O silêncio da diplomacia no caso do soldado israelense
Ação de ONG estrangeira levanta questionamentos sobre neutralidade e soberania do Brasil
O recente caso envolvendo o soldado israelense Yuval Vagdani, de 21 anos, e a atuação da Fundação Hind Rajab, uma ONG pró-Palestina sediada na Bélgica que promove ações judiciais para prender militares israelenses supostamente envolvidos na guerra contra o grupo terrorista Hamas, trouxe à tona um debate sensível sobre diplomacia, soberania e a postura do Brasil em situações internacionais.
No fim de dezembro, em nome da entidade, dois advogados de São Paulo apresentaram à Justiça Federal da Bahia um pedido para prendê-lo, após descobrirem, nas redes sociais, que ele estava de férias em Morro de São Paulo, tradicional destino de turistas israelenses no estado. Na ação apresentada à Justiça Federal, o soldado foi acusado de ter participado da destruição de um quarteirão residencial em Gaza utilizando explosivos fora de um contexto de combate.
Seguindo parecer do Ministério Público Federal, a prisão do militar foi negada, assim como a apreensão de celular e passaporte, impedindo sua saída do Brasil. Alertado pelas autoridades israelenses, o soldado deixou o país e seguiu para a Argentina.
As reações de Israel foram imediatas. O Ministério das Relações Exteriores de Israel divulgou que a embaixada no Brasil esteve em contato direto com o soldado e sua família, oferecendo assistência durante todo o ocorrido e garantindo que ele deixasse o país de forma rápida e segura.
O ministro de Asssuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel, Amichai Chikli, se pronunciou enquanto o Itamaraty não ofereceu uma resposta oficial, o que levantou críticas quanto à ausência de um posicionamento governamental claro. A orientação aos jornalistas é procurar o Ministério da Justiça por se tratar de uma “investigação judicial”.
A organização “Stand With Us Brazil”, que combate o extremismo e o antissemitismo no mundo, explicou em nota que a Fundação Hind Rajab foi criada recentemente, após o início da guerra em curso entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza.
“Seu nome é uma homenagem a Hind Rajab, uma criança de seis anos que foi morta em fevereiro do ano passado no enclave palestino. Embora sua morte tenha sido atribuída às Forças de Defesa de Israel (IDF), investigações iniciais apontam que não havia tropas no local durante o horário do ocorrido. Isso, por si só, já mina a credibilidade da organização, mas há mais. Dyab Abou Jahjah, líder da HRF, já chegou a publicar nas redes sociais conteúdos que negam o Holocausto e, em 17 de outubro de 2024, fez posts no X (antigo Twitter) lamentando a morte do líder do Hamas Yahya Sinwar”.
O presidente executivo da organização, André Lajst, acrescenta na explicação que tais fatos deixam claro que a HRF não tem nenhuma legitimidade para fazer denúncias contra cidadãos israelenses. “A ONG simplesmente busca utilizar-se do sistema jurídico brasileiro para alcançar os mesmos objetivos do grupo terrorista Hamas. A própria denúncia em questão foi baseada em evidências questionáveis e em uma jurisprudência praticamente nula, uma vez que não há mandados por parte do Tribunal Penal Internacional contra o israelense em questão e não há nenhum caso prévio de prisão realizada por motivo semelhante”.
Riscos de Envolvimento
O episódio reacendeu questionamentos sobre os limites da jurisdição internacional e o papel do Brasil como mediador de conflitos. Se o inquérito com base em alegações de uma entidade estrangeira fosse instaurado, o Brasil colocaria em discussão sua soberania jurídica e diplomática, que sempre foi um pilar na condução de sua política externa.
Historicamente, somos reconhecidos por adotar uma postura de neutralidade em conflitos internacionais, buscando soluções pacíficas por meio do diálogo e da cooperação. Essa tradição fundamenta nossa política externa e é essencial para a imagem do país como um ator confiável em negociações globais.
Se aceitasse investigar alegações de crimes de guerra em um contexto geopolítico sensível, o Brasil arriscaria comprometer sua neutralidade.
Além disso, a ausência de uma resposta oficial do Itamaraty ao governo israelense agrava o desconforto diplomático, gerando ruídos com potenciais impactos a longo prazo nas relações bilaterais.
Precedente Perigoso
Outra questão é: até que ponto ONGs estrangeiras podem intervir no sistema de justiça brasileiro para investigar questões que não envolvem diretamente o país? Essa situação levanta preocupações sobre a soberania jurídica brasileira e o impacto em agentes de segurança e diplomatas, que poderiam ser alvos de ações similares no exterior.
Então, este caso é mais do que um incidente isolado; é um alerta sobre os desafios que o Brasil pode enfrentar ao lidar com questões globais complexas. A tradição diplomática brasileira, baseada em soluções pacíficas e respeito à soberania, deve ser preservada. Para isso, é crucial que o governo, por meio do Itamaraty, adote uma postura clara e assertiva, reafirmando o compromisso com a neutralidade e o diálogo.
A lição que fica é a importância de cautela ao nos envolvermos em conflitos internacionais, especialmente em um mundo polarizado. Ao mesmo tempo, é essencial reforçar nosso papel como mediador, sem comprometer os valores que guiam nossa política externa há décadas.
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