinhos, testemunhas e parentes. Entrevistei a mãe de Dalliene. Foi uma conversa à distância, já que ela mora em Minas Gerais. Percebi uma mulher forte, resiliente. Ela quase não chorou. Isso não é um juízo de valor. Apenas uma constatação. Cada um sente e reage à sua maneira. Mas notei que a fé daquela mãe era seu porto seguro. O tempo todo, ela demonstrava não fazer ideia do que poderia estar por trás da morte repentina da filha, que veio morar em São Paulo em busca de uma vida melhor.
Por enquanto, não há nenhuma novidade da investigação. Mas a hipótese de alguém dentro do apartamento com Dalliene está cada dia mais perto de ser descartada. Os exames do IML vão apontar um caminho mais preciso. Asfixia? Overdose? Suicídio?
O jornalismo quer sempre respostas. Mas elas quase nunca vêm no nosso tempo. As minhas perguntas são as mesmas da polícia. Ou melhor. As questões da polícia, certamente, são bem maiores do que as minhas. Em comum entre nós, está a busca pela verdade. Mas o relógio da investigação não gira na mesma velocidade que o meu. Enquanto isso, me resta, apenas, imaginar o que as paredes daquele apartamento, na zona sul de São Paulo, poderiam revelar se falassem.
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