Ex-conselheira do Cade alerta para os riscos de uma fusão entre GOL e Azul
Para a economista Cristiane Alkmin Schmidt, o fato de ambas já operarem acordos como o codeshare e o interline torna justificativas como ganhos de eficiência trazidos por uma fusão ainda mais fracas
O avanço da recuperação judicial da GOL nos Estados Unidos, com a decisão de fundos ancorarem o processo com um investimento de até US$ 1,25 bilhão, e a reestruturação da empresa prevista para acontecer até julho, reacendeu o debate em torno das negociações entre Abra, holding controladora da GOL, e a Azul para uma possível fusão entre as duas empresas.
Em seu artigo para a edição de abril da Conjuntura Econômica, Cristiane Alkmin Schmidt, presidente da MSGas, conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no período 2015-2018, alerta para os riscos que uma junção entre ambas as companhias poderia acarretar para os consumidores brasileiros, defendendo que caberia ao órgão desautorizar essa operação.
“A motivação dessa fusão, destaca-se, é nebulosa e questionável”, afirma em seu texto. Nesta semana, o Cade avaliou que o acordo de compartilhamento de voos (codeshare) entre Gol e Azul anunciado em maio de 2024 não tem impacto concorrencial, mas determinou sua formalização até maio de 2026, até quando não poderão ampliar o número de rotas compartilhadas. Para avaliar sobre uma fusão entre as companhias, o Cade precisa ser notificado, o que ainda não aconteceu.
Para embasar o alerta sobre o impacto dessa fusão – que também foi feito pelo economista José Roberto Afonso em artigo no blog Conjuntura Econômica de setembro de 2024 (leia mais) –, Schmidt traça um rico preâmbulo da evolução do arcabouço antitruste no Brasil e do processo de desregulamentação e liberação tarifária da aviação civil brasileira a partir dos anos 1990. Ela recorda as condições concorrenciais já complexas que o setor apresenta, dado o significativo investimento que implica, além da dependência da disponibilidade e capacidade de aeroportos para garantir o direito de pousar ou decolar (slot), condições que tendem a limitar a entrada de novas empresas. De 1994 a 2017, destaca, foram 123 processos administrativos em que o Cade manifestou a necessidade de apurar, prevenir ou reprimir infrações.
Hoje, destaca, Gol e Azul detém, respectivamente, 33% e 28% do mercado de viagens de passageiros no Brasil. Somadas, chegariam a 61%. “Pior seria a concentração, quase monopolista, em determinadas rotas, como a de Recife (90%), Galeão (81%) e BH (84%)”, destacou no texto, lembrando ainda que, no Brasil, apenas oito cidades, de mais de 5,5 mil do país, são hubs aeroportuários.
Para a economista, o fato de ambas já operarem acordos como o codeshare e o interline torna justificativas como ganhos de eficiência trazidos por uma fusão ainda mais fracas. Em entrevista para um canal de notícias nesta quinta-feira (3/4), Schmidt acrescentou que, em sua avaliação, o uso desse acordo inclusive superou os limites adequados, posto que nesse período as empresas operaram “uma coordenação de malhas” que reduziu rotas onde havia sobreposições – em torno de 11% nos cerca de 40 trajetos compartilhados - eliminando concorrentes. Essa estratégia, afirmou, pode preparar o terreno para a negociação de uma fusão.
A argumentação voltada à tese de risco de falência, por sua vez, tampouco se justifica na avaliação de Schmidt. Ela destaca que, depois do impacto da pandemia, a Azul já reestruturou sua dívida, reduziu alavancagem e apresentou lucro líquido, e a Gol, como já mencionado, está prestes a concluir sua recuperação. “Ou seja, as duas, que têm margem operacional melhor do que a da Latam, já não correm o risco de saírem do mercado, o que ocasionaria uma concentração econômica indesejada”, afirma.
Para Schmidt, o exemplo da fusão Gol-Webjet, aprovada pelo Cade em 2012, já foi suficiente para mostrar o encarecimento de viagens, como levantamento do próprio Cade apontou posteriormente. “Tanto na Europa quanto nos EUA fusões semelhantes foram negadas, dadas as consequências nocivas aos europeus e americanos”, diz, apontando que nesses mercados a concentração é ainda menor. “É com elevada probabilidade que haverá dano ao brasileiro, se a fusão for aprovada, assim como ocorreu com Gol-Webjet”, conclui, apontando a contraindicação do negócio para o bolso do brasileiro.
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