Brasil faz 1.977 alertas para prevenir acidentes aéreos em dez anos
Cenipa registrou 1.594 acidentes e 582 incidentes graves no período. Investigações resultaram em recomendações de segurança na aviação
São Paulo|Márcio Neves, do R7
Relatórios de investigação de acidentes e incidentes graves, ocorridos com aviões e helicópteros no país e produzidos pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), geraram 1.977 recomendações de segurança entre 2008 e 2017.
Significa dizer que ocorrem, em média, 197 recomendações de segurança por ano ou, mais que isso, um aviso que pode prevenir a possibilidade de uma tragédia a cada dois dias.
Esses alertas auxiliam pilotos, donos de aeronaves, empresas aéreas e agência reguladora a desenvolver trabalhos e medidas para prevenir que novos acidentes aconteçam.
"O foco das investigações é sempre a prevenção", diz o major-aviador Daniel Duarte Moreira Peixoto, que é investigador do Cenipa.
Somente nos últimos dez anos, entre 2008 e 2017, foram registrados 1.594 acidentes envolvendo aeronaves no país — os dados incluem tanto aviões como helicópteros. Essas ocorrências já auxiliaram o órgão a gerar 1.631 recomendações de segurança.
Outras 582 ocorrências de incidentes graves, quando ocorre uma situação que potencialmente poderia ter resultado em um acidente, também foram registradas e deram origem a outras 346 recomendações.
"O trabalho do Cenipa é fundamental para a segurança da aviação, os dados são públicos e contribuem para tornar a aviação mais segura", afirma o piloto e diretor de segurança de voo do Sindicato dos Aeronautas, João Henrique Ferreira Varella.
Estas recomendações feitas pelo Cenipa, que é um órgão da FAB (Força Aérea Brasileira), são realizadas após a publicação de um relatório final após a investigação de qualquer acidente com aviões ou helicópteros no país.
Para garantir que os dados sejam exclusivamente para prevenção, segundo o major-aviador Daniel Duarte, existe inclusive uma prerrogativa que proíbe que seu conteúdo seja utilizado numa investigação criminal sobre determinado acidente ou ocorrência aérea.
"Dados publicados pelo Cenipa ajudam a prevenir acidentes no Brasil e no Mundo"
Um exemplo de recomendação feita em um relatório final foi a sugestão de que uma companhia aérea aperfeiçoasse o treinamento de seus pilotos para o uso do radar meteorológico do avião.
O alerta foi feito depois que, em setembro de 2013, uma aeronave que vinha de Madrid na Espanha com destino ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, trazendo 168 passageiros e 16 tripulantes entrou numa zona meteorológica que provocou uma turbulência [uma movimentação do ar que balança o avião], que acabou ferindo gravemente três pessoas e outras 12 sem menor gravidade.
Segundo o Cenipa, os pilotos deveriam ter feito um ajuste no radar que evitaria com que o avião passasse pela área de turbulência. Também foi recomendando o ensino do conteúdo do relatório para que os pilotos possam aprimorar a forma como lidar com situações meteorológicas adversas, para evitar que ocorram acidentes similares.
"Essa recomendação é enviada para todas as companhias aéreas, no Brasil e no Mundo, não só a que enfrentou o problema", destaca Ferreira Varela, do Sindicato dos Aeronautas.
O acidente com uma aeronave de pequeno porte em janeiro de 2017, que matou o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki e outras quatro pessoas, também gerou recomendações para prevenir que acidentes similares aconteçam.
Na ocorrência da aeronave PR-SOM em Paraty, cidade a 240 km do Rio de Janeiro, por exemplo, o Cenipa recomendou que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) divulgasse a necessidade de seguir as regras de operação em qualquer circunstância e fizesse uma revisão da formação dos pilotos para um melhor conhecimento sobre o problema de ilusões visuais durante o comando de uma aeronave, ambos fatores determinantes apontados no relatório como contribuintes para a queda da aeronave.
Outra ocorrência, que foi objeto de uma recomendação considerada de extrema importância por especialistas, era a de que os pilotos não devem ceder sobre a pressão dos donos das aeronaves, principalmente para forçar um pouso em locais ou condições adversas.
Em 2012, a queda de uma aeronave com 6 passageiros e 2 tripulantes em 2012 na cidade de Juiz de Fora, cidade a 480 km de Belo Horizonte, teve dentre os fatores contribuintes para queda do avião "a necessidade de atendimento [pelo piloto] das demandas de seus empregadores".
Segundo o relatório, havia névoa na aproximação da aeronave para pouso, e o piloto decidiu manter o procedimento de pouso, mesmo com condições climáticas e de aproximação para pouso desfavoráveis no aeroporto da cidade. Todos os ocupantes da aeronave morreram.
Publicação online, mas sem prazo
Os dados do relatório e recomendações de segurança disponibilizados pelo Cenipa são publicados em uma plataforma online e permite que profissionais de aviação possam consultá-los, a fim de aplicar tais procedimentos nas aeronaves que comandam.
Entretanto, os relatórios finais não possuem prazos definidos para publicação e podem demorar meses e até anos para ficarem prontos.
"Muitas vezes o investigador depende de inúmeros fatores, até de entrar em contato com o fabricante da aeronave, e isto leva tempo [...]. Mas podemos emitir recomendações de segurança a qualquer momento no curso da investigação" afirma o major-aviador Moreira, do Cenipa.
Apesar de não haver prazo específico, o diretor de segurança de voo do Sindicato dos Aeronautas, João Varella, destaca que o trabalho do órgão é reconhecido internacionalmente. "É um dos melhores centros de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos do mundo, inclusive oferecendo treinamento e troca de informações com outros países", diz.
Não registra só acidentes
Além dos acidentes e incidentes graves, que são responsabilidades obrigatórias de investigação pelo Cenipa, o órgão também registra outros tipos de ocorrência que possam prejudicar a segurança da operação de aviões e helicópteros — como a presença ou colisão de aeronaves com pássaros, balões e ameaças de visibilidade com o uso de raio laser.
Segundo o órgão, por exemplo, já foram registrados mais de 2,5 mil ocorrências da presença de balõesna rotas de aeronaves ou próximos de aeroportos, e outras 2.000 registros de aves em sobrevoo também na rota ou próxima de aeronaves.
Além disso, nos últimos 7 anos foram reportados mais de 7.000 ocorrências de lasers sendo apontados para aeronaves, uma prática que, segundo especialistas, também coloca a segurança de voo em risco.
Qualquer pessoa pode registrar uma ocorrência
Apesar de a aviação exigir grande bagagem técnica e estudos aprofundados, especialistas lembram que qualquer cidadão pode registrar uma ocorrência para ser investigada pelo Cenipa, utilizando o site do órgão.
"Se um passageiro vê alguém chutando um cone [usado para demarcar uma área] para próximo de uma turbina, ele pode entrar no site do Cenipa e registrar isso, para que seja investigado. Pode parecer algo pequeno, mas ele vai estar contribuindo para aumentar a segurança do voo", diz João Varella, do Sindicato dos Aeronautas.
O major-aviador Daniel Duarte lembra que até mesmo a ocorrência de um acidente pode ser notificada por qualquer pessoa. "Se for uma ocorrência de acidente, as equipes do Seripa (Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos) se organizam para levantar as informações iniciais e confirmar o acidente, para então ir para o local e iniciar a coleta de materiais e informações para a investigação que gerará o relatório mais tarde", diz Duarte.