Nos últimos dias, ganhou repercussão o caso de duas estudantes de medicina que gravaram um vídeo sobre o caso de uma jovem transplantada, que passou por três procedimentos para tentar sobreviver. Elas expuseram seu sofrimento como se fosse conteúdo leve para entreter seus seguidores. Não citaram o nome da paciente — é fato. Mas o sigilo foi mantido? Nem tanto. A família da paciente a identificou por meio das falas, e fez uma ferida emocional entrar em hemorragia.A cena revoltou e escancarou algo ainda mais profundo: o quanto a era dos “likes” tem corroído pilares essenciais da convivência humana.Expor um paciente em sofrimento não é apenas antiético — é desumano. Revela uma inversão de valores em que o engajamento vale mais do que o respeito. Um paciente entrega o que tem de mais precioso — a vida — nas mãos de um médico. Esse gesto de confiança deveria ser sagrado. No entanto, vemos futuros profissionais da saúde tratando a vulnerabilidade alheia como... mais um dia comum. Mais um post, como qualquer outro.Como paciente oncológica, já me deparei com médicos que abraçaram minha dor, que escutaram com atenção e me trataram com humanidade. Mas também conheci profissionais que batiam ponto como se estivessem cumprindo um expediente qualquer. E ser médico é muito mais do que isso: é vocação, é presença, é compromisso com a vida do outro.Ser médico, ou estar em formação para sê-lo, exige mais do que domínio técnico. Exige consciência, caráter, empatia. Mas, infelizmente, atitudes frias e desumanizadas não são incomuns nos corredores. E isso diz muito sobre o que estamos formando: não apenas profissionais, mas seres humanos desconectados da dor do outro.Todas as vidas merecem ser tratadas com dignidade. O leito hospitalar não é palco. O prontuário não é roteiro. A dor de alguém não é conteúdo.Com todo respeito aos bons médicos que ainda existem — e felizmente são muitos —, não está fácil ser paciente hoje em dia. Porque, além da doença, é preciso lidar com o medo de não ser acolhido. De virar estatística. Ou meme.Precisamos urgentemente recolocar a ética no centro da formação médica. E, mais que isso, reaprender a ser humano.