O preço do ovo da galinha virou o assunto das últimas semanas, disputando com o calorão as conversas de elevador. Sim, de fato estamos colhendo os frutos de fatores climáticos que vem mudando padrões atmosféricos e até mesmo processos reprodutivos. De acordo com o Instituto Ovos Brasil, as altas temperaturas registradas no início do ano afetaram a produtividade das aves, impactando diretamente a oferta e os custos de produção.E, à medida que episódios de calor extremo e seca se tornam mais frequentes, outros alimentos também podem sofrer oscilações de preço, como é o caso do café, por exemplo. Nos mamíferos, os efeitos das altas temperaturas também são notáveis. Em fêmeas, o calor excessivo influencia diversos aspectos reprodutivos, desde a demanda de energia para manutenção da temperatura corporal até a alteração do desenvolvimento pré-natal. Além disso, a atividade reprodutiva, essencial para a produção de leite, é comprometida pelo estresse térmico.O rápido aquecimento do clima tem sido associado ao declínio populacional de mamíferos e aves, sendo estas particularmente vulneráveis, pois suas estações de reprodução são altamente sensíveis a mudanças de temperatura. O biólogo Carlos Gabriel Moreira de Almeida, formado pela UNIPAMPA e doutor em Neurociências, alerta para os impactos dessa nova realidade.Recentemente, um artigo publicado na Iranian Journal of Public Health discutiu a relação das mudanças climáticas e a queda da fertilidade masculina. Estudos apontam que os gases de efeito estufa podem interferir nos hormônios reprodutivos masculinos, comprometendo a qualidade do esperma e causando danos diretos às células testiculares.Diante desse cenário, já podemos afirmar que nas próximas décadas, o fator climático provocará uma queda na taxa de natalidade? Para esclarecer essa e outras questões, o Blog Fiscal do Clima conversou com o doutor Rogério de Barros Ferreira Leão, ginecologista, obstetra e responsável técnico pelo laboratório de Reprodução Humana da Unicamp.Doutor, de que forma o aquecimento global e as mudanças climáticas podem afetar a reprodução masculina a ponto de tornar os homens mais inférteis?Sabemos que altas temperaturas são nocivas para o funcionamento dos testículos. Eles ficam em uma bolsa fora do corpo para poderem ficar em uma temperatura abaixo da temperatura corporal, o que é necessário para um bom funcionamento testicular. Exposição dos testículos a altas temperaturas leva a um menor funcionamento, diminuindo a produção espermática e diminuindo a qualidade do sêmen.Além disso, há também aumento na fragmentação do DNA do espermatozoide, o que está associado a menor potencial reprodutivo. Por isso, obesidade, varicocele (dilatação dos vasos sanguíneos da região escrotal) e exposição ambiental a altas temperaturas, por aumentarem a temperatura na região escrotal, podem prejudicar o funcionamento dos testículos e diminuir a fertilidade.Tem um estudo na China que avaliou quase 45 mil amostras de sêmen e mostrou que a qualidade seminal era pior em amostras colhidas em épocas de muito calor quando comparadas a épocas com temperatura mais amenas. Então, sim, maiores temperaturas podem levar a piora na qualidade seminal e diminuição da fertilidade. Entretanto, é questionável se isso poderia causar infertilidade em homens férteis.Já em homens subférteis ou com fatores de risco como obesidade, varicocele ou produção diminuída por causas diferentes razões, o aumento da temperatura pode ser um fator que piore sua chance de gravidez.Dentro desse cenário, se as projeções de aumento de temperatura do planeta se confirmarem, podemos dizer que nas próximas décadas casais pelo mundo todo terão menos filhos, sobretudo de forma natural?Existe realmente a preocupação de temperaturas ambientais maiores afetarem negativamente a qualidade seminal, pelas razões ditas anteriormente. Se o aumento for significativo nas próximas décadas, pode ter uma influência negativa. Entretanto, não podemos afirmar que isso seria suficiente para afetar o potencial reprodutivo de homens férteis. Mas pode ser