Tudo normal até o sumiço do Marcelinho Carioca
O nome disso é jornalismo, mas pode chamar de montanha-russa, às vezes
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
11 horas da manhã. Horário de rush do jornalismo de TV. O tempo vai ficando ainda mais escasso porque o jornal está prestes a começar e o nível de cobrança por texto, imagens e off (a narração da reportagem) só aumenta. Geralmente, é nesse momento que o repórter esquece até de ir ao banheiro, dependendo do dia.
Traduzindo: não é um bom horário para as coisas saírem do controle. Certamente, qualquer novidade que estourar perto do fechamento do programa vai causar um enorme alvoroço na redação.
Naquele dia foi, exatamente, assim.
Estávamos voltando de Guarulhos. O repórter cinematográfico, Paulo Geovani, o auxiliar, Rodrigo Nascimento, e eu tínhamos terminado as gravações e paramos em um ponto, no meio do caminho, pra gerar o material. A gente usa uma mochila com sinal de internet para fazer a transmissão do conteúdo em tempo real.
Foi nesse meio tempo que meu telefone toca. Era a Bianca, chefe de reportagem. "Lucas, preciso que vocês corram para Itaquaquecetuba. Parece que o Marcelinho Carioca foi sequestrado", disse ela. "O carro dele foi encontrado, mas ele não", continuou me falando. Tínhamos, apenas, essa informação. Começaríamos, ali, uma saga pra tentar desvendar o mistério.
Embora tudo apontasse para um sequestro, por responsabilidade, nós não poderíamos noticiar o caso daquela forma. É uma recomendação evitar essa abordagem enquanto o caso está em andamento. Àquela altura, nem mesmo a polícia era capaz de confirmar se o ex-jogador estava, mesmo, sob o poder de sequestradores.
De onde estávamos até o endereço, em Itaquá, levaríamos 35 minutos pra chegar. Apertamos o passo e conseguimos estar no local já no comecinho do Balanço Geral. Até o momento da minha chegada, ainda não havia um consenso sobre a forma como noticiaríamos aquele fato. É uma situação embaraçosa, já que se trata de algo muito grave. O desaparecimento de qualquer pessoa gera enorme aflição, mas o de um ídolo famoso no futebol traz um peso ainda maior sobre a cobertura.
A direção do programa e os editores-chefes decidiram que entraríamos ao vivo com o caso, mas nos limitaríamos a dizer, apenas, que Marcelinho Carioca estava desaparecido, sem mencionar, num primeiro momento, a possibilidade de um sequestro. Estávamos no local onde o carro do ex-atleta foi abandonado. Chegamos antes mesmo da perícia. Policiais militares se preparavam pra isolar a área e evitar a aproximação da imprensa.
Fomos os primeiros a chegar ao local. Antes de mim, estava um cinegrafista amador contratado pela RECORD pra garantir algumas imagens para a nossa cobertura. Entramos ao vivo com o cuidado necessário. Narrava o que via e apurava novas informações em tempo real.
Enquanto Gottino e Lombardi comentavam o caso, no estúdio, eu aproveitava a brecha para fazer perguntas aos policiais que estavam no local. Por sorte, encontrei agentes muito prestativos que colaboraram com o meu trabalho. Em dado momento, vi uma movimentação diferente. Três ou quatro pessoas, com fisionomias abaladas, “furaram” o bloqueio e foram até onde estavam os policiais.
Fiquei em estado de alerta. Imaginei que fossem familiares. Dito e feito. Era o filho de Marcelinho e, provavelmente, amigos ou assessores do ex-jogador. Entre uma entrada e outra no Balanço Geral, um agente da Polícia Civil com quem conversei me pediu absoluto sigilo. Ele me passou alguns novos detalhes que foram cruciais para a cobertura.
Definitivamente, aquele já era o assunto do dia. Um caso bombástico e misterioso. Ficamos, praticamente, o programa todo repercutindo o tema e em busca de informações para desvendar o quebra-cabeça. Em certo momento, vi uma movimentação diferente acontecendo. Uma moto da PM saiu em alta velocidade, enquanto agentes, armados, correram para uma área que eu não tinha acesso.
Alguma coisa estava acontecendo e eu não fazia ideia do que era. Por recomendação da chefia, fomos para a delegacia, onde alguns suspeitos de envolvimento no sumiço do ídolo do Corinthians estavam presos. A ideia de sequestro ia se confirmando. Já no Distrito Policial, recebi um vídeo que começava a se espalhar na internet.
Na imagem, Marcelinho Carioca aparecia com o rosto machucado, ao lado de uma mulher, num cativeiro, afirmando que ela era casada e que os dois haviam se relacionado. O marido, ao descobrir, teria arquitetado o sequestro. Aquele vídeo caiu como uma bomba. Embora as redes sociais já estivessem repercutindo a cena, tivemos muito cuidado na divulgação do material. Em tempos de inteligência artificial e de montagens que se aproximam da realidade, esperamos o momento certo para exibir o conteúdo.
A verdade é que essa história ganhava novos capítulos o tempo todo. Mais tarde, a polícia de São Paulo descobriu que o vídeo foi uma estratégia usada pelos criminosos pra tentar despistar a investigação. Marcelinho e uma amiga foram abordados enquanto conversavam num bairro de Itaquaquecetuba.
Mas o que me deixou intrigado, nessa cobertura, é que, na minha avaliação, erramos ao deixar o local onde estávamos desde o começo. Quando Marcelinho, finalmente, foi encontrado, o cativeiro em que ele e a amiga foram mantidos por dois dias era, justamente, ali perto de onde eu já estava. O carro foi abandonado em um ponto muito próximo da casa onde as vítimas ficaram. Aquela movimentação de policiais que eu observei era, exatamente, a mobilização das equipes para fazer o resgate do ex-jogador.
Por sorte, estávamos com um cinegrafista amador, que não perdeu a imagem. Mas Marcelinho Carioca estava perto da gente o tempo todo. Aliás, o que fez a quadrilha perceber que estava cercada foi o barulho do helicóptero sobrevoando o bairro. E o helicóptero, no caso, era o da RECORD.
Sem dúvidas, essa foi uma das coberturas mais cansativas que participei. Fizemos uma apuração, ao vivo, durante quase 3h30. Eu me lembro que, naquele dia, havia marcado um compromisso importante às 16h. Doce ilusão. Esse foi o horário que terminei minha jornada. Até retornar à emissora, já era quase 17h.
Quando chegamos, logo cedo, à TV, imaginamos como o dia vai ser. As pautas são distribuídas, alguns assuntos vão surgindo, a logística é pensada, mas em questão de minutos tudo pode mudar.
Costumo dizer que não existe rotina e muito menos certezas na nossa profissão. Talvez, a gente consiga tomar água. Talvez, não. Talvez, dê pra ir ao banheiro. Talvez, não. Pode ser que a gente consiga tomar um café. Mas é provável que também não dê. Talvez, a gente saia no horário. Ou, de repente, precise fazer algumas horas extras.
O nome disso é jornalismo, mas pode chamar de montanha-russa, às vezes.
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