Tiro certeiro
Champinha havia influenciado os colegas a começar uma rebelião. Estávamos diante de um dos principais assuntos do dia.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Naquela noite não havia nenhum factual importante acontecendo. Apenas uma coisinha ou outra corriqueira na rotina de São Paulo. A equipe entrava um pouco mais cedo que eu. Então, quase sempre, eles iam pra rua antes de mim. Surgindo algo, o cinegrafista Ricardo Bonifácio e o auxiliar Eduardo Alves saíam pra garantir as primeiras imagens.
Diante da aparente calmaria daquela noite, a chefia de reportagem decidiu mandar a equipe para algum lugar da zona leste registrar um acidente, sem gravidade, que tinha acabado de rolar. Enquanto eles iam pro local, a apuração ia tentando checar as informações por telefone.
No caminho, o Ricardinho e o Gilu – é assim que chamamos o auxiliar Eduardo Alves – notaram uma movimentação policial diferente em frente a uma Unidade Experimental de Saúde, na zona norte da capital. Naquele lugar, ficavam presos com distúrbios mentais ou de personalidade.
Os dois decidiram parar. Ficaram, ali, observando por alguns instantes. Se aproximaram e notaram que algo estranho estava acontecendo. O Ricardinho ligou pra redação e avisou o que eles tinham flagrado. Afinal, os dois poderiam estar diante de alguma coisa grave, que a gente ainda não sabia. Começou a mobilização pra tentar descobrir o que era. Chefia de reportagem e apuração iniciaram o trabalho de garimpar todos os contatos possíveis pra saber o que estava rolando.
Porém, uma das principais dificuldades do jornalismo da noite/madrugada é conseguir checar uma informação rapidamente. Nem sempre as fontes estão disponíveis naquele horário. E, naquela altura do campeonato, a equipe estava parada no local e não havia seguido pra zona leste, onde o acidente tinha acontecido. O Ricardo Bonifácio e o Gilu são dois profissionais extremamente comprometidos com o trabalho. A paixão pelo ofício e os anos de experiência no jornalismo tornam o faro deles muito mais aguçado.
Os dois tinham a certeza de que havia um mistério escondido ali. Só não sabiam o que era ainda. Em certo momento, enfrentando dificuldades pra checar o caso, a chefia pediu o registro de algumas imagens, mas orientou que a equipe fosse para o tal acidente. Mas instinto é instinto. Os dois insistiram com a redação que o melhor a fazer era me mandar pro local assim que eu chegasse à TV. E foi, exatamente, isso o que aconteceu.
Às 2h da manhã, quando cheguei, a chefia de reportagem já me despachou pra lá. Naquele momento, o burburinho era de que uma rebelião estaria acontecendo na zona norte. Só a Record estava acompanhando. A gente poderia estar diante da notícia do dia e que seria exclusiva nossa.
Quando cheguei, tentei entender o cenário. Era um entra e sai de policiais armados e com escudos. Era um vai e vem de viaturas a todo instante. Do lado de fora, não era possível ouvir nada. O tempo ia passando, ficando cada vez mais curto, o jornal começaria dentro de mais algumas horas e eu ainda não tinha uma história construída. Até que depois de tanto tentar, consegui uma palavrinha do policial que estava comandando a operação.
“Tenente, o que foi que aconteceu aqui? Foi, mesmo, uma rebelião?”, perguntei.
“Sim, foi um princípio de motim liderado pelo Champinha...”
“O Champinha está aqui?”, perguntei, incrédulo.
Champinha ficou conhecido pelo sequestro e morte do casal Liana Fiendenbach, na época com 16 anos, e Felipe Caffé, que tinha 19, em 2003. É um dos criminosos mais cruéis da história do País. Naquele momento, ele e outros dois detentos com problemas mentais estavam na unidade.
Champinha havia influenciado os colegas a começar uma rebelião. Usaram um espeto de ferro e mantiveram um agente de saúde refém por mais de uma hora e meia. O que eles queriam eram mais regalias no sistema prisional. Estávamos diante de um dos principais assuntos do dia.
O tenente me passou imagens exclusivas do momento da abordagem. Tudo. Absolutamente, tudo. Era a notícia da madrugada, que havia caído, ali, no nosso colo. Não, apenas, por uma questão de sorte ou de coincidência. Aqui, é importante mencionar, de novo, a insistência do cinegrafista Ricardo Bonifácio e do auxiliar Eduardo Alves. Fizemos todo o trabalho em conjunto, mas o mérito é todo deles.
Eu estava ansioso para o início do jornal. Ninguém tinha aquele material. Naquele dia, pautamos o noticiário. Para um jornalista, não há nada mais glorioso do que isso. Não, apenas, por uma questão de competitividade. Mas, sobretudo, por querer ver o trabalho pronto. É uma sensação incrível de dever cumprido.
Ter a chance de contar tudo aquilo, ao vivo, com exclusividade, e lidar com o desejo latente de entrar no ar antes que a concorrência pudesse chegar era algo excitante. Tão excitante quanto o próprio jornalismo e essa adrenalina maluca que nos move o tempo todo, todos os dias.
Veja um trecho da cobertura que fizemos no Balanço Geral Manhã.
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