Zuranolona: primeiro antidepressivo para Depressão Pós-Parto
A zuranolona foi o primeiro antidepressivo desenhado especificamente para o tratamento da depressão pós-parto. É uma grande esperança na revolução do tratamento dessa doença mental tão incapacitante e dolorosa.
Joel Rennó Jr|Do R7
No dia 15/8/2023, fui convidado pela jornalista Roxane Ré a dar uma entrevista ao Jornal da USP, na Rádio USP, sobre o primeiro medicamento para tratar especificamente a depressão pós-parto (DPP).
Na imprensa leiga, várias reportagens sobre a zuranolona, aprovada pela FDA (Food and Drug Administration, EUA) como a primeira pílula exclusiva para o tratamento de depressão pós parto, foram replicadas.
Mas quais são os reais benefícios potenciais e a utilidade clínica da nova pílula?
Trabalho como psiquiatra há 30 anos na área de saúde mental da mulher. O grupo que eu coordeno no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Programa Saúde Mental da Mulher, ProMulher) completou exatamente 30 anos em 2023, com milhares de atendimentos prestados às gestantes e puérperas que sofrem de depressão.
É um assunto médico ainda envolto de tabus, medos e preconceitos. Falar de antidepressivo nesse período de vida da mulher pode ser considerado uma heresia, ou seja, há muito estigma, e tais pacientes sofrem caladas.
A depressão pós-parto é uma condição que causa grande sofrimento e prejuízos funcionais, dificultando sobremaneira o desenvolvimento do vínculo mãe-bebê. Se não tratada, além de oferecer sérios riscos de suicídio à mãe, pode prejudicar o aleitamento materno e o desenvolvimento de linguagem, socioafetivo e psicomotor da criança. No Brasil, estima-se que uma de cada cinco mulheres gestantes tenham depressão pós-parto.
Entre os fatores de risco para a DPP, o principal deles é a depressão na gravidez não diagnosticada ou não tratada ou mesmo o abandono do tratamento ao descobrir a gravidez. Cerca de 60% dos casos de depressão pós-parto são decorrentes de tal fator. Algumas mulheres são também mais vulneráveis às oscilações dos níveis hormonais que ocorrem logo após o nascimento do bebê. Outros gatilhos para a DPP incluem insônia, dificuldades com a amamentação, antecedentes prévios de depressão na família ou pessoal, além de baixo suporte sociofamiliar.
Sobre a zuranolona, ela atua como moduladora do receptor gaba, um receptor depressor do sistema nervoso central (SNC), sendo desenhada especificamente para o tratamento da DPP. A eficácia foi demonstrada em dois estudos multicêntricos, randomizados, duplo-cegos e controlados com placebo de excelente qualidade. O interessante é que esse novo antidepressivo começa a atuar a partir do terceiro dia de tratamento, ao contrário dos antidepressivos comuns que agem a partir de 15 a 20 dias. Esse é um diferencial extremamente relevante, além do tempo máximo de tratamento, que é de 15 dias, enquanto com os antidepressivos atuais é de meses ou anos.
Pesquisadores esperam que o novo antidepressivo estimule muitas mulheres a procurar ajuda e leve ao engajamento de mais obstetras.
A nova droga ainda não está disponível nem tem o preço estipulado nos EUA. Minha grande preocupação é que os custos no Brasil sejam muito elevados e inacessíveis à maior parte das mulheres que sofrem de DPP.
O remédio deve ser tomado à noite, junto de uma refeição rica em gorduras, para melhorar a absorção. Os efeitos colaterais incluem sonolência, tontura, enjôo, fadiga, diarreia, nasofaringite (sintomas semelhantes aos do resfriado) e infecção do trato urinário. No início do tratamento, como ocorre com os demais antidepressivos, atenção a eventuais pensamentos suicidas e cuidado ao operar máquinas.
E essa droga será adequada a todas as mulheres que sofrem de DPP?
Com certeza, não. Não existe panaceia no mundo da medicina em nenhuma especialidade. Possivelmente, para quadros graves e recorrentes de depressão, a zuranolona não seja efetiva, porque tais quadros não podem ser tratados por apenas duas semanas.
Possivelmente, mulheres que estejam sofrendo do primeiro episódio de DPP sejam as candidatas ideais ao novo antidepressivo, assim como aquelas que sofrem de depressão ansiosa ou acompanhada de insônia.
Por fim, segundo os estudos clínicos atuais, após o tratamento por 15 dias e a remissão dos sintomas depressivos, o efeito antidepressivo parece permanecer, mesmo sem o medicamento. Mas como nada é perfeito, o tratamento com a zuranolona ainda não foi testado em mulheres em amamentação, ao contrário dos atuais medicamentos existentes.
Fonte: entrevista do dr. Joel Rennó Jr à Rádio USP, no dia 15/8/2023 (Instagram @profdrjoelrennojr)
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