Como funciona a comunicação secreta do PCC presídios afora
Segundo promotor de Justiça Lincoln Gakiya, facção criminosa muda de códigos frequentemente e, por isso, o padrão não decodifica outras cartas
São Paulo|Fabíola Perez e Kaique Dalapola, do R7
Após duas cartas codificadas, escritas por supostas lideranças da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), terem sido interceptadas pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e seu conteúdo se tornado público, o R7 decodificou os símbolos utilizados para encontrar o padrão adotado na escrita em códigos e identificar qual seria o alfabeto secreto empregado nas correspondências atribuídas à organização criminosa.
Os papeis, com um suposto plano para executar o promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Lincoln Gakiya, teriam saído da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, presídio que reúne a suposta cúpula do PCC, com destino a integrantes do grupo em liberdade nas ruas. A entrega das cartas seria realizada por duas mulheres, presas em flagrante pela polícia no último sábado (8).
De acordo com o promotor, os integrantes da facção criminosa mudam os símbolos utilizados nas correspondências semanalmente. "Eles criam novos códigos, alteram letras e números para cada palavra, isso vai para a rua e para pessoas de dentro dos presídios", diz.
Segundo Gakiya, cartas apreendidas um mês atrás, com um padrão de códigos, já não servem mais para ajudar a decodificar as novas cartas secretas. "Isso sempre ocorreu através das visitas. É praticamente impossível detectar esses papeis com a sistemática das visitas íntimas", afirma o promotor.
Ele conta que as cartas não são detectadas no portal de metal, nem mesmo pelo scaner corporal, na entrada de visitantes dos presídios. Os equipamentos só conseguem monitorar objetos mais pesados. "As mulheres que entram e saem para visitar seus maridos [e levam as cartas] são chamadas de pontes, recebem até R$ 2 mil por mês ou R$ 500 por semana pelo serviço."
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O promotor ainda afirma que os presos já usaram palavras como abacaxi, limão, morango, laranja para definir a polícia e o Ministério Público antes de chegaram a atual codificação, considerada mais sofisticada.
De forma geral, as cartas são escritas por presos que recebem ordens da cúpula do PCC. Depois de escritas com letras do alfabeto, são enviadas para o "setor de codificação" para o detento responsável transformar os textos em códigos. "Elas só saem para a rua codificadas. Temos dificuldades em traduzir algumas."
Lincoln não quis comentar as cartas com supostas ameaças a ele, mas explicou que, muitas vezes, são apreendidos pen-drivers que contém a chave para decodificação, o que facilita o processo. "Tudo isso poderia ser minorado se não houvesse visita íntima. As mulheres levam as cartas nos órgãos genitais. Se as visitas ocorrem pelo vidro, como nos EUA, ficaria difícil para as cartas saírem dos presídios."
Mais cartas e mais sofisticação
O que mudou, diz o promotor, foi o grau de sofisticação. "Antigamente, pegávamos cartas com 'salves' explícitos, inclusive, com erros de português. Hoje, pegamos todas codificadas." Na semana passada, no raio um da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde cumprem pena Marcola e outros líderes do PCC, foi apreendido um pen-drive com mais 700 cartas codificadas.
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"A polícia ainda não conseguiu decodificar nem um terço delas, vai demorar muito tempo ou até anos para decodificá-las. São necessários agentes treinados com dedicação e tempo. Eles têm todo o tempo do mundo e colocam vários presos para isso", diz Gakiya.
O promotor explica que a quantidade de cartas tem crescido conforme se impõem dificuldades à comunicação. "Quando tinha telefone celular praticamente não havia essas cartas. Na P2, desde 2013 não tem telefone celular porque o bloqueador tem funcionado", afirma ele. "Isso força os presos da liderança a encontrarem outras formas de comunicação com o mundo externo."
Na operação Echelon, coordenada pelo Gaeco, em julho desse ano, os promotores apreenderam diversas cartas em esgotos sem codificação. " Tínhamos informações de inteligência que as cartas saíam daquele raio não codificadas e iam para outro raio serem codificadas. Fizemos uma operação de blitz e conseguimos apreender as cartas sem códigos", diz Gakiya.
O promotor afirma que há uma evolução no trabalho de inteligência para evitar a disseminação das cartas. Mas, segundo ele, seria imprescindível a proibição da visita íntima em casos como esses. "É uma questão que o estado vai enfrentar."
Veja abaixo o atual alfabeto do PCC, utilizado em cartas recentes:
A - 9C
B - X1
C - 854
D - P2
E - CK
F - M5
G - 723
H - 8A
I - XT
J - 148
L - K9
M - V8
N - W2
O - A3
P - B5
Q - D2
R - 659
S - 4M
T - G3
U - HN
V - F7
W - OP
X - NT
Z - 491