Unidos do coração ao rim
Minha função era ouvir meus personagens, mas a conversa foi acontecendo, naturalmente, e tivemos a oportunidade de compartilhar experiências de vida semelhantes.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Raramente, um repórter se envolve, diretamente, numa história. Dessa vez, não pude evitar. A notícia mais importante não era sobre a minha vida. Mas algumas semelhanças me deixaram à vontade pra compartilhar um pouco do que minha família passou quando meu irmão, Daniel, nasceu.
Um dia antes da gravação, o produtor Luiz Ribeiro, sem me dar nenhum spoiler do assunto, me disse, despretensiosamente: "irmão, a pauta de amanhã é top!". Achei que fosse "conversa de pauteiro" querendo evitar qualquer tipo de reclamação ou cobrança deste repórter.
Mas, não. O Luiz tinha razão e não fazia ideia de que o tema seria tão sensível pra mim. A reportagem era pra contar a história dos irmãos Lucas Sturaro e Luiz Fernando Sturaro. Eles, que já eram unidos pelo sangue, se conectaram, ainda mais, por causa de um rim.
Luiz Fernando nasceu com um rim saudável e outro atrofiado. Por isso, desde pequeno, enfrentou problemas de insuficiência renal e refluxo urinário. Em 2004, o diabetes agravou o quadro de saúde dele, comprometendo a visão. Foi preciso fazer um tratamento pra conseguir voltar a enxergar.
Só que em 2021, a doença pesou sobre o rim saudável. Luiz precisou passar por hemodiálise regularmente. Era um sofrimento a cada sessão. O transplante seria uma esperança, mas encontrar doador compatível é um dos grandes desafios nesses casos. O irmão mais novo, Lucas, se prontificou a fazer os testes pra doar. A resposta foi melhor do que se imaginava: os dois tinham um rim considerado idêntico. Isso facilitaria e muito todo o processo.
Viajamos até Sumaré, no interior de São Paulo, pra conversarmos com os irmãos. Quando chegamos, a mãe deles, dona Damaris, havia acabado de abrir o portão pra deixar o lixo na calçada. Ao perceber nossa presença, ela abriu um sorriso e, logo, nos desejou boas-vindas. Fomos entrando. Fizemos graça com o cachorro, na garagem, todo grandão – confesso, não perguntei a raça – mas tão gentil quanto a própria família.
Logo se via que a conversa seria leve. Dona Damaris não sabia o que fazer pra nos deixar à vontade. Ofereceu água, café, refrigerante e um enorme banquete. O café eu aceitei logo de cara. O restante da comida ficou pro fim da entrevista.
Lucas e Luiz Fernando não imaginavam que a história da família repercutiria tanto. As redes sociais fizeram com que o caso ganhasse mais notoriedade. Lucas compartilhou cada detalhe da experiência mais importante da vida dele: a de salvar o irmão.
Do ponto de vista técnico, a entrevista foi como outra qualquer: repórter, cinegrafista, auxiliar, pauta, câmera, microfones e entrevistados. Mas como, às vezes, a emoção pode se confundir com a razão num trabalho jornalístico, tomei a liberdade de "me incluir" na reportagem.
Sim, porque as coincidências eram muitas. Além do mesmo nome, Lucas e eu temos irmãos pacientes renais. O meu irmão, Daniel, nasceu com refluxo no rim esquerdo. O problema foi diagnosticado ainda na barriga da minha mãe. Daniel veio ao mundo prematuro, aos sete meses, e precisou passar por uma série de cirurgias. Uma delas, pra retirar o rim que não funcionava.
Durante boa parte da minha infância, me lembro da correria que meus pais faziam pra garantir o tratamento dele. Tudo era feito em São Paulo e eles tinham de viajar constantemente. Felizmente, meu irmão não precisou entrar na fila do transplante e, hoje, aos 25 anos vive muito bem com um rim só.
Lucas, Luiz Fernando e Dona Damaris me ouviam com atenção. Quanta gentileza. Os personagens, ali, eram eles e minha função, sim, era ouvi-los. Mas a conversa foi acontecendo, naturalmente, e tivemos a oportunidade de compartilhar experiências semelhantes.
Me senti acolhido pela pauta, pela história, pela família. Me senti honrado com a possibilidade de ajudar a espalhar uma boa notícia. Por vezes, o jornalismo se torna pesado com tanta coisa ruim que a gente precisa reportar. Dessa vez, não. Dessa vez, falamos de amor, união, esperança, vida e recomeço. Dessa vez, o trabalho me proporcionou um momento inexplicável. Quando quem conta uma história se enxerga nela, não dá pra não sentir.
Veja reportagem completa exibida pelo Balanço Geral Manhã
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