um fator a mais de dificuldade para aqueles que já tem algum problema de fertilidade.Isso de certa forma reflete no aumento da procura pela ciência como tratamentos de reprodução assistida, já que até 30-40% dos casos de infertilidade se devem a má qualidade seminal?Realmente a necessidade de procurar por clínicas de reprodução vem aumentando muito nos últimos anos por vários fatores. Um deles é o fato dos casais começarem a tentar engravidar em idades mais avançadas, após 35 anos e até depois dos 40 anos, quando seu potencial reprodutivo já está menor. Isso afeta muito mais a mulher, mas também há uma queda na qualidade seminal com o avançar da idade.Além disso, um estudo realizado na Unicamp, avaliando amostras de sêmen por 10 anos, mostrou uma queda na qualidade seminal ao longo dos anos. Isso se deve a muitos fatores como poluentes, produtos químicos, alimentação de má qualidade, aumento da obesidade, maus hábitos, etc... E o aumento da temperatura pode ser um fator negativo a mais. Em relação à temperatura, não podemos afirmar que pequenos aumentos na temperatura ambiente irão tornar homens inférteis.Entretanto, pode ser que aqueles que já têm uma fertilidade diminuída ou algum fator de risco, isso seja um ponto que dificulte a gravidez espontânea e torne necessário partir para tratamentos de reprodução assistida. O insucesso reprodutivo muitas vezes não é determinado por um fator isolado mas uma somatória de fatores masculinos e femininos. Para alguns casais, este fator negativo pode fazer diferença.Que outros hábitos ou estilos de vida somados ao chamado estresse térmico deveriam ser evitados por homens que buscam preservar sua fertilidade? E o que de fato seria esse estresse térmico?Os testículos necessitam estar de 3 a 5 graus abaixo da temperatura corporal para um bom funcionamento. Temperaturas maiores são nocivas às células germinativas, responsáveis pela produção dos espermatozoides, levando à piora na qualidade seminal e, logo, na fertilidade. Assim, o estresse térmico seria qualquer situação que aumente a temperatura da região testicular.Entre elas estão: - Atividades que aumentem temperatura da região escrotal, como o uso de bicicleta por 5 ou mais horas semanais, que estão relacionadas à piora seminal. - Obesidade, que também é um fator relacionado à piora seminal, além aumento de transtorno de espectro autista e esquizofrenia na prole por fatores epigenéticos sobre o DNA dos espermatozoides. - Uso frequente de saunas e banheira quente. - Varicocele (dilatação dos vasos sanguíneos da região escrotal), uma das causas mais frequentes de infertilidade masculina. - E uso de calças e roupas íntimas apertadas, deixando o testículo mais próximo do corpo e, portando, em uma temperatura maior.Além do fator térmico, outros hábitos também podem afetar a fertilidade masculina, como o cigarro, por exemplo, que é o pior vilão para fertilidade: aumenta o risco de infertilidade por piora na qualidade seminal, além de levar a maior fragmentação do DNA do espermatozoide (o que está associada a maior taxa de aborto). Álcool em excesso e drogas recreativas em geral também têm efeito nocivo sobre a fertilidade. Outro fator é a exposição a toxinas ambientais que podem agir como disruptores endócrinos, afetando a produção hormonal e a fertilidade.Algumas medidas para reduzir essa exposição incluem evitar plásticos com bisfenol A (BPA), dando prioridade a vidro, principalmente se for aquecer no micro-ondas; e evitar exposição a pesticidas e produtos químicos industriais, lavando bem frutas e verduras antes do consumo e dando prioridade a alimentos orgânicos. Alimentação também é importante! Deve-se evitar excesso de gorduras trans, presentes em alimentos ultraprocessados, embutidos e fast food.Em contrapartida, deve-se priorizar alimentos ricos em ômega-3 (peixes, nozes, sementes de chia e linhaça) e vitaminas antioxidantes, como vitamina C (laranja, acerola, kiwi, morango), vitamina E (abacate, azeite de oliva, sementes de abóbora) e ácido fólico, presente em folhas verdes-escuras, leguminosas e ovos.