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Eduardo Olimpio

O que se vê quando nos expomos pela lente da verdade

Não importa a que tempo, a vaidade e a sedução estão sempre presentes e só as intensificamos com a massificação das câmeras

Eduardo Olimpio|Do R7


Há milênios o ser humano descobriu-se a cereja do bolo do ponto de vista estético. Por mais que tenham nos deixados imagens de animais e plantas de suas respectivas épocas, povos ancestrais tiveram seu modo de vida, costumes e demais perfis sociais decifrados pelos cientistas e pesquisadores contemporâneos através de objetos (e dejetos) pessoais, ferramentas, pinturas, desenhos, gravações em baixo e alto relevo nas pedras, pegadas e escritos, cada um no seu momento de inserção histórica e desenvolvimento tecnológico.

E nesse conjunto, quando fazemos uma análise recortada de como era um homem ou uma mulher do passado, como se viam, como analisavam seus semelhantes, os contornos formais do corpo, a maquiagem, a vestimenta, o adereço e até a divindade que os guiara até ali, ganhamos recursos antropológicos que nos ajudam a entendermos quem somos hoje. O legado da civilização egípcia é um exemplo rico disso tudo, entre outros tão variados como.

Da Antiguidade até a penetração da Idade Média, tratando da arte encarregada de registrar os feitos, as conquistas ou simplesmente a representação da beleza humana, pintores e escultores gravaram em suas plataformas distintas rostos, cabelos, dorsos e músculos. Ganhavam alguma remuneração (de pagamentos vultosos a míseras moedas) pelo esplendor de suas obras ou perdiam suas cabeças - quando não ardiam no fogo ou eram envenenados/mutilados - caso seus talentos artísticos desagradassem seus contratantes (invariavelmente feios, desprovidos de uma natureza corpórea harmônica aos padrões vigentes). Teve até quem tornou-se cego, vitimado pela vaidade de quem amou e viu a encomenda para além da bela arte e, temeroso que pudesse o autor reproduzi-la noutras latitudes, a tornou única forçosamente, mandando tirar a visão do artista para que esse não pudesse vislumbrar um ‘ctr c/ctr v’ que fosse.

Com as nossas civilizações (?) atuais, nada disso se modificou muito. A necessidade que vem desde os tempos antigos de mostrar, de exibir a aludida beleza, de compartilhar o modo de vida ou alguma exclusividade permanecem quase intactas. Muitas das vaidades humanas atravessaram milênios sem quase se decompor. O ouro nos corpos em vida e nas tumbas em nada se diferencia dos metais ostentados nos corpos atuais ou sobre chassis automotivos de alto custo e gosto duvidoso.


E o surgimento do daguerreótipo (século 19) cerca de 400 anos depois da tipografia gráfica (séc 15) começou a revolucionar a maneira de como se perpetuaria a imagem e a escrita, respectivamente. Mais tarde, a câmera de cinema e da televisão sacudiram mais ainda o registro da estética humana e suas nuances psíquicas, com a vaidade puxando o comboio.

E cá estamos, no ano de 2021 da era cristã, ainda a nos deslumbrar com o registro da imagem física de corpos e rostos dos nossos tempos, com uma vivência virtual suportada por uma rede de computadores de alta performance que permite armazenamento estratosférico de imagens (dados). Softwares que realçam a beleza e escondem as estrias, espinhas, manchas da pele e barrigas salientes de influenciadoras (es) digitais e blogueiras (os), que ganham muito dinheiro e transformam tudo que tocam em ouro.

A sedução da imagem que o cérebro registra, seja pelo olho nu do passado ou pela lente poderosa de uma câmera de altíssima resolução, continua a nos pautar o modo de vida privado, transformando-o em assunto público quando conveniente. Ela assombra, nos apreende no ‘modo mercadoria’ e reinventa-se, perpetuando-se como farol ininterrupto a nos conduzir de onde saímos lá atrás para nem sabermos direito até onde, quando e de que modo lá na frente vai existir. Mas, humana que é, é certo que sobreviverá.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